Os "erros" de Kurt Prober


Que nos perdoem os que defendem que tudo o que foi dito pelo grande estudioso e numismata não pode ser contestado. A verdade é que ninguém é infalível, como iremos demonstrar a seguir:

Já demonstramos, em outras ocasiões (clique aqui no link1 ou aqui no link2 ou no link3), que Kurt Prober errou em suas afirmações e agora, ao que tudo indica, aí vem mais uma. Fazemos isso não para demonstrar que o grande numismata errou, mas para alertar que não se pode dar crédito, cegamente, a tudo que lemos, simplesmente porque foi escrito por alguém que é (ou foi), considerado uma sumidade em determinado assunto, alguém que sobressai (ou sobressaiu) entre os do seu círculo, pelo saber.

Na página 82 do seu Catálogo de Moedas Brasileiras (terceira edição, revista e aumentada), no terceiro parágrafo, Kurt Prober escreveu: 

“ - Durante os anos de 1817 e 1818, a Casa da Moeda da Bahia, embora ativa, usou exclusivamente os cunhos com data 1816, e só em 1819 cunhou as primeiras moedas com as Armas do Reino Unido, mas para MOÇAMBIQUE. Todas as moedas de 1817, 1818 e 1819, com a letra monetária B são FALSAS, seja qual for o metal.”

Na página 102 do mesmo catálogo, na data 1819, Kurt Prober sequer deu numeração ao 960 réis que se encontra entre as moedas P-1174H e P-1175, afirmando que o patacão do Reino Unido, cunhado na Bahia, com a data 1819 e letra monetária B, é FALSO.

Ora, sabemos que não existem 960 réis com a letra “B” nas datas 1817 e 1818, mas o que dizer com relação aos três exemplares conhecidos do patacão cunhado na Bahia com a data 1819 e letra monetária “B”?

Ao final do ano de 1815, Portugal passou a ser um Reino Unido, admitindo ou ascendendo o Brasil a esta condição (Reino Unido ao de Portugal e Algarves). Em consequência, foi ordenado que a partir daquele momento as moedas passassem a ter uma nova legenda alusiva ao Novo Reino, cunhando as moedas em conformidade com o novo modelo a ser adotado para os cunhos. 

Nessa época, D. João ainda era Principe Regente e como o novo desenho ainda não havia sido criado, foi cunhada em 1816, na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, uma série de 5 moedas com letra monetária R, onde apenas a legenda foi alterada, demonstrando a elevação do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves; entre elas uma de 960 réis, com legenda nova, mas com desenho igual ao anterior para comemorar o evento.

Essa série de 5 moedas, hoje conhecida como série especial, e composta de:

● 2 moedas de cobre ( 20 e 40 réis ),
● 2 moedas de ouro ( 4000 e 6400 réis ) e
● 1 moeda de prata ( 960 réis ).

Convém ressaltar que, de início, o desenho colonial não foi alterado. A alteração somente se deu em meados de 1818. Em 1817 e parte de 1818, as moedas voltaram a ser cunhadas com legenda e desenho da Colônia. No patacão da série especial, a legenda de anverso passou a ser JOANNES.D.G.PORT.BRAS.ET.ALG.P.REGENS(JOANNES.Dei.Gratia.PORTugaliae.BRASiliae.ET.ALGarbiorum.Princeps.REGENS), mostrando a elevação do Brasil a condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. (Patacão da série especial).

Figura: D. João Príncipe Regente. Patacão da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, 1816, Colônia, com legenda original JOANNES ● D ● G ● PORT ● P ● REGENS ● ET ● BRAS ● D ● (JOANNES ● Dei ● Gratia ● PORTugaliae ● Princips ● REGENS ● ET ● BRASiliae ● Dominus).

Figura: D. João Príncipe Regente. 960 Réis da Casa da Moeda do Rio de Janeiro, 1816, Colônia. Patacão com desenho colonial e legenda alterada para JOANNES ● D ● G ● PORT ● BRAS ● ET ● ALG ● P ● REGENS (JOANNES ● Dei ● Gratia ● PORTugaliae ● BRASiliae ● ET ● ALGarbiorum ● Princips ● REGENS), mostrando a elevação do Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves. (Patacão da série especial).

Dessa forma, foram cunhados (com letra monetária R), no período que vai de 1816 a meados de 1818, patacões com: 

a) Desenho Colonial e legenda original, tendo D. João como Príncipe Regente. 
b) Desenho Colonial e legenda alusiva a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, tendo D.João como Príncipe Regente (1816R – série especial) 
c) Desenho Colonial, retornando à legenda original (1817R e 1818R), ainda com D. João como Príncipe Regente, apesar do Brasil não ser mais considerado uma Colônia. 
d) Desenho e legenda novos (Reino Unido – 1818R) 
Assim sendo, existem dois tipos diversos de patacões com a data 1816R, um tipo com a data 1817R e dois tipos com a data 1818R.

Como o novo desenho alusivo ao Reino Unido não foi criado no devido tempo, vindo a ser aprovado por D. João somente em meados de 1818, a Casa da Moeda do Rio de Janeiro continuou cunhando moedas em 1817 e em 1818, usando o modelo e legenda do período colonial. Por outro lado, a Casa da Moeda da Bahia, não tendo recebido orientação de como proceder com relação à cunhagem das novas armas, decidiu continuar fabricando moedas com a data 1816, com legenda e modelos antigos (colônia), durante os anos de 1817, 1818 e parte do ano de 1819, mas sempre com o cunho de data 1816. Inclusive novos cunhos com essa data (1816), foram abertos.

Figura: Casa da Moeda do Rio de Janeiro. Moeda de 960 réis data 1817, letra monetária “R”, com desenho e legenda da Colônia, cunhagem do Reino Unido (D. João Príncipe Regente).
Figura: Casa da Moeda do Rio de Janeiro. Moeda de 960 réis data 1818, letra monetária “R”, com desenho e legenda da Colônia, cunhado no Reino Unido (D. João Príncipe Regente).
Figura: Casa da Moeda do Rio de Janeiro. Moeda de 960 réis data 1818, letra monetária “R”, com desenho e legenda novos, do Reino Unido (D. João VI, Rei de Portugal, Brasil e Algarves).

Só na metade de 1819 foi suspensa a cunhagem dos 960 réis com a data 1816B, dando fim à prorrogação de cunhagem. Dessa forma, há a possibilidade de encontrarmos moedas de 1816B, recunhadas sobre pesos hispano-americanos de 1817, 1818 e até 1819 (bem mais raros).

Em meados de 1818, a Casa da Moeda do Rio, por se encontrar mais próxima do poder e, consequentemente, ser a primeira a receber os documentos oficiais contendo as decisões reais, passou a cunhar os 960 réis de acordo com o novo desenho aprovado para o Reino Unido. Por esta razão encontramos moedas de 960 réis cunhadas tanto no modelo colonial quanto naquele do Reino Unido, com a data 1818 e letra monetária “R”.

Só ao final de 1819, a Casa da Moeda da Bahia iria receber o material necessário para a abertura dos novos cunhos com as novas armas. Naquele ano ainda foram abertos dois cunhos de anverso e apenas um de reverso para o novo modelo. Como se aproximava o fim do ano de 1819, foram poucas as moedas de 960 réis, cunhadas com as armas do Reino Unido. Utilizaram um dos cunhos de anverso, juntamente com o único cunho de reverso. O segundo cunho de anverso teve a sua data emendada para 1820, com a letra monetária “B”. 
Na imagem acima vê-se um dos 3 exemplares conhecidos do raríssimo 960 réis 1819B. ANV: Desenho do Reino Unido, legenda, valor 960 e data 1819B. REV: Equador confronta-se à esquerda diretamente com a haste inferior do braço esquerdo. É ligado à direita na haste suerior do braço direito. PÉ: Haste esquerda emendada embaixo. Travessão superior atravessa somente a haste direita. Braço esquerdo: Ponto em seu interior. Braço direito: Linha vertical em seu interior. 
Mas, afinal, por que teria sido considerado falso, por alguns numismatas, o 960 réis 1819B?

Provavelmente, pela raridade da data, por ter o reverso igual a algumas variantes do 1820B, e por existir uma outra variante nessa mesma data (1820 B) com a data emendada de 1819 e de cunho de anverso diferente, durante muito tempo alguns estudiosos (incluindo o mestre Kurt Prober), afirmaram que o 960 réis 1819B seria falso. Concluíram assim, DE FORMA ERRADA, que essa raríssima moeda da qual conhecemos apenas 3 exemplares, seria um 960 réis de 1820B, com a data adulterada para 1819, um erro cometido também pelo grande mestre.

Análises mais aprofundadas, sem conclusões apressadas, terminaram por demonstrar que os 2 exemplares conhecidos até então, do 960 réis 1819B, são auntênticos. Mais tarde foi encontrado mais um, perfazendo hoje um total de apenas 3 exemplares dessa jóia da nossa numismática.

Concluindo: O mestre Kurt Prober errou também dessa vez...mas não só essa e outras vezes, como veremos a seguir:

Pesquisar, investigar a possibilidade de algo novo, um exemplar jamais visto ou uma variante inédita, um achado singular, a descoberta de um tesouro ... são apenas alguns dos motivos que fazem da numismática uma ciência fascinante, por que não dizer, irmã da arqueologia.

Nota: QUE NOS PERDOEM OS FÃS INCONDICIONAIS DE KURT PROBER, MAS CONCLUÍMOS QUE O MESTRE ERROU MAIS UMA VEZ. Não é um demérito, principalmente por se tratar do maior numismatógrafo que o Brasil já teve. Mesmo não sendo brasileiro (era alemão), amava o país, a sua história e a numismática que tanto estudou, nos legando um material inestimável.

Depois de muito pesquisar, estudar e verificar textos e documentos, chegamos à conclusão de que o 400 réis da República, data 1914 (pescoço curto e comprido) NÃO são PROVAS DE CUNHO, como sugeriu Kurt Prober em seu catálogo.
Assim, a partir da quarta edição do Catálogo Bentes de Moedas Brasileiras, essa moeda foi retirada do capítulo de “ensaios e provas” e inserida no catálogo como moeda de circulação comum, com o número 634, consequentemente alterando a numeração a partir deste exemplar. Na edição atual (sétima), encontra-se na página 602 do nosso Guia Oficial de Moedas do Brasil

FIM do artigo.