A História da Casa da Moeda do Brasil - Capítulo I
INTRODUÇÃO
Ao longo da segunda metade do século XVII, os problemas decorrentes da falta de moeda metálica no Brasil foram sentidos de maneira crescente. A percepção geral, tanto na Metrópole como na Colônia, era de que a escassez de numerário prejudicava a atividade econômica e, portanto, contribuía para reduzir a arrecadação de impostos. A colônia convivia também com outros problemas relacionados à moeda metálica, tais como as manipulações monetárias realizadas a partir da década de 1640 em Portugal, e as práticas de cerceio e falsificação de moeda. A Lei de Cunhagem de 4 de agosto de 1688, que determinou não só um “levantamento” geral da moeda, mas também que esta corresse a peso, agravou sobremaneira a situação, dando origem aos chamados “motins da moeda”.
Em resposta à crescente sensação de escassez de moeda, desde meados do século XVII as autoridades coloniais demandavam da Metrópole o estabelecimento de um diferencial entre os valores nominais das moedas correntes no Brasil e em Portugal, ou mesmo a abertura de uma Casa da Moeda para cunhar moeda de circulação restrita à Colônia. Em 1694, essas duas demandas foram finalmente atendidas.
A NECESSIDADE DE CUNHAR MOEDA COM VALOR INTRÍNSECO
Cabe inicialmente tecer algumas breves considerações sobre as razões que levavam os indivíduos, nos idos dos séculos XVI a XVII, a demandar moeda especificamente metálica, em vez de outros tipos de moeda sem valor intrínseco. As moedas de então tinham de ter valor elas mesmas, em parte pelas razões que já conhecemos: para ser moeda, uma coisa tinha de possuir determinadas qualidades que o ouro e a prata possuíam, como divisibilidade, facilidade de transporte — peso e volume em relação ao valor nominal —, ser de difícil falsificação, etc. Atendidas essas condições, poderia a moeda ser um “equivalente geral das trocas” e o seu uso reduzir de fato os custos nas tratativas comerciais.
Entretanto, para servir como meio de pagamento, é imperioso também que esse objeto incorpore informação necessária sem custo para obtê-la, o que sempre dependeu de avanços tecnológicos.
A moeda de papel, ou feita de outro material mais barato que o ouro ou a prata, só pôde ser adotada a partir do momento em que tal tecnologia passou a estar disponível. Existem duas maneiras pelas quais as sociedades resolveram o problema de encontrar um meio de pagamento padrão que incorporasse informação suficiente capaz de torná-lo aceitável sem necessidade de detalhada verificação física. A primeira é a utilização de objetos de diferentes valores de uso que também simbolizassem algum valor abstrato de estima, geralmente status ou poder. A segunda é quando uma autoridade externa provê a informação no próprio objeto, através de uma estampa ou marca, de maneira que informe aos usuários potenciais sobre as características do objeto.
Classifica-se como cartalista quem defende a idéia de que o uso da moeda (currency) era baseado essencialmente no simbolismo do poder da autoridade emitente, ou seja, que a currency torna-se money porque as moedas são cunhadas com a insígnia do rei, e não porque são de ouro, de prata ou de cobre. Por outro lado, segundo os metalistas, o valor da currency dependia do seu valor intrínseco, sendo o papel da autoridade restrito ao provimento da informação necessária sobre as características intrínsecas das moedas.
O uso de papel-moeda no lugar das moedas metálicas nos últimos dois séculos oferece forte suporte para a visão cartalista. Mas é preciso responder a uma questão crucial, de caráter histórico: se o valor da moeda estava no carimbo que lhe era aplicado pelo soberano, por que utilizar metais preciosos, que são caros, e não um material mais barato? Duas razões podem ser destacadas: a facilidade de falsificação das moedas e o fato de o poder dos reinos ser limitado, tanto em termos absolutos como geograficamente. Portanto, para tornar mais atraente e diminuir os riscos de reter moeda, era necessário que esta tivesse elevado valor intrínseco. As autoridades não podiam obter muitos ganhos de senhoriagem porque não tinham muito poder.
A conversibilidade da moeda era um fator fundamental: as pessoas só aceitariam uma moeda que pudesse ser facilmente convertida em moeda internacional, em uma época em que, na Europa, o comércio era o setor dinâmico. O fato de moedas estrangeiras circularem abertamente prova isso. Demandavam-se dois tipos de moeda metálica. Em primeiro lugar, e mais importante, demandava-se moeda de ouro e de prata, a única, na época, que poderia ter aceitação internacional. Era com essas moedas de ouro e de prata que, em última instância, eram pagas as importações e as dívidas. Era também essa a forma de ativo que, em momentos de incerteza, de elevação da preferência pela liquidez — expectativa de desvalorizações futuras, confiscos da Inquisição, etc. — melhor servia para entesouramento.
Em segundo lugar, havia demanda por moeda de cobre e moeda de prata de baixo valor nominal (extrínseco) — e ainda menor valor intrínseco. Essas moedas eram usadas exclusivamente no âmbito doméstico e, no caso de Portugal, o poder liberatório das moedas de cobre era, até o final do século XVII, de apenas 100 réis. O custo de produção de moedas de baixo valor nominal era relativamente mais alto que o de produção de moedas de elevado valor nominal, já que ambas tinham custo unitário semelhante, incentivando assim a cunhagem de moedas de mais elevado valor.
Portugal manteve o regime bimetálico até 1797, quando pela primeira vez emitiu papel-moeda. A questão da “política monetária” — ou “política de cunhagem” — esteve, até então, centrada em torno das dificuldades de gerenciamento típicas de tal regime monetário, somadas ao combate às práticas de falsificação e cerceio de moeda, facilitadas, por sua vez, pelas técnicas ainda rudimentares de cunhagem.
A CASA DA MOEDA DA BAHIA
Do Engenho de açucar à unidade Nacional, surge a Casa da Moeda da Bahia - O século XVII foi o do apogeu dos engenhos, da opulência dos nobres senhores, do luxo das mulheres que se adornavam com muitas jóias e se cobriam de sedas.
Ao longo da segunda metade do século XVII, os problemas decorrentes da falta de moeda metálica no Brasil foram sentidos de maneira crescente. A percepção geral, tanto na Metrópole como na Colônia, era de que a escassez de numerário prejudicava a atividade econômica e, portanto, contribuía para reduzir a arrecadação de impostos. A colônia convivia também com outros problemas relacionados à moeda metálica, tais como as manipulações monetárias realizadas a partir da década de 1640 em Portugal, e as práticas de cerceio e falsificação de moeda. A Lei de Cunhagem de 4 de agosto de 1688, que determinou não só um “levantamento” geral da moeda, mas também que esta corresse a peso, agravou sobremaneira a situação, dando origem aos chamados “motins da moeda”.
Em resposta à crescente sensação de escassez de moeda, desde meados do século XVII as autoridades coloniais demandavam da Metrópole o estabelecimento de um diferencial entre os valores nominais das moedas correntes no Brasil e em Portugal, ou mesmo a abertura de uma Casa da Moeda para cunhar moeda de circulação restrita à Colônia. Em 1694, essas duas demandas foram finalmente atendidas.
A NECESSIDADE DE CUNHAR MOEDA COM VALOR INTRÍNSECO
Cabe inicialmente tecer algumas breves considerações sobre as razões que levavam os indivíduos, nos idos dos séculos XVI a XVII, a demandar moeda especificamente metálica, em vez de outros tipos de moeda sem valor intrínseco. As moedas de então tinham de ter valor elas mesmas, em parte pelas razões que já conhecemos: para ser moeda, uma coisa tinha de possuir determinadas qualidades que o ouro e a prata possuíam, como divisibilidade, facilidade de transporte — peso e volume em relação ao valor nominal —, ser de difícil falsificação, etc. Atendidas essas condições, poderia a moeda ser um “equivalente geral das trocas” e o seu uso reduzir de fato os custos nas tratativas comerciais.
Entretanto, para servir como meio de pagamento, é imperioso também que esse objeto incorpore informação necessária sem custo para obtê-la, o que sempre dependeu de avanços tecnológicos.
A moeda de papel, ou feita de outro material mais barato que o ouro ou a prata, só pôde ser adotada a partir do momento em que tal tecnologia passou a estar disponível. Existem duas maneiras pelas quais as sociedades resolveram o problema de encontrar um meio de pagamento padrão que incorporasse informação suficiente capaz de torná-lo aceitável sem necessidade de detalhada verificação física. A primeira é a utilização de objetos de diferentes valores de uso que também simbolizassem algum valor abstrato de estima, geralmente status ou poder. A segunda é quando uma autoridade externa provê a informação no próprio objeto, através de uma estampa ou marca, de maneira que informe aos usuários potenciais sobre as características do objeto.
Classifica-se como cartalista quem defende a idéia de que o uso da moeda (currency) era baseado essencialmente no simbolismo do poder da autoridade emitente, ou seja, que a currency torna-se money porque as moedas são cunhadas com a insígnia do rei, e não porque são de ouro, de prata ou de cobre. Por outro lado, segundo os metalistas, o valor da currency dependia do seu valor intrínseco, sendo o papel da autoridade restrito ao provimento da informação necessária sobre as características intrínsecas das moedas.
O uso de papel-moeda no lugar das moedas metálicas nos últimos dois séculos oferece forte suporte para a visão cartalista. Mas é preciso responder a uma questão crucial, de caráter histórico: se o valor da moeda estava no carimbo que lhe era aplicado pelo soberano, por que utilizar metais preciosos, que são caros, e não um material mais barato? Duas razões podem ser destacadas: a facilidade de falsificação das moedas e o fato de o poder dos reinos ser limitado, tanto em termos absolutos como geograficamente. Portanto, para tornar mais atraente e diminuir os riscos de reter moeda, era necessário que esta tivesse elevado valor intrínseco. As autoridades não podiam obter muitos ganhos de senhoriagem porque não tinham muito poder.
A conversibilidade da moeda era um fator fundamental: as pessoas só aceitariam uma moeda que pudesse ser facilmente convertida em moeda internacional, em uma época em que, na Europa, o comércio era o setor dinâmico. O fato de moedas estrangeiras circularem abertamente prova isso. Demandavam-se dois tipos de moeda metálica. Em primeiro lugar, e mais importante, demandava-se moeda de ouro e de prata, a única, na época, que poderia ter aceitação internacional. Era com essas moedas de ouro e de prata que, em última instância, eram pagas as importações e as dívidas. Era também essa a forma de ativo que, em momentos de incerteza, de elevação da preferência pela liquidez — expectativa de desvalorizações futuras, confiscos da Inquisição, etc. — melhor servia para entesouramento.
Em segundo lugar, havia demanda por moeda de cobre e moeda de prata de baixo valor nominal (extrínseco) — e ainda menor valor intrínseco. Essas moedas eram usadas exclusivamente no âmbito doméstico e, no caso de Portugal, o poder liberatório das moedas de cobre era, até o final do século XVII, de apenas 100 réis. O custo de produção de moedas de baixo valor nominal era relativamente mais alto que o de produção de moedas de elevado valor nominal, já que ambas tinham custo unitário semelhante, incentivando assim a cunhagem de moedas de mais elevado valor.
Portugal manteve o regime bimetálico até 1797, quando pela primeira vez emitiu papel-moeda. A questão da “política monetária” — ou “política de cunhagem” — esteve, até então, centrada em torno das dificuldades de gerenciamento típicas de tal regime monetário, somadas ao combate às práticas de falsificação e cerceio de moeda, facilitadas, por sua vez, pelas técnicas ainda rudimentares de cunhagem.
A tendência geral, tanto na Colônia como na Metrópole, era de escassez crônica de moedas de ouro e prata de valor nominal elevado, assim como de moedas de prata e cobre de baixo valor nominal. A moeda de cobre, vale recordar, era fabricada exclusivamente pelo Estado, em volume pequeno, porque o cobre era muito demandado para usos não monetários como, por exemplo, a fabricação de canhões e de navios.
ESCASSEZ, DEMANDA E OFERTA DE MOEDA
Um dos aspectos econômicos mais enfatizados na historiografia do Brasil colonial é a escassa circulação de moeda metálica, não sendo feita distinção entre os diferentes tipos de moeda. A suposição, portanto, era de que a escassez de numerário fosse generalizada. A economia colonial teria sido uma economia não monetária. Tal aspecto justificaria a pouca atenção dada a questões monetárias nos estudos que tratam desse período, principalmente àqueles correspondentes aos dois primeiros séculos de nossa colonização. Considera-se que uma economia escravista, voltada unicamente para a exportação, não teria necessidade de moeda, visto que:
1. O produtor não necessitava de numerário, porque o pagamento do trabalho se reduzia à manutenção do escravo.
2. Os próprios feitores e empregados qualificados recebiam principalmente in natura.
3. A moeda, existindo em pequena quantidade, só se acumulava nas cidades mais importantes e ali mesmo somente nas mãos dos mais ricos; estes, por sua vez, não tendo necessidade de um intermediário de trocas, dada a rarefação da população e a exigüidade de suas necessidades, mais a entesouravam do que a faziam circular.
Descrevendo a situação particular do Rio de Janeiro, a prosperidade do capital mercantil não era dotada de sincronía com o aumento da circulação monetária interna à vila. Não houve monetização da vida urbana. Os ricos, possuidores de grande quantidade de escravos domésticos, autarquizavam sua subsistência e de seu grupo familiar correspondente. Haveria, por assim dizer, um minúsculo comércio interno e alguns poucos artesãos autônomos. Obviamente, os pobres e livres subsistiam com a produção e extração de alimentos para seu próprio consumo. A reduzida circulação monetária poderia ser vista, por outro lado, como um entrave ao desenvolvimento da economia colonial, sendo esse também o entendimento das autoridades coloniais.
Neste sentido, a moeda seria de fato escassa, uma vez que haveria demanda por moeda não suficientemente atendida pela oferta. A função bancária assumida pelas Santas Casas de Misericórdia, bem como a pura e simples falta de moeda de ouro e prata, foram sintomas de um quadro negativo que impedia o crescimento do mercado interno e comprometia as próprias rendas da Coroa.
No Brasil praticamente só circulava a moeda antiga e no Rio de Janeiro essa mesma moeda era escassa e insuficiente para as necessidades do comércio. As constantes queixas sobre falta de moeda, externadas pela Câmara baiana a partir da década de 1630, e, principalmente, os pedidos de cunhagem de moeda provincial testemunhariam essa escassez. A se acreditar nos documentos da época, a falta de moeda, juntamente com a crescente deterioração da qualidade do meio circulante, constituíram-se, nas últimas décadas do século XVII, um grave problema cuja solução era indispensável até mesmo para a preservação do Brasil como parte integrante do Império.
OS LEVANTAMENTOS DA MOEDA
Até fins do século XVII foi insignificante a produção de metais no Brasil. A oferta de moeda metálica dependia fundamentalmente dos fluxos de metais resultantes das relações comerciais com a América espanhola e com Portugal. Na segunda metade daquele século, o influxo de metais foi negativamente afetado pela interrupção do comércio regular com Potosi, até então a mais importante fonte de metais amoedados, e pela contínua queda dos preços dos produtos de exportação brasileiros nos mercados europeus. A redução da diferença entre os preços pagos pelo açúcar e pelo tabaco, no Brasil e em Portugal, teria levado os comerciantes portugueses a preferirem vender os seus produtos na Colônia, em troca de moeda, e deixar de comprar os produtos da terra, reduzindo dessa forma os riscos de seus negócios. Aprofundavam-se assim os déficits da balança comercial, mesmo porque as importações, muitas delas essenciais, não podiam ser comprimidas além de um certo ponto. Pela via do comércio exterior, a moeda tornava-se, portanto, cada vez mais escassa.
Contudo, tanto para os governantes do Reino como para os da Colônia, o problema não estaria relacionado a questões comerciais; sua origem encontrava-se nos diferenciais de valores nominais da moeda. O “levantamento” da moeda — ou seja, o aumento do seu valor nominal sem o correspondente aumento do seu valor intrínseco — era visto como solução para o problema da fuga de numerário e, ao mesmo tempo, como fonte de atração de metais do exterior. Em 1642, Portugal, carente de recursos para financiar a Guerra da Restauração, havia retomado essa política, interrompida durante o período da União Ibérica.
Esses levantamentos implicavam a necessidade de recunhagem das moedas, ou que a elas fosse aplicada uma marca. De uma maneira ou de outra, as espécies tinham de passar pelas Casas da Moeda ou por oficinas monetárias, proporcionando ganhos de senhoriagem para a Fazenda Real. Por outro lado, esperava-se que a elevação do valor de face das moedas reduzisse a quantidade de metal pago pelas importações e que se registrasse um aumento da receita das exportações, além de desestimular o entesouramento. A prática, entretanto, mostrou que o problema da fuga de metais não poderia ser resolvido simplesmente através de “imposições monetárias”, em que desvalorizações em um país seriam, consequentemente, respondidas com desvalorizações em outros.
Embora essa medida tenha possivelmente sido adotada defensivamente como reação às desvalorizações da unidade de conta que haviam sido realizadas em Portugal, em 1656 “o Senado da Bahia pede que a moeda real seja mais valorizada no Brasil que em Portugal, para impedir definitivamente a sua fuga da Colônia”.
No Brasil, o agravamento do problema da escassez de moeda metálica levou as Câmaras, com o apoio dos respectivos governadores, a demandar, e às vezes promover, mesmo sem autorização, aumentos do valor nominal das moedas, tanto de ouro como de prata, com o objetivo de desvalorizar a moeda corrente no Brasil em relação à do reino. Em 1643, o governador da Bahia decretou o levantamento de 25% e 50%, respectivamente, das moedas de ouro e de prata, nestas incluídas as patacas de origem peruana, seguindo sugestão da Municipalidade de Salvador.
Aumentos da moeda, independentemente do consentimento régio, foram realizados também em outras capitanias. Alguns desses levantamentos foram proibidos, como aconteceu em 1682, quando ...
“...El-Rei comunica haver indeferido a súplica dos oficiais da Câmara da Bahia para que fosse aumentado o valor da moeda...”.
Como já comentado anteriormente, estes aumentos ajudariam, em tese, a impedir a exportação de moeda, mas não eram capazes de reverter o saldo negativo nas contas externas. Os “levantamentos” encareciam os produtos importados e seus percentuais eram os mesmos em Portugal e nas colônias. Além disso, a elevação do valor nominal da moeda provocava inflação, não apenas nos bens de consumo, mas também nos insumos necessários à produção. Não obstante, prosseguiram os pedidos de aumentos da moeda. É possível que esses pedidos tenham sido motivados pelos interesses de curto prazo dos produtores: solucionando ou não o problema da falta de moeda, as desvalorizações eram benéficas para os setores endividados, nos quais os produtores se incluíam.
A concorrência dos comerciantes das Antilhas impossibilitava que senhores de engenho e lavradores influenciassem o preço do açúcar através do controle da oferta do produto. Logo, concentravam suas demandas em objetivos imediatos como redução dos impostos, aumento do número de navios no transporte de açúcar (para baixar o preço dos fretes), maior oferta de mão-de-obra africana (para baixar o preço) e disponibilidade de crédito a juros reduzidos.
Muito provavelmente as queixas sobre a falta de moeda, pelo menos em parte, se encaixariam nesse padrão de conduta, já que, sendo a moeda escassa, muitas tratativas comerciais foram realizadas através de várias formas de crédito. Como os comerciantes cobravam um ágio por essas operações, os senhores de engenho consideravam a falta de moeda uma razão fundamental para seu endividamento e procuravam continuamente modos de alterar as condições que a causavam.
Por outro lado, aos comerciantes não interessariam os levantamentos da moeda. Em primeiro lugar porque eram predominantemente credores; e, em segundo lugar, porque a dificuldade de exportar açúcar poderia ser atribuída, pelo menos em parte, às desvalorizações. Como estas tendiam naturalmente a aumentar os custos de produção, a economia açucareira corria o risco de até mesmo se inviabilizar caso os produtores não fossem capazes de repassar essa elevação de custos para o preço do açúcar vendido aos comerciantes sediados no Brasil. Estes, por sua vez, se veriam forçados a vender esse açúcar com menor margem de lucro, ou mesmo prejuízo, aos negociantes sediados na Colônia, ou em Portugal, por consignação. A contínua queda do preço internacional do produto, verificada na segunda metade do século XVII, tornava cada vez mais remota a possibilidade de lucro. Com isso, o açúcar acumulava-se nos trapiches, o que contribuía para reduzir ainda mais o seu preço.
FALSIFICAÇÃO E CERCEIO DA MOEDA
Durante o século XVII, boa parte do numerário em circulação era composta por moedas falsas ou cerceadas. A falsificação e o cerceio de moedas eram praticados em toda a Europa, e no Brasil não poderia ser diferente. Moedas eram cunhadas clandestinamente na Colônia, mas possivelmente a grande maioria das moedas falsas que circulavam tinha outra procedência, destacando-se, a partir de meados daquele século, as cunhadas no Peru. Para os colonos representava um meio de superar a escassez de moeda, verdadeira ou falsa, apesar do risco de punição, que ía da perda da moeda ao degredo.
No entanto, a Coroa evidentemente preocupava-se com a circulação de moedas falsas; a cunhagem de moeda sempre fora uma prerrogativa do soberano, que assim monopolizava os ganhos de senhoriagem.
Juntamente com a falsificação, a prática do cerceamento de moedas, geralmente realizado por ourives, constituía-se em uma das principais razões que faziam com que o meio circulante fosse composto por moedas cujos valores nominal e intrínseco fossem diferentes. Nesse caso, prevalecia a Lei de Gresham: “a moeda de menor valor intrínseco (a moeda má) expulsava de circulação a moeda boa, já que ambas corriam pelo mesmo valor nominal”. A circulação de moeda cerceada, por sua vez, estimulava a importação de moeda falsa e o entesouramento de moedas “boas”, numa espécie de círculo vicioso, pois aumentava a proporção de moeda de “má qualidade” no total do estoque de moeda em circulação.
A partir do início da década de 1680, o governo português procurou coibir o cerceio mais vigorosamente. Pelo Alvará de 17 de outubro 1685, foi proibida a circulação de qualquer moeda de nova fábrica que estivesse cerceada, devendo seus possuidores manifestá-la para receber o seu valor intrínseco, sob novas penas acrescidas às previstas na Ordenação do Reino para os crimes de cerceio e de moeda falsa. Nos três anos seguintes, novas leis sobre a mesma matéria foram promulgadas. Essa seqüência de leis mostra que as mesmas não vinham sendo devidamente cumpridas em Portugal; no Brasil, teriam sido simplesmente ignoradas. De qualquer modo, retrata ainda a situação de “penúria de numerário” vivida tanto na Colônia quanto na Metrópole, onde a moeda também era pouca e de má qualidade.
O LEVANTAMENTO DE 1688
A Lei de 4 de agosto de 1688 agravou profundamente o problema da escassez de meio circulante, ao provocar uma forte redução do total do estoque de numerário em termos nominais. A lei determinava o levantamento de 20% das moedas de ouro e de prata e, mais uma vez, que as patacas passassem a correr a peso.
Dessa maneira, ao impor um valor único, pretendia-se sanear a circulação monetária, em reais, para cada um dos diferentes metais, permitindo que a moeda portuguesa cumprisse plenamente sua função de meio de pagamento. A idéia por trás do levantamento de 20% estava de acordo com o pensamento econômico português da época: ajudar a reter a moeda no Reino e atrair metais para a Casa da Moeda de Lisboa. Essa medida fazia sentido para Portugal, pelo menos no curto prazo, mas para o Brasil, onde a moeda já era aumentada com consentimento e sem consentimento, representava uma baixa em relação ao valor corrente no Reino. E essa baixa tinha uma conseqüência fatal, temida pelos colonos: a evasão do numerário.
Entretanto, além do problema da fuga de moeda, havia outro, mais grave: os detentores de moeda da Colônia empobreciam, em virtude da queda do valor de face de suas moedas. O empobrecimento seria ainda mais sentido no tocante à determinação de que as patacas passassem a correr a peso. Para os colonos, os efeitos dessa medida Régia eram mais desastrosos do que os do levantamento, por duas razões: em primeiro lugar porque a maior parte das patacas então em circulação tinham um peso irregular, o que significa dizer que tinham valores nominais superiores — por vezes muito superiores — ao seu valor intrínseco; em segundo lugar, porque as patacas eram “o que ali quase exclusivamente corria”. A perda potencial era portanto considerável, não só para os indivíduos, mas também para a economia em geral, por implicar a redução nominal do meio circulante.
A elite colonial possivelmente já estava alertada para a possibilidade de endurecimento da posição da metrópole sobre a circulação de “moedas fracas”, e já havia se pronunciado sobre a questão de a moeda ter de “correr a peso” antes mesmo da edição da lei de 1688.
Em carta de 2 de janeiro do ano anterior, El Rei ordenara ao “...Governador Capitão do Rio de Janeiro, João Furtado de Mendonça, buscasse algum remédio ao dano que na dita Capitania podia resultar correrem nela moedas cerceadas...”
Em setembro de 1687, o Conselho Ultramarino relatava que, no dia 5 de junho daquele ano, o governador respondeu que “...comunicando este negócio com os Prelados, Oficiais da Câmara e pessoas principais daquela cidade, uniformemente assentaram todos, depois de passados alguns dias que lhes dera para considerarem que toda alteração que houvesse na moeda seria em grande prejuízo daquela Capitania, por não estarem em estado de terem os moradores a considerável perda, que precisamente havia de resultar se a quisessem reduzir ao seu intrínseco valor, e que como o dinheiro que hoje havia naquela conquista, sendo cerceado, não podia passar para este Reino, porque nele se não havia de aceitar conforme a ordem de Vossa Majestade sem que tivesse seu peso declarado nela, nem podia passar-se a outra parte por esta mesma razão; e por valerem naquela terra as patacas dois vinténs mais do que neste Reino, com que nesta forma não era possível que saísse daquela capitania...”.
A mensagem era clara: os habitantes da “conquista” sairiam perdendo com a redução da moeda ao seu “intrínseco valor” e, além disso, o fato de as patacas, mesmo as cerceadas, valerem nominalmente mais do que em Lisboa representava uma forma de evitar sua exportação. O governador do Rio de Janeiro sugeria que o dinheiro ficasse na mesma forma em que estava, valendo o que tivesse cerceado o mesmo que valia antes do cerceio, e desta mesma resolução dera conta ao Governador da Bahia.
A promulgação da lei de 4 de agosto de 1688 suscitou os chamados “motins da moeda”, ocorridos nas diversas capitanias. Seus governadores viram-se então pressionados, por um lado, pela resistência das Câmaras e, por outro, pela firme disposição da Coroa que, contrariando práticas anteriores, exigia dessa feita o cumprimento estrito de suas determinações.
Na Bahia, tão logo recebeu a notícia, o governador convocou a Câmara, a pedido desta, “resolvendo-se que as moedas que não haviam sido marcadas corressem da seguinte forma: as de 3 vinténs por 4, as de 4 por 5, as de 5 por 6, as de 6 por 8; o que sendo decidido foi posto em execução sem aguardar a aprovação régia”. Seria, portanto, um levantamento aparentemente um tanto casual, porque o percentual do levantamento variava, de acordo com a espécie de moeda, entre 20% e 33%, fazendo com que modificasse, mais uma vez de forma aleatória, a relação existente entre os valores intrínsecos e nominais dos diversos numerários. Alertado pelo chanceler da Relação, El-Rei vetou essa resolução que dava “maior e diferente valor à moeda além do declarado na Lei”. O disposto na Lei de 4 de agosto de 1688 acabou prevalecendo e as patacas foram eventualmente reduzidas.
Fatos semelhantes aos ocorridos na Bahia verificaram-se também no Rio de Janeiro, onde reuniu-se o Senado da Câmara com o governador e pessoas entendidas nos negócios.
O Rei foi servido levantar o valor de toda a moeda em 20%, que as duas patacas serrilhadas passassem a ter o valor de 2 cruzados e uma pataca serrilhada a de 1 cruzado. Tendo o povo notícia dessa deliberação, pediu ao governador mandasse executá-la imediatamente, e este, assustado com o motim popular, anuiu ao pedido, porém participando ao Rei. Em 24 de junho de 1690, seu procedimento foi julgado ilegal e nulo por Carta Régia de 18 de outubro do mesmo ano.
Não se sabe ao certo se a proibição surtiu efeito. Em abril e maio de 1691 os oficiais da Câmara enviaram representações ao Rei contra a execução da lei de 4 de agosto de 1688, das quais o Conselho Ultramarino tomou conhecimento em novembro daquele ano. Em 10 de junho de 1694 o governador Antonio Paes de Sande escrevia a El-Rei, informando que havia decretado um aumento da moeda. Em 6 de outubro do mesmo ano, o Conde Andrade Sepulveda Serrão, em nome do Conselho Ultramarino, sugere “para que Vossa Majestade mande ver este negócio, porque de alguma maneira pareceu ao Conselho se deve emendar por não convir que haja diferença de moeda no mesmo Estado do Brasil”.
São Paulo constituiu-se em um caso à parte, porque a recusa em obedecer à lei foi ainda mais forte e prolongada: O problema de numerário fixaria, na história, o grau de independência e rebeldia das capitanias paulistas, que chegariam a decretar a sua própria política monetária. São Paulo decretou, em 1690, um levantamento da moeda de cerca de 20% a 30% e, apesar de a medida ter sido considerada, como nos outros casos, ilegal, a Câmara paulista promoveu outra desvalorização da moeda em 1693, dessa vez apenas para as espécies de menor valor — o “dinheiro miúdo” —, perfazendo um aumento do seu valor nominal de 40% para as moedas de 200 réis e de 100% para as de 2 vinténs (ou 40 réis).
A independência da política monetária de São Paulo teria chegado a ponto de proteger, via desvalorização, seu meio circulante não apenas das inevitáveis perdas com o comércio exterior, como também prevenir possíveis perdas relacionadas a transações efetuadas com outras partes da própria capitania. Já em dezembro de 1692, portanto antes mesmo do segundo levantamento realizado pelos paulistas no ano seguinte, o governador-geral Câmara Coutinho via nessa postura uma forma de “roubo, porque se neste Estado do Brasil corre toda a tostão a oitava, e lá (em São Paulo) a tomam por preço exorbitante, é certo que quem o aceita fica enganado; porque se o quiser tirar da terra, por força o há de baixar, e perder nele”.
Era uma análise correta, apesar de um tanto ingênua, pois a intenção dos paulistas era exatamente essa: através da desvalorização, reduzir a saída de moeda. O tom das cartas subseqüentes do governador-geral à Câmara de São Paulo tornou-se cada vez mais ameaçador, mas a pressão não surtiu resultado: “A Câmara tenta obedecer, mas o povo amotina-se, ameaça, e ela capitula, comunicando, a 30 de janeiro de 1694, ao novo governador-geral D. João de Lancastre a impossibilidade de baixar a moeda”. A pendenga continuava ainda em janeiro de 1697, quando o povo de São Paulo amotina-se para obrigar a Câmara a levantar a moeda.
Nos últimos anos da década de 1680 e nos primeiros da década seguinte avolumaram-se as queixas e os ressentimentos em relação à lei de 1688 e em particular às tentativas de se impor a moeda a peso. Era preciso encontrar uma saída, e as fórmulas apresentadas pelos representantes dos residentes da Colônia conformavam-se aos padrões da época. Em 4 de julho de 1692, o governador-geral Câmara Coutinho enviava ao Rei uma representação, expondo suas razões para a falta de numerário e a necessidade de se cunhar moeda provincial. O principal mote de suas demandas eram os prejuízos que a falta de moeda causava ao Erário Régio. Câmara Coutinho começa citando três razões que, no seu entender, explicariam a escassez de moeda: A primeira delas refere-se às conseqüências sobre o estoque nominal de moedas decorrentes da remarcação dos selos (ou patacas) a peso, então medido em oitavas. Como essas moedas estavam muito gastas, a remarcação teria diminuído fortemente o valor nominal do meio circulante. De acordo com Câmara Coutinho, apenas na cidade de Salvador a perda teria sido superior a 900 mil cruzados. Se seu testemunho é para ser levado em conta, circulavam anteriormente moedas cujo valor nominal chegava a alcançar 800 réis por oitava de prata, mas que a partir de sua “redução a peso” passaram a valer apenas 100 réis a oitava.
O segundo motivo para a escassez de moeda estaria ligado às condições do comércio exterior. Os negociantes portugueses que aqui vinham vender suas mercadorias não se interessavam em comprar açúcar e exigiam pagamento em moeda metálica, já que a diferença entre o preço do açúcar no Brasil e em Portugal seria insuficiente para compensar os riscos do negócio, uma situação que já perdurava por décadas. E o terceiro motivo que explicaria a falta de numerário eram as remessas de lucros e outros tipos de transferências.
Em seguida, o governador passa a enumerar as conseqüências da lei. Em primeiro lugar, a escassez de moeda estaria provocando a queda do preço do açúcar e dos outros produtos da terra, ao mesmo tempo em que aumentavam os custos de produção por causa do encarecimento das importações provocado pelo aumento da moeda.
Se antes do aumento de 1688 a situação já era ruim, a conjunção, por um lado, de preços internos em queda pela falta de moeda e, por outro lado, de custos subindo em função da desvalorização traria prejuízo certo, com o que a produção de açúcar e de outros produtos estaria sendo inviabilizada.
Câmara Coutinho explica então as conseqüências orçamentárias da crise acima descrita, começando pela queda nas receitas, cuja principal fonte era o comércio exterior: nessa época, os negócios com a exportação de açúcar do Brasil já representavam parcela significativa, e crescente, das receitas da Real Fazenda. Mas também a arrematação dos dízimos estava sendo comprometida, tanto pela falta de moeda como pelas expectativas sombrias em relação ao futuro da economia açucareira. Além disso, tornava-se difícil a cobrança de certos tipos de impostos e contribuições, assim como os pagamentos da administração pública “eclesiástica e secular”.
O governador advertia, em resumo, que estava ameaçada a sobrevivência da colônia. Sugere então uma solução que considerava simples para a falta da moeda: a cunhagem de 2 milhões de cruzados de moeda provincial, para circular exclusivamente no Brasil. Essas moedas seriam de ouro e de prata e distribuídas entre as principais regiões. Seu valor nominal, de acordo com a proposta, deveria ser superior ao do reino, canalizando-se parte do aumento para a Fazenda Real.
Pela proposta de governador, o valor nominal da moeda provincial seria elevado em “20%, a saber 15% para o dono da moeda e 5% para o dispêndio da fábrica, ficando as sobras para a Real Fazenda”. A idéia era cunhar os 2 milhões de cruzados e então fechar a “fábrica”, sendo que toda moeda que entrasse no Brasil após o fechamento teria valor nominal idêntico ao de Portugal.
Em sua carta, Câmara Coutinho refere-se também à situação dos pobres, igualmente carentes de moeda, não de ouro ou prata, mas de cobre. A escassez de moeda de baixo valor nominal dificultava a venda de produtos baratos e o recebimento de esmolas. Pedia por isso a cunhagem de moedas de cobre no valor de 40 mil cruzados.
A resposta inicial do Rei, datada de 23/2/1693, não foi favorável. Considerou que as sugestões trariam mais danos do que benefícios para a Colônia e também para a Metrópole. Como forma de compensação, enviou, através da Junta do Comércio, moedas de baixo valor para serem trocadas por moedas cerceadas. Mas como essas trocas implicavam perda de um cruzado por cada marco de peso, ninguém se interessou. O governador alegaria, em carta enviada em 22 de julho daquele ano, que não havia moeda cerceada disponível para troca. Na mesma carta, Câmara Coutinho parte para a barganha, procurando tornar mais atraente sua proposta de criação de uma moeda provincial, modificando-a no tocante às moedas de ouro, que não mais deveriam ser cunhadas por valor 20% superior ao que corriam em Portugal, mas por um valor igual. Justificando essa mudança em relação à proposta original, o governador mostra-se sensível também aos problemas monetários da Metrópole:
“Porque como o ouro é coisa que entra neste Estado todos os anos da Costa da Mina, cinqüenta e sessenta mil cruzados não parecia razão que fazendo-se dele moeda Provincial fique toda neste sem ter conta de passar a esse Reino; porque desta sorte servirá destas partes, enquanto não a levarem, e depois passará ao Reino e desta maneira não ficará desta banda todo o ouro empatado, sem fazer conta para poder passar a esse Reino que também necessita ter muita moeda”.
A CRIAÇÃO DA CASA DA MOEDA DA BAHIA E A CUNHAGEM DE MOEDA PROVINCIAL
Na opinião de inúmeros autores, os argumentos de Câmara Coutinho, apoiados por extensa correspondência enviada por governadores de capitanias e oficiais das Câmaras, parecem ter sido decisivos para que fosse finalmente tomada a decisão de se criar uma Casa da Moeda em Salvador, através de Lei publicada em 24 de maio de 1694, cujo preâmbulo repete a tese segundo a qual a queda na arrecadação se devia à falta de moeda. Em seus aspectos gerais, as medidas concretas decididas pelo Rei nada diferem daquelas avançadas pelo governador. Quanto aos detalhes, entretanto, havia diferenças: A lei rezava que “o ouro e a prata em todo o estado do Brasil se levantasse 10% sobre o levantamento dos 20% que teve neste Reino”, um levantamento inferior ao sugerido por Câmara Coutinho, no caso da prata; e superior, no caso do ouro. Também foi recusado o direito à senhoriagem (favor do Rei) “porque o meu ânimo é favorecer em tudo os moradores desse Estado como eles merecem pelo amor e lealdade com que sempre me serviram”.
Entretanto, quanto à solicitação de emissão de moeda de cobre, utilizada nas pequenas transações e nas esmolas, nem uma palavra. Outra diferença é que não foi estabelecido um limite quanto ao valor a ser cunhado, embora talvez não estivesse afastada a possibilidade de fechar a Casa da Moeda após a conclusão dos trabalhos de recunhagem.
Na prática, o percentual do levantamento e a questão da senhoriagem não seguiram nem a proposta de Câmara Coutinho nem o que previa a Lei. A Casa da Moeda da Bahia levantou a moeda em cerca de 17%, mas quem entregava recebia só 10%. A diferença foi utilizada para cobrir os custos de instalação e os gastos de manutenção da Casa da Moeda.
Até ser fechada em 1698, a Casa da Moeda da Bahia cunhou um total de 921.000 (novecentos e vinte e um mil) contos de réis — equivalentes a cerca de 2,3 milhões de cruzados —, superando, portanto, o que previa Câmara Coutinho.
Desse total, 102 mil contos foram cunhados em moedas ouro e 819 mil contos em moedas de prata.
Supondo-se, como afirmavam as autoridades locais, que só circulavam espécies de prata, é bem provável que tenha ocorrido desentesouramento tanto de ouro como de prata. No caso específico desta última, houve ainda remessas ilegais de patacas de Portugal para a Bahia, pois em carta dirigida ao governador-geral, em 12/1/1698, o monarca reconhece que “a experiência tem mostrado que com o maior valor que a prata e o ouro têm nesse Estado do Brasil, se levam muitas patacas desse Reino, sem embargo da proibição em contrário”. Na mesma carta, o Rei ordena o fechamento da Casa da Moeda da Bahia, considerando que “...o que se tinha lavrado em prata e ouro, cuja importância não só basta, mas sobra, para o uso e comércio dos moradores dessa Capitania...”
A Casa da Moeda da Bahia foi transferida para outras localidades em diversas ocasiões, atendendo à necessidade de suprir o meio circulante em regiões de maior desenvolvimento econômico e também como forma de evitar ataques de corsários.
A descoberta das primeiras minas de ouro no século XVI foi seguida por uma ampla legislação que buscava regular sua administração. O primeiro regimento das terras minerais, de 15 de agosto de 1603, determinava o recolhimento do direito real do quinto e previa a construção de casas de fundição. A necessidade de moedas levou algumas dessas casas, como as de São Paulo, Cuiabá e Goiás, a exercerem a atividade de oficina monetária, com o objetivo de recunhar moedas.
No entanto, a ausência de moedas suficientes resultou em uma série de petições reclamando a construção de uma Casa da moeda na Colônia. Exemplo disso encontra-se na representação do governador da Bahia, Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho, datada de 4 de julho de 1692, que indicava os aspectos negativos dessa situação, enumerando as três razões principais para a instalação de uma casa da moeda: o prejuízo do comércio, o consequente decréscimo na produção do açúcar e a necessidade de remunerar os ofícios, postos e dignidades, além de enfatizar as perdas da arrecadação das alfândegas e a dificuldade para arrematação dos contratos reais.
A Bahia foi a primeira sede da Casa da Moeda, entre 1694 e 1698, quando foi transferida para o Rio de Janeiro, onde inciou suas atividades em 1699. Em 1700, o órgão foi para Pernambuco, retornando, em 1702, para a capitania do Rio de Janeiro, em razão do desenvolvimento das atividades mineradoras. A partir de 1714, outra casa da moeda foi instituída na Bahia, existindo até 1834. Em 1725, outra seria estabelecida em Minas Gerais, atendendo à determinação da carta régia de 19 de março de 1720, mas suas atividades se encerrariam em 1734. O alvará de 13 de maio de 1803, que propôs uma ampla reforma da administração do ouro e diamantes, determinou a abolição das casas da moeda do Rio de Janeiro e da Bahia e a criação de outras em Minas Gerais e Goiás. Essa determinação, no entanto, não chegou a ser cumprida.
O sistema de cunhagem também passou por significativas transformações. Em Portugal, até 1678, o processo era realizado a partir de discos marcados a martelo. Depois, a cunhagem começou a ser feita por meio de uma prensa, o “Balancier”, de origem francesa, que forçava o cunho sobre o disco por meio de um parafuso central movido por uma rosca. No Brasil, essa máquina, denominada “balance” ou “balancim”, foi utilizada até o século XIX, quando se iniciou a cunhagem em máquinas de vapor.
Não foi encontrada regulamentação dispondo sobre o funcionamento das casas da moeda existentes no Brasil. Em Portugal, o primeiro regimento dado à Casa da Moeda data de 23 de março de 1498, apesar do órgão lá existir desde 1140. Em 1686, outro regimento deu instruções específicas sobre sua organização, regulando a competência de cada ofício e subordinando-a ao Conselho da Fazenda.
A partir de princípios do século XVIII, o ouro brasileiro começou a entrar na Casa da Moeda de Lisboa, que por sua vez passou a funcionar também como uma espécia de órgão de apoio às várias casas da moeda e de fundição que foram criadas no Brasil. Cabia a ela indicar os procedimentos e informar sobre a arrecadação do metal, a amoedação de ouro e prata e a arrecadação do imposto de 1% cobrado sobre todo o ouro que saía do Brasil, imposto este instituído para o pagamento de seu transporte para Lisboa e para ajudar no pagamento das dívidas da Junta da Companhia Geral do Brasil, extinta em 1720.
Os primeiros funcionários da Casa da Moeda, nomeados ainda em 1694, foram o juiz e provedor, que era o chanceler da Relação do Brasil, ensaiador, fundidor, afinador, serralheiro, ‘sentador’ de cunhos, tesoureiro e escrivão da receita e despesa do tesoureiro.
Contudo, essa estrutura foi modificada ao longo dos séculos, como indica a “Relação dos ordenados que hão de vencer os oficiais que vão deste reino para a Casa da Moeda que Sua Majestade manda abrir na cidade da Bahia os quais ordenados lhes são pagos a respeito da moeda do estado do Brasil e não de Portugal” e o “Edital de instalação da Casa da Moeda do Rio de Janeiro”, que menciona, além dos cargos citados, o de superintendente, abridor de cunhos dos ferros, ajudante de abridor de cunhos, ajudante de ensaiador, branqueador da prata, comprador, escrivão de conferência, guarda da casa do cunho, guarda da fundição, guarda-livros, juiz da balança, larvar os cunhos, lavor do ouro, meirinho, moldadores, porteiro, provedor do ouro, serralheiro e tesoureiro. O Almanaque da cidade do Rio de Janeiro, do ano de 1792, por sua vez, indica que a Casa da Moeda era dividida, internamente, em tribunal, fundição, abrição, ferrarias e fieiras.
No Brasil existia também, como fruto de uma tradição portuguesa originada no reinado de D. Dinis, em 1324, a Corporação de Moedeiros. Aos moedeiros eram concedidos privilégios especiais, como o direito de participar de procissões e ter um padroeiro, nesse caso, Sant’Ana, sendo admitidos em uma cerimônia denominada Sagração do Moedeiro. Para a resolução de pleitos relacionados à manutenção de privilégios e para o julgamento de casos de crimes, existia a Conservatória dos Moedeiros, formada por juiz conservador, escrivão e meirinho. O decreto de 27/3/1811, considerando os muitos pleitos existentes e a urgência dos casos, determinava que o juiz conservador deveria ser substituído quando ausente da Corte, em diligência, dado que servia também como ouvidor de comarca.
Com a transferência da corte para o Brasil, em 1808, não houve transformações significativas na estrutura ou na competência das Casas da Moeda do Rio de Janeiro e da Bahia. Após a instalação do Erário Régio, que concentrou a administração fazendária do Brasil e domínios portugueses, ficou a cargo da Terceira Contadoria a escrituração e liquidação das contas da Casa da Moeda, de acordo com a decisão n. 25, de 27 de julho de 1808.
A cidade de Salvador, entre 1756 e 1758, em desenho do engenheiro José Antônio Caldas
Em 1688, o valor nominal da moeda cresceu de vinte por cento, deixando inalterado seu valor intrínseco, e outro aumento de dez por cento veio seis anos depois. Em 1694 uma Casa de Moeda colonial foi estabelecida na Bahia, em parte como resultado das constantes representações feitas pelo Padre Antônio Vieira. Em 1680 uma colônia portuguesa era fundada em Sacramento, no braço setentrional do Rio de La Plata, fronteiro a Buenos Aires, em virtude, principalmente, da esperança de desviar o fluxo da prata que vinha do Potosi através daquela porta dos fundos do Alto Peru, como acontecera nos anos anteriores a 1640. E, providência derradeira, mas não a de menor importância, o governo passou a estimular mais ativamente as buscas de minas de prata, ouro e esmeraldas do Brasil, buscas que tinham sido feitas, intermitentemente, desde meados do século XVI, pela Coroa.
A primeira Casa da Moeda tinha sido aberta na Bahia, em 1694, com o fim de cunhar moeda provincial de valor reduzido, de forma a que não se animassem a levá-la para fora do Brasil. Por sugestão do Governador do Rio de Janeiro, tal Casa foi para lá removida em 1699, e ali continuou a operar da mesma forma, sendo um ano depois transferida para Pernambuco, com idêntico propósito. Tanto o Governador do Rio como o Senado da Câmara constantemente insistiam com a Coroa para que estabelecesse uma Casa da Moeda permanente no Rio de Janeiro, o que, segundo argumentavam eles, garantiria excelente retribuição, através da cobrança dos quintos e da senhoriagem e braceagem. Tal passo foi dado entre 1702 e 1703, estabelecendo-se ao mesmo tempo uma fundição para conveniência dos que preferissem o ouro em barra às moedas. O resultado não correspondeu à expectativa no que se referia à coleta dos quintos, mas a Coroa teve um belo rendimento das outras duas fontes que Antonil citava em 1709.
Durante sua visita a Minas Gerais, entre 1701 e 1702, Artur Sá nomeou cobradores dos Quintos em vários distritos e estabeleceu centros de inspeção nos caminhos principais que levavam à saída da região mineira. Todos estavam proibidos de deixar aquele local sem uma guia especial, indicando a quantidade de ouro que levavam, a fundição a que se destinavam, e onde os Quintos seriam pagos. O regimento das minas de 1702 confirmava essas providências, e foram feitos acordos também para cobrar no local os quintos sobre o ouro em pó com que os compradores adquiriam o gado importado da Bahia e de outros lugares. As medidas tiveram êxito relativamente pequeno, sendo bastante desapontadora a renda proveniente dos Quintos. Através de outra fonte sabemos que apenas 36 pessoas pagavam esse tributo em Minas Gerais, no ano de 1701, incluindo-se entre esses contribuintes uma mulher, um padre e um frade. Só um desses pagamentos foi registrado em 1702, e embora no ano seguinte houvesse onze, incluindo um de 504 oitavas, só em 1704 o número de contribuintes dos quintos alcançou mais de três algarismos.
Figura: Existe uma real possibilidade de que a Casa da Moeda da Bahia tenha funcionado neste prédio (fotografia de 1870), instalações da antiga Casa do Governador, ulteriormente Palácio do Presidente da Província, na praça Tomé de Souza, próximo ao elevador Lacerda. Foi inteiramente destruído em 1912, por um ato irresponsável de Hermes da Fonseca que mandou bombardear o local. No mesmo lugar, hoje se encontra o Palácio Rio Branco, inaugurado em 1919. Nesta fotografia do final do século XIX, vê-se a antiga Casa do Governador, posteriormente, Palácio do Presidente da Província.
Figura: Paço da Câmara Municipal de Salvador - A edificação foi construída logo após a fundação da cidade. Em 13 de junho de 1549, era criada a Casa de Câmara e Cadeia da Cidade de Salvador, a qual reunia os poderes executivo, judiciário e legislativo. A cadeia funcionava no térreo e no subterrâneo. O primeiro era dividido em alas norte e sul, respectivamente, destinadas às mulheres e homens. Já no segundo estavam localizadas as celas solitárias, parte conhecida como enxovias. A convivência perdurou até a primeira metade do século XIX ao ser transferida ao Forte do Barbalho, mesmo período em que a sede do judiciário também dali se retirou. Existe uma real possibilidade de que a Primeira Casa da Moeda da Bahia tenha funcionado neste local ou no prédio destacado em vermelho, à esquerda. Fotografia de Ben Mulock de 1860.
Nesta ilustração, em carvão, do médico e artista plástico baiano Octavio Torres, de 1946, está representada a Ladeira da Praça, no século XIX. Nesse solar, em 8 de Janeiro de 1808, o então Príncipe Regente D. João, assinou o Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas; também serviu como residência a algumas famílias nobres. Neste local foi criada a primeira faculdade de direito; posteriormente foi sede da Câmara Provincial e Estadual. Foi também delegacia fiscal, posto de profilaxia rural e foi funcionou a primeira sede da Academia de Letras da Bahia, fundada em 1917.
Do Engenho de açucar à unidade Nacional, surge a Casa da Moeda da Bahia - O século XVII foi o do apogeu dos engenhos, da opulência dos nobres senhores, do luxo das mulheres que se adornavam com muitas jóias e se cobriam de sedas.
Os engenhos existentes se dilataram; outros novos surgiram impulsionando a economia da Colônia. O comércio do açucar (mercadoria cara e somente para poucos) prosperou. É a Bahia a capital, o centro da riqueza e do luxo. Aumentam as construções de casas e prosperam os negócios nas cidades. Erguem-se igrejas e conventos. O senhor de engenho começa a edificar na cidade, construindo habitações e negócios; edifica palácios para sua moradia; usa baixelas de prata, cristais e caminha pela cidade com a “serpentina”, o veículo dos nobres que nunca saíam a pé, carregado por escravos com vestimenta caprichada.
O tempo passa; por trás de todo esse luxo e abundância, tem início a decadência. A abundância do produto (o açucar) determina a vertiginosa queda do seu preço, situação agravada pela concorrência dos mercados francês e inglês. O preço de exportação dos diversos artigos, por ser muito elevado, induz os mercadores a canalizarem suas economias para atividades distintas, incluindo a apreciação dos gêneros importados da Metrópole.
O tempo passa; por trás de todo esse luxo e abundância, tem início a decadência. A abundância do produto (o açucar) determina a vertiginosa queda do seu preço, situação agravada pela concorrência dos mercados francês e inglês. O preço de exportação dos diversos artigos, por ser muito elevado, induz os mercadores a canalizarem suas economias para atividades distintas, incluindo a apreciação dos gêneros importados da Metrópole.
Tudo somado, a crise do açucar, o extremo rigor nas cobranças fiscais, os gastos com artigos de luxo importados, etc; culminou com uma notável saída de moeda da Colônia; a crise de numerário, que tolheu o desenvolvimento das cidades, chegou ao seu auge em 1690. O Brasil ainda não tinha moeda própria; o que circulava no país eram as moedas vindas de Portugal e uma grande quantidade de moedas hispânicas, a essa altura já contramarcadas por ordem da Coroa.
Preocupado com os rumos da economia, é então que o Padre Vieira, em sucessivas cartas ao reino, sugere a criação de moeda provincial, e que para tal, se estabeleça, na Bahia, Casa Monetária.
Essa medida, viria de encontro à aspiração geral da Colônia ou seja: ter moeda própria, cunhada no país o que, por si só, impulsiona o sentimento de unidade nacional.
Casa da Moeda do Brasil, que funcionou primeiro na Bahia, foi criada por Lei de D. Pedro II de Portugal, datada de 8 de Março de 1694, devendo orientar-se pelo Regimento de 9 de Setembro de 1686, da Casa da Moeda da Metrópole. Pelo Regimento aludido, o principal "ofício" da Casa da Moeda era o de Provedor, ao qual se davam minuciosas incumbências, como a de todos os dias, logo ao chegar à Repartição: visitar as oficinas que estiverem destinadas aos oficiais, examinando se estes assistem corretamente às suas obrigações, empenhando-se em organizar e dar função às oficinas onde é lavrado o dinheiro, entendendo que para dar continuidade à fábricação de numerário, deverá prover às necessidades para que, em algum momento, cesse o lavramento e que no caso do dinheiro já cunhado, verificar a exatidão do trabalho, se a moeda está bem batida e centrada, e achando-lhe qualquer falta, retirá-la e providenciar nossos ferros (se o defeito provêm dos cunhos), nos Engenhos.
Depois do provedor, escalonavam-se os funcionários da seguinte forma:
● O Escrivão da Receita, que deveria substituir o provedor, no caso de impedimento deste último.
● O Escrivão da Conferência; o Tesoureiro.
● Juízes da Balança.
● O Guarda-livros.
● O Fiel do Ouro.
● O Fiel da Prata.
● O Guarda do Cunho.
● Os abridores de cunho.
● O Serralheiro.
● O Porteiro.
● O Meirinho.
● O Contínuo ... e por fim ...
● Moedeiros, que dividiam-se em Tiradores, Fieiros, Cunhadores e Contadores.
A verdade, entretanto, é que na Bahia, a Casa da Moeda não correpondeu à amplitude imposta por tal Regimento. Aconteceu mesmo que passou a regular-se menos por ele do que pelas instruções especiais elaboradas por João da Rocha Pitta, em vista das circunstâncias diferentes que a Colônia apresentava.
...fim da primeira parte...