O par xifópago 30 e 60

O RARÍSSIMO PAR XIFÓPAGO DO 30 E 60 Réis - Olhos-de-Boi, em par vertical “se-tenant”, da segunda chapa composta, Estado B (chapa regravada). O 30rs está localizado na posição 18 do painel superior e o 60rs na posição 6 do painel intermediário. Margens grandes, mostrando ambas as linhas divisórias externas e a linha horizontal que divide os painéis. O 30rs não é obliterado e o 60rs tem uma obliteração manuscrita à esquerda. O 30rs foi restaurado no canto superior direito. Uma das mais importantes e valorizadas peças filatélicas do Brasil. Da mais alta raridade (R.5), único exemplar conhecido.

Procedência: Ex-coleções: Moscoso, Pack, Sanchez, Pedroso, Moraes Júnior, Meyer, Ferreira da Costa, Araújo Ferreira, Benevides.


A HISTÓRIA

Primeiro Período – 1843 a 1911

A seção filatélica “GAZETILHA TIMBROLÓGICA”, assinada por Thomé de Saboya, do periódico “BRASIL POSTAL 4”, de Outubro de 1890, do Rio de Janeiro, afirma que o Sr. Isidoro Moscoso, residente no Estado da Bahia, era o proprietário de uma “curiosidade postal”, descrita como: “consistindo em dois selos do Brasil, da emissão de 1843, grandes algarismos de 30 e 60 réis, impressos na mesma folha”.

Esta é a primeira referência sobre a existência deste par “se-tenant”. De 1890 até 1897, esta peça permaneceu na obscuridade, apesar da menção apenas parcial de 1890.

Exatamente um mês depois da primeira notícia sobre a descoberta do “Pack Strip”, ou seja, 1 de Novembro de 1897, um artigo foi publicado, no “Jornal Philatelico”, em São Paulo, páginas 181 e 182, sob o título de “Curiosidade”, onde dizia textualmente: “como o que foi dito pelo Sr. Bernardo Alves Pinheiro, sobre as emissões dos Olhos-de-Boi, um outro par existe além do já noticiado...”. Referia-se ao “Pack Strip” como já noticiado. De 1897 até 1911 o “PAR XIFÓPAGO” retornou para a obscuridade.

O uso da palavra “PAR” para ambas as peças pode ser facilmente explicado: ambas as peças têm o “par” como previamente denotado, sendo 30 + 60, embora o “Pack Strip” tenha um segundo 30 réis do Olho-de-Boi. Nos dias de hoje, no Brasil, para diferenciar ambas as peças, são assim denominadas: “O Par Xifópago” e “O Terno Xifópago”.


Segundo Período: 1911 a 1918

O Stanley Gibbons Monthly Journal, de 30 de setembro de 1911, publicou a relação dos premiados na Exposição Filatélica de Viena, realizada no período entre os dias 7 e 17 de setembro de 1911. Entre os agraciados estava o Sr. Charles Lathrop Pack, distinguido com uma Medalha de Ouro Grande, pela apresentação de uma coleção de selos do Brasil. Mencionava, também, uma relação das peças por ele ali apresentadas, quais sejam: uma folha dos Olhos-de-Boi do 90rs; um bloco de 8 dos Olhos-de-Boi de 60rs e um par vertical dos Olhos-de-Boi de 30rs e 60rs.

Nada foi dito se as peças filatélicas eram novas ou usadas. Mais ainda, não foi possível apurar por quais valores o Sr. Pack adquiriu tais raridades e nem as datas das compras.


Terceiro Período: 1918 a 1920

Em 1918 o “PAR XIFÓPAGO” foi adquirido pelo Sr. Heitor Sanchez. Em carta datada de 29 de Julho de 1965 e dirigida ao Sr. Áureo G. Santos ele relata toda a história da sua compra. Não menciona de quem comprou, porém diz textualmente: “Adquiri esta peça no balcão da ‘Casa Filatélica J. Dolz’ de minha propriedade, na rua Barão de Itapetininga 69, juntamente com mais alguns selos do Brasil Império, pela soma de 200$000 (duzentos mil réis), valor este que tomei emprestado de uma vizinha, Sra. Hortênsia, proprietária de uma loja de coletes para senhoras. O selo de 30 réis tinha um grande rasgo no canto superior direito, alcançando quase um quarto do selo”. O valor acima representava FFR 570,00 (quinhentos e setenta francos franceses) ao câmbio da época.

É bastante plausível que o Sr. Pack tenha decidido vender o par xifópago, pois era defeituoso e tinha adquirido uma nova e linda peça da filatelia brasileira: o Terno Xifópago.

O Sr. Sanchez adiciona: “Vi a necessidade de enviar o selo para a Inglaterra, para F.B.Turpin, para ser restaurado. ...Imediatamente depois de receber a peça para ser restaurada o Sr. Turpin enviou um telegrama pedindo o preço pela peça. Minha resposta não foi outra que negativa. Não estava interessando em vendê-la. Quando o par retornou restaurado, vendi-o para um estimado amigo meu e o mais importante colecionador daquele tempo de São Paulo, Dr. Arnaldo Moraes Pedroso, pela importância de 600$000 (seiscentos mil réis)”. Valor este, à época, equivalente a US$ 420 (quatrocentos e vinte dólares americanos).

O Sr. Sanchez prossegue em sua história: “Infelizmente meu estimado amigo, Sr. Pedroso, inesperadamente perdeu toda a sua fortuna nas mesas de jogo e foi obrigado a vender todos os importantes selos de sua coleção para satisfazer seus débitos. Não estando em condições financeiras para comprá-los, sugeri ao meu amigo que vendesse os selos em leilão e com sua aprovação fui designado para preparar e organizar todo o leilão”.

O “PAR XIFÓPAGO” foi oferecido como o lote número 23, no leilão da Casa Filatélica J. Dolz, em 12 de Junho de 1920. O catálogo tinha trinta e duas páginas, sendo dezesseis de textos descritivos e outras dezesseis páginas mostrando fotografias de todas as peças a serem leiloadas. Foram relacionadas 114 peças brasileiras e 33 peças estrangeiras, todas de propriedade do Sr. Pedroso.

A descrição explicitava: “Lote 23 – 30 e 60 réis, números 1 e 2 ‘se-tenant’. O único exemplar conhecido. O selo de 30 réis foi restaurado no canto superior direito”.

O par foi vendido pelo valor de um 1:000$000 (um milhão de réis, ou seja, um conto de réis), na época eram FFR 2.850 (dois mil, oitocentos e cinqüenta francos franceses) ou US$ 720 (setecentos dólares), para o mais proeminente colecionador brasileiro daquele tempo, Luiz de Moraes Júnior, do Rio de Janeiro.


Quarto Período – 1920 a 1954

O Sr. Moraes Júnior nasceu em Portugal e era um homem de negócios, construtor de casas e prédios no Rio de Janeiro. O “PAR XIFÓPAGO” permaneceu em sua propriedade por trinta e quatro anos. Foi mostrado pela primeira vez na Exposição Filatélica Nacional, realizada no Rio de Janeiro, em 1934.

O “Brasil Filatélico” edição de junho de 1946, à página 66, publicou um anúncio do negociante de selos A. Pereira da Silva, radicado no Rio de Janeiro, no qual ofertava para venda o “par” e mostrava a fotografia. O anúncio dizia na íntegra: “Colecionadores de selos do Brasil! Preparai-vos para a Exposição Filatélica Internacional de New York, em maio de 1947. Eis a oportunidade que vos ofereço. Os dois valores, 30 e 60 réis juntos! Apenas dois exemplares conhecidos! Para maiores informações e preço queiram dirigir-se à A. Pereira da Silva, Caixa Postal 2741 – Rio de Janeiro”. Ao que parece o Sr. Morais autorizara a venda da peça e o Sr. Pereira da Silva estava atuando como intermediário. O negócio não prosperou.

O Sr. Morais sempre recebeu inúmeras ofertas para vender o “par”. Nunca aceitou. Ele era bastante conhecido por não aceitar pagamentos em cheques. Em 12 de dezembro de 1954, em Petrópolis, cidade situada perto do Rio de Janeiro, o negociante filatélico Rolf Harald Meyer, de São Paulo, depois de três semanas de muito esforço de argumentação, conseguiu comprar o “PAR XIFÓPAGO” pelo valor de Cr$200.000,00 (duzentos mil cruzeiros), equivalentes a US$ 3.000 (três mil dólares). Este foi o preço pedido pelo Sr. Moraes Júnior e era considerado acima do preço de mercado da época. Afirma-se que o Sr. Meyer sem pestanejar tirou o dinheiro do bolso e pagou a vista.

Poucos meses depois de vender tão importante raridade o Sr. Moraes faleceu.


Quinto Período – 1954 a 1972

O “PAR” permaneceu na propriedade do Sr. Meyer de Dezembro de 1954 a Março de 1955. Conversei com o Sr. Meyer, por telefone, em Março de 2002 e ele disse: “que a referida peça foi vendida de imediato ao Sr. Ivo Ferreira da Costa, médico e fazendeiro, residente em Alegrete, Rio Grande do Sul, ainda em dezembro de 1954, pelo valor de Cr$250.000,00 (duzentos e cinqüenta mil cruzeiros)”, equivalentes a US$ 3.750 (três mil e setecentos e cinqüenta dólares).

Continuou ele: “E que de fato o Sr. da Costa comprara e pagara o ”Xifópago” em dezembro de 1954, porém fizeram um acordo que a peça somente seria entregue em abril de 1955, pois era sua intenção, por não ser ainda um comerciante muito conhecido, fazer publicidade da aquisição para divulgar sua capacidade financeira de fazer negócio com selos”.

O Dr. Ferreira da Costa informou, através de carta datada de 26 de Julho de 1965, dirigida ao Sr. Áureo G. Santos, que comprara o “par” em 21 de Dezembro de 1954 e confirmou o preço pago.

O Sr. da Costa apresentou sua coleção, pela primeira vez, na PHILYMPIA’70, realizada em Londres, de 18 a 26 de Setembro de 1970, onde obteve uma Medalha de Ouro Grande. Era a estréia desta raridade no circuito internacional de exposições. Seguiu-se a LUBRAPEX’70, no Rio de Janeiro, entre os dias 24 e 31 de Outubro de 1970, onde obteve a Medalha de Ouro Grande e o Grande Prêmio LUBRAPEX. A seguir sua coleção foi exposta em Caracas, Venezuela, na EXPHILCA’70, realizada entre os dias 27 de Novembro e 6 de Dezembro de 1970, onde recebeu a Medalha de Ouro Grande e o Prêmio Especial “Presidente da República da Venezuela”.


Sexto Período – 1972 a 1997

O Sr. da Costa vendeu sua coleção completa ao Sr. Maurino de Araújo Ferreira, mineiro, publicitário e dono de Agência de Propaganda, em 29 de Janeiro de 1972. O Sr. Araújo Ferreira foi pessoalmente a Alegrete e comprou, pela soma total de Cr$ 500.000,00 (quinhentos mil cruzeiros), equivalentes a US$ 90.000 (noventa mil dólares), a coleção completa do Império do Brasil do Sr. Ferreira da Costa. Anos mais tarde, o Sr. Araújo Ferreira disse que o “PAR XIFÓPAGO” fora avaliado, durante a transação comercial, pelo valor de Cr$130.000,00 (cento e trinta mil cruzeiros), equivalentes a US$ 23.300 (vinte e três mil e trezentos dólares) e que ele decidiu pagar o valor pedido. Foi a mais importante venda privada realizada no Brasil até aquela data.

A coleção do Sr. Maurino Ferreira recebeu as seguintes premiações: EXFILBRA72 - Brazil – Medalha de Ouro Grande e O Grande Prêmio Nacional; LUBRAPEX72 - Portugal – Medalha de Ouro Grande e o Grande Prêmio LUBRAPEX; IBRA MUNCHEN73 - Germany – Medalha de Ouro Grande; ESPAÑA75 - Espanha – Medalha de Ouro Grande e o Grande Prêmio America Honour; ARPHILA75 - França – Medalha de Ouro Grande e o Grande Prêmio The Four Continents”; LONDON80 - Inglaterra – Classe de Honra.

Em 1975 o Sr. Maurino Ferreira declarou que se viu obrigado a vender um terreno em Brasília para poder estar em posição de comprar a coleção completa do Sr. Ivo Ferreira da Costa. Disse também que o mercado avaliara o par em Cr$ 80.000,00 (oitenta mil cruzeiros) e que o vendedor pedira muito mais. Era muito caro, mas mesmo assim, ele decidiu pagar. Muitos de seus competidores internacionais durante os leilões filatélicos costumavam dizer: “Não se pode enfrentar o Maurino! O Homem não lhe dá a menor chance... Ele tem sido sempre um capeta!”.

O Sr. Araújo Ferreira morreu em 1991. A família decidiu vender o “PAR XIFÓPAGO” em um leilão internacional e a empresa escolhida foi a Christie’s de Nova York. O Leilão realizou-se em 15 de Novembro de 1994 e esta raridade foi relacionada como o lote número 2120, com um preço de reserva de US$175.000 (cento e setenta e cinco mil dólares) apesar de no catálogo constar a expressão “sob consulta”. Estive presente ao leilão na qualidade de tradutor do representante da família. Iniciado o leilão, via telefone, foi feita uma oferta firme no valor de US$135.000 (cento e trinta e cinco mil dólares) por um importante colecionador de Porto Alegre, Rio Grande do Sul, o Sr. Orestes M. Cruz, que não foi aceito pela família do Sr. Araújo Ferreira.

Um par de anos posteriores, em 1996, outra casa de negócios filatélicos, sediada em Londres, foi escolhida pela família para cuidar da venda do “PAR XIFÓPAGO” – Antonio Torres. O leilão foi realizado em 11 de Outubro, e o “par” foi relacionado como lote número 3013 e o catálogo explicitava o valor estimado entre US$125.000 e US$175.000 (cento e vinte e cinco e cento e setenta e cinco mil dólares). Uma vez mais esta raridade não foi vendida através de leilão público.


Sétimo Período – 1997 a 2001

No final do ano de 1997 o Sr. Antonio Torres, vendeu em nome da família Ferreira o “PAR XIFÓPAGO”, diretamente, para um colecionador brasileiro, morador do Rio de Janeiro, Sr. Roberto Seabra Benevides. O negócio foi feito na base de troca de material. O Sr. Torres recebeu uma importante coleção de Macau e o Sr. Benevides o “Xifópago” e mais várias peças do Brasil Império de Olhos-de-Boi e Inclinados. Nenhum detalhe do negócio foi divulgado, entretanto é dito que a avaliação do “Xifópago” alcançou a cifra de US$150.000 (cento e cinqüenta mil dólares) para um total de negócio no valor de US$250.000 (duzentos e cinqüenta mil dólares).

O Sr. Roberto Benevides expôs apenas uma vez sua coleção “Brasil: Primeiras Emissões”, e foi na LUBRAPEX’2000, de caráter binacional, onde obteve o Grande Prêmio da Exposição. Estando presente pude verificar que não apresentou nesta exposição o “Par Xifópago” e nem a “Folha dos Olhos de Boi de 60 réis”, já nesta época, ambas as peças de sua propriedade.

Durante minha longa estada em Houston, final do ano de 2001, tomei conhecimento da entrega feita pelo Sr. Roberto Benevides de toda sua coleção “Brasil: Primeiras Emissões” ao Sr. Antonio Torres, negociante e leiloeiro, radicado em Londres, para vendê-la. O Sr. Torres produziu e confeccionou um belo e exclusivo catálogo, todo a cores, e anunciava o negócio, para o outono de 2001, como de “Trato Privado”, estando ali incluídos as seguintes raridades brasileiras: o “Par Xifópago”, a “Folha Completa de 60 selos dos Olhos de Boi de 60 réis”, quadra nova do 30 réis (somente 3 conhecidas), carta do Rio de Janeiro para a cidade de Rio Grande com uma tira horizontal de 4 selos do 60 réis, carta do Rio de Janeiro para Cachoeira (RS) com uma tira horizontal de 4 selos do 60 réis + um 30 réis isolado e um painel completo do selo de 90 réis (18 selos – 6x3) obliterado com carimbos de “Cidade de Nicteroy. Entre os Inclinados pudemos notar: um bloco obliterado de 6 selos (3x2) do 180 réis, uma tira vertical nova de 3 selos do 300 réis, Bloco de 6 (2x3) obliterado do 600 réis, além de uma quadra obliterada e uma tira vertical nova de 4 selos do 600 réis (maior múltiplo conhecido). Realmente um impressionante acervo. De valores, o catálogo nada mencionava.


Oitavo Período – a partir de 2002

Em conversas filatélicas com comerciantes locais, colecionadores e expositores internacionais concluiu-se que no valor entre um milhão e um milhão e duzentos mil dólares o negócio poderia ser fechado. Consultado pessoalmente por telefone o Sr. Torres escusou-se em me dar detalhes sobre essa transação. Apenas mencionou que era um negócio liquidado e que não ocupava mais o seu tempo.

Por esta última afirmação pode-se depreender que o “PAR XIFÓPAGO” deixou o Brasil pela primeira vez, após ter permanecido em mãos de brasileiros por mais de cem anos. Comenta-se, no mercado filatélico internacional, que toda a coleção foi vendida ao mais importante colecionador espanhol da atualidade, Sr. Luiz Alemany, detentor de centenas de medalhas de ouro e ouro grande e possuidor de mais de quarenta coleções de nível FIP, pela importância de US$ 1.200.000 (um milhão e duzentos mil dólares). Comenta-se também que o “Xifópago” foi avaliado nessa transação pelo valor de US$ 200.000 (duzentos mil dólares).

Artigo originalmente publicado no “The London Philatelist” da Royal Philatelic Society, London, Inglaterra, edição nº 1306 – Junho de 2003 e na revista MOSAICO, Ano XIII, nº 37 – Agosto de 2003, órgão da Câmara Brasileira de Filatelia – Belo Horizonte – Brasil.

This article was originally published in the London Philatelist from The Royal Philatelic Society, London in the edition number 1306 of June 2003 and in MOSAICO magazine, Year XIII, nr 37 – August 2003, from Câmara Brasileira de Filatelia – Belo Horizonte – Brazil.