As moedas como commodities - o fim da estabilidade dos preços

Desde que passaram a despertar o interesse dos investidores, as moedas clássicas, antes objeto de estudo e colecionismo, paulatinamente passaram a ingressar num restrito mercado de commodities, por assim dizer. Apesar de não fazerem parte das cotações oficiais desse mercado, como artigo de negociação sujeito à flutuações, as moedas, graças ao seu atrativo financeiro, em determinados casos associados à sua relativa rentabilidade e liquidez, passaram a sofrer forte influência das variáveis que regem o mercado de produtos que podem representar “moeda” de negociação, em forma de títulos.

Há algum tempo, ao percebermos esse comportamento, passamos a estudar esse estranho, mas não menos fascinante, fenômeno. Se no início, isso fez com que alguns numismatas perdessem seus antigos “parâmetros” de regulação, hoje nos faz concluir que o recente interesse das moedas por investidores, brasileiros e estrangeiros, mudou por completo o antigo e seguro ambiente de negociações de exemplares de coleção. Se antes, o numismata pagava uma determinada quantia por uma moeda de ouro, por exemplo, seguro de estar fazendo, também, um investimento "rentável" como a caderneta de poupança em terras assaltadas por uma inflação de dois dígitos, hoje o cenário é diametralmente oposto. Não existem mais garantias! Nada de segurança e estabilidade; o risco aumentou e com ele o temor de adquirir este ou aquele exemplar para o seu acervo. Por outro lado, também aumentou, e muito, a necessidade de conhecer, de se informar, de estudar, de se instruir, o que é algo muito positivo, já que contribui para excluir do meio culto, os "biscateiros" sem interesse pela ciência numismática. Talvez - e isso é quase certo - estejamos presenciando o fim de uma era e o início de outra: aquela em que a intenção do investidor se iguala à paixão do colecionador. Quem se adaptar, muito provavelmente irá continuar no mercado, mas quem apostar no ganho imediato, na compra e venda com lucro elevado, acreditando em preços que sobem sempre - como ainda era feito num passado não muito distante - provavelmente irá  se perder.

Isso ficou bastante evidente num episódio recente, em que as moedas das Olimpíadas foram negociadas a preços elevadíssimos, para depois despencarem para cotações bem próximas do seu valor facial. A especulação, própria dos mercados que negociam títulos em bolsa, foi bastante evidente. Quem soube a hora exata de entrar, mas também de sair, ganhou; quem soube a hora de entrar, mas não de sair, e vice-versa, perdeu ou empatou. São as vicissitudes de um novo mercado que se apresenta, o acaso - e não mais a certeza - regendo os preços com uma batuta wagneriana que sobe e desce. Passamos de "céu de brigadeiro" à turbulência.

Há alguns anos, a extinta “AFINSA” - que encerrou suas atividades seguidamente às investigações ordenadas pela justiça devido à suspeita de diversas fraudes praticadas contra investidores, por essa sociedade - já havia apostado na titularidade dos selos de coleção, criando um restrito círculo de investidores num resevado mercado de commodities. Um papel (título) relativo a um selo (individual, quadra, bloco, etc) era emitido e oferecido aos investidores que apostavam em sua valorização. A cada nova cotação do exemplar, o investidor podia decidir se era hora de vender seu “título” ou se deivo a estagnação do preço, ou mesmo desvalorização da peça, manter seu papel até, segurando-o até o momento em que a sua cotação de mercado se tornasse um atrativo. Importante ressaltar que o investidor não comprava o selo e sim apostava na sua valorização como título. A iniciativa foi muito bem recebida e deu certo; tanto que os sóciso da AFINSA se tornaram multi-milionários com a mvenda desses títulos. O que ninguém podia imaginar é que dois anos após, fechariam suas portas e não honrariam com a liquidação destes papéis; mas isso é uma outra história.O interessante nessa iniciativa da AFINSA (deixando de lado as questões morais, financeiras e legais) é que a empresa demonstrou ter a visão de um mercado futuro que, hoje, tem se mostrado cada vez mais presente, intenso e real. 
Ao apostar na titularidade dos selos de coleção, a AFINSA, de certa forma, deu o primeiro passo para fazer com que a filatelia clássica ingressasse num mercado paralelo (até quando?) àquele que negocia metais como o ouro, a prata e outra commodities. Apesar de marginal, sem dúvida é  um mercado, guardadas as devidas proporções, com as mesmas características, daquele que negocia títulos em bolsa. A partir de então, e desta forma, uma nova possibilidade passou a ser introduzida num mercado que sempre navegou em “mar de Almirante”, ou seja, que o preço, a partir de então, não deveria necessariamente subir, mas que, a exemplo do que já acontece com a cotação das obras oferecidas no mercado das artes, poderia também desvalorizar, criando uma tempestade naquele que até então parecia ser um porto seguro. Isso não significa que comprar e vender moedas raras seja uma forma ruim de investir, mas sim que estamos diante de uma nova filosofia de negociação, bem mais complexa do que a anterior, quando os numismatas tinham a certeza de que o preço das suas moedas subiria sempre. Em outras palavras, em breve não irá bastar apenas ser “colecionador”. Num futuro, não muito distante, a numismática irá exigir dos seus adeptos, uma boa dose de conhecimento de economia, em particular, das fórmulas e gráficos que regem o mercado de títulos de investimento. Ora, por que então algumas universidades tem se prestado a inserir no rol de seus cursos, o estudo da numismática, e por que algumas delas, a colocam como afinidade com as ciências econômicas?

Sabemos que alguns bancos e outras instituições financeiras tem dado preferência a candidatos com sólidos conhecimentos em numismática. O bando Itaú, no Brasil, começou a investir pesado no setor, há alguns anos. Ralentou, mas está retornando com força total.
Em outras palavras, não siginifica que irão desvalorizar, mas sim que passarão a existir momentos para comprar e um outro para vender. A especulação que até então era tida como indesejável e preterida, passará a ser considerada como uma variável de peso, na composição dos preços.

Como se defender dos percalços dessa "nova era"?...talvez seja a pergunta que alguns estejam se fazendo nesse momento. Ora! Adaptando-se, evidentemente, estudando muito, olhando para a numismática não como uma forma de colecionismo culto, mas também, e com um peso considerável, uma forma de investimento, um mercado novo que certamente contará com um percentual no porfólio de bancos, corretoras e investidores.
  
Assim como qualquer investimento, as cotações das moedas de coleção deverão sofrer reajustes, agora não mais em ascendência. Devemos nos preparar para amargar perdas, sermos pacientes e menos apressados e imediatistas. Apesar da maioria delas, via de regra, experimentar um sistemático acréscimo em sua valoração, alguns exemplares poderão experimentar desvalorizações em determinados períodos. Isso acontece porque, há algum tempo, as moedas deixaram de ser apenas peças de interesse de colecionistas. No futuro, talvez não muito distante, as moedas serão inseridas num mercado de commodities muito particular, dessa forma, estando sujeitas às variações de mercado, com cotações tanto para mais, quanto para menos.

Engana-se, redondamente, quem acredita que as moedas devem sempre aumentar de preço. Algumas peças, como os dobrões e dobras de D. João V são bons exemplos disso. Em função do aparecimento de um significativo número de peças em leilões, nos últimos anos, os dobrões, e também as dobras de D. João V, inclusive com a letra monetária B, tem experimentado um notável reajuste de preços, para menos, nas três primeiras colunas. Continuam estáveis, entretanto, com modesta elevação em seus preços, as cotações para estas mesmas peças de rara beleza, em estado de conservação FDC. O fenômeno tem sido constatado por nossa equipe, a partir da sistemática observação das mais recentes negociações destas moedas, nas mais prestigiosas casas numismáticas e em leilões internacionais. Todavia, esse fenômeno, por assim dizer, não deve se constituir em um desestímulo, muito pelo contrário, pois se assim fossem, não teríamos graduados em economia e nem financistas milionários em Wall Street, já que trabalham justamente com a oscilação dos preços dos títulos. Além disso, é muito mais vantajoso gastar dinheiro com algo que que se revela como patrimônio real, mesmo que possas suportar algumas perdas como títulos, imóveis e até mesmo o mais nobre dos metais.

Conclui-se disso tudo que a numismática nunca perde o seu fascínio. Este novo "mundo numismático", as possibilidades que se apresentam, e essa inovadora e excitante forma de negociar, certamente irão alavancar notavelmente um mercado novo, em um mundo globalizado. Ao que tudo indica, em breve poderemos tratar o mercado numismático na essência dessa expressão, ou seja, um mercado de verdade.