A fotografia no âmbito da numismática - parte I

Tratando-se de numismática, certamente nada pode substituir o prazer da observação direta e do contato material com o objeto do nosso desejo e interesse. Contudo, a imagem fotográfica se faz necessária em diversas situações, solucionando uma série de problemas práticos, nos permitindo, de maneira simples cômoda e econômica, a visualização simultânea de anverso e reverso de um exemplar, por justaposição de imagens.
Figura ao lado: Imagem obtida com Canon EOS 5D Mark III, objetiva macro 100mm.

Basta imaginar a comodidade de possuir um arquivo digital para consulta, com imagens em alta definição, inclusive acompanhadas de suas respetivas descrições - o que pode ser realizado com facilidade na própria imagem do objeto, na posição que melhor nos convém - para compreender a importância e a necessidade da fotografia para a numismática. Não se configura apenas em mera documentação de arquivo; convém recordar que a imagem ampliada de um objeto de pequenas dimensões, como as de algumas moedas, são capazes de provocar um forte impacto visivo, revelando particularidades de um determinado exemplar, não visíveis a olho nu.

O texto e as imagens a seguir ilustram a técnica de iluminação do objeto (moeda) usando uma fonte de luz lateral difusa e uma lâmina de vidro, com o objeto colocado sobre suporte com calibrador milimétrico, sob objetiva macro em perpendicular. Esta técnica nos permite obter boas imagens no caso das moedas que possuem superfície metálica lúcida.


Material necessário:

Em primeiro lugar (e isso é fundamental), é necessário um suporte com calibrador micométrico em condições de executar ínfimos ajustes na altura da fotocâmera que deve enquadrar a moeda (objeto) na vertical, a partir do alto. Na imagem a seguir, vê-se um elenco do material mínimo, necessário à boa reprodução de imagens de moedas.

Clique na imagem, para ampliar.


  1. Suporte do objeto, com calibrador milimétrico.
  2. Fotocâmera (modelo mais econômico recomendado: Nikon D40X).
  3. Objetiva 100 macro, posicionada à mínima distância focal, regulada manualmente.
  4. Calibrador milímetrico em condições de mover a fotocâmera, acima e abaixo, com ínfimos ajustes para regulagem do foco.
  5. Visor angular para controle do foco.
  6. Dispositivo (com o sem fio) para controle do tempo de exposição
  7. Computador conectado à fotocâmera através de software Canon EOS Utility ou equivalente.

Fotocâmera com visor angular para controle do foco.



Fole de extensão macro (figura acima) - Possui a mesma função do tubo retractil da objetiva macro. A diferença é que oferece a possibilidade de regular a distância da objetiva do plano focal, aumentando a resolução de reprodução em maneira muito precisa, já que o tubo tem extensão limitada, bem menor que a do fole que pode chegar a 15 cm, possibilitando maior ampliação e estabilidade.

A moeda deve ser apoiada, de preferência, sobre uma folha de cartão, preta e opaca, de forma a não reflitir a luz. Entre a objetiva e a moeda, coloca-se uma lâmina de vidro (espessura 2mm e diâmetro máximo de 30 cm) posicionada obliquamente e voltada para a fonte de luz lateral, como se pode observar na imagem a seguir. A luz lateral incide sobre a lâmina de vidro, refletindo sobre o objeto (moeda). Movendo ligeiramente a lâmina de vidro, pode-se notar perfeitamente que a iluminação sobre o objeto (moeda), muda, a medida que mudamos a posição da lâmina de vidro. Observando atentamente através do visor angular (5), pode-se ajustar o foco e a iluminação até o momento em que a moeda aparece focada e iluminada de maneira uniforme, com os reflexos e sombras sobre os detalhes em relevo satisfatórios, nos fornecendo uma imagem clara e nítida. É suficiente ajustar o tempo de exposição num intervalo entre 5 e 10 segundos, auxiliado pelo dispositivo de controle (6). É aconselhável realizar as fotos em ambiente idôneo (quarto escuro), sem a presença de outras fontes de luz que possam interferir na iluminação. A luz deve ser difusa e dura, podendo-se colocar entre a fonte e a lâmina de vidro uma outra lâmina que permita passar iluminação mais tênue (exemplo: uma lâmina transparente como as de um vidro “leitoso”)...ver figura a seguir.
Ao aproximar a fonte de luz do objeto (moeda), o grau de difusão aumenta; ao afastar, obtemos uma luz mais dura e direcionada.


A boa performance na reprodução fotográfica de uma moeda se obtém mantendo sob controle os reflexos sobre a superfície metálica e as sombras produzidas pelos detalhes em relevo, cujo excesso prejudica a visão das particularidades e dos elementos essenciais da moeda. A imagem deve ser a mais real possível, agradável aos olhos. É necessário, em alguns casos (moeda que tenha perdido grande parte do seu brilho original, por exemplo), manter alguns pontos de reflexão e zonas sombreadas sobre o campo, de forma a produzir uma imagem esteticamente melhor. Convém recordar que um bom resultado depende, quase que exclusivamente, do sistema de iluminação que utilizamos.

Imagem obtida com iluminação indireta, com luz difusa dura e objeto posicionado lateralmente à fonte de luz. O foco foi concentrado no Carimbo de Minas, deixando o restante do campo da moeda menos nítido. Objetiva macro de 90 mm. Clique na foto para ampliar.

Para não confundir o iniciante com uma grande quantidade de informações, resolvemos terminar aqui a primeira parte que trata-se apenas de uma introdução às diversas técnicas utilizadas na fotografia numismática. A seguir, iremos tecer algumas considerações sobre a Lei de proteção à propriedade intelectual para que o leitor saiba a diferença exata entre foto artística (não é o nosso caso, ao fotografar moedas) e a mera captação de imagem por meio mecânico ou eletrônico.

Com relação às imagens de moedas (como mostradas até aqui), não cabe qualquer reivindicação de autoria artística ou de propriedade intelectual, como veremos a seguir.


Aspectos gerais e particulares da Lei de proteção à propriedade intelectual.

Tem-se falado muito a respeito da Lei 9.610/1998 que protege os direitos autorais. A correta interpretação do texto é de suma importância para o bom entendimento do que trata a matéria.

O art. 5º, XXVII, da Constituição Federal, dispõe que: “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar.”

A Constituição Federal assegura, portanto, um tipo especial de propriedade, qual seja o direito do autor de obra intelectual e cultural, interpretado como o direito de propriedade intelectual (incluindo os direitos morais) e patrimonial, protegendo o autor mesmo quando da exposição pública de sua obra.

A Lei 9.610/1998 que protege os direitos autorais, em seu art. 7º, VI, prevê : “a proteção das OBRAS fotográficas e das produzidas por qualquer processo análogo ao da fotografia.”

Carlos Eduardo Bittar[1] nos ensina que “o objetivo do Direito do autor é a disciplinação das relações jurídicas entre o criador e sua obra, desde que de caráter estético, ou seja, são as emanações do gênio humano das artes, da literatura, da ciência que recebem a proteção no âmbito do Direito do autor.”  

Com efeito, deve-se distinguir se a fotografia em questão destaca-se como obra de arte ou trabalho técnico, a fim de determinar se está protegida pelo direito autoral.


Ainda, segundo Carlos Alberto Bittar[1], “...a obra protegida em seu contexto é aquela que constitui exteriorização de uma determinada expressão intelectual, inserida no mundo fático em forma ideada e materializada pelo autor. A criatividade é, portanto, elemento ínsito nessa qualificação: a obra deve resultar de esforço intelectual, ou seja, de atividade criadora do autor, com o qual introduz na realidade fática manifestação intelectual estética não-existente (o plus que acresce ao acervo comum)...”

A fotografia pura e simples de objetos (no caso da numismática, as moedas) constitui-se em trabalho técnico, não havendo nenhuma criação do autor da fotografia, que simplesmente captou a imagem por meio mecânico.

Como bem salientado em sentenças anteriores, ''..o que diferencia o trabalho artístico de um trabalho técnico é a interferência do artista na realidade por ele captada. O trabalho técnico se limita a reproduzir a realidade. Já no campo artístico, há uma interferência do artista nessa realidade, de tal forma que, de sua obra destaque-se uma expressão criadora, propiciando a contemplação da beleza aos olhos dos apreciadores, tenha ou não alguma funcionalidade. O trabalho técnico é funcional e não há qualquer interesse que dele se extraia a beleza contemplativa, ainda que esta possa se fazer presente. 
Destarte, a fotografia expositiva das faces de uma moeda não se confunde com uma obra de arte. Não há qualquer interferência do autor na realidade, limitando-se apenas a captá-la como esta se lhe apresenta...''

Nesse contexto, em relação à obra fotográfica, ainda nos ensina Carlos Alberto Bittar[1] que “a protegilibidade em concreto está relacionada ao caráter artístico da forma (art. 7º, inc. VII). Daí, nem toda fotografia (como comercial ou documental) merece acolhida no regime legal [...].” 

Destarte, as alegações de propriedade intelectual sobre fotos meramente expositivas de moedas, não devem ter amparo legal, visto que são nitidamente técnicas, sem nenhuma originalidade que as identifique como obra de arte. São somente as captações da imagem de um objeto, através de um processo mecânico, nada tendo de artísticas, não se configurando, desta forma, em obra do gênio humano passível de proteção sob a alegação de propriedade intelectual.

[1]BITTAR, Carlos Alberto. Direito do Autor. 4 ed. Revista, ampliada e atualizada. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 19-20.

A respeito de Carlos Alberto Bittar - De origem humilde, veio à luz na cidade fluminense de Paraíba do Sul, terra que assistiu ao florescimento e ao declínio da cultura cafeeira.

Sua passagem pelo mundo, sempre marcada pela luta e pela incessante busca da Verdade e da Justiça, jamais foi em vão. Galgou as mais altas posições a que poderia haver aspirado um jurista. Professor da USP, formando gerações de estudantes e profissionais do Direito, atingiu a Titularidade após brilhantes e inolvidáveis defesas de tese no Salão Nobre da prestigiosa Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Advogado militante por mais de três décadas, conquistou vaga, por meio do quinto constitucional, no Egrégio Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, colegiado que enobreceu através de atuação marcante, íntegra e escorreita, prolatando acórdãos, profunda e ricamente embasados. Doutrinador prolífico, publicou inumeráveis trabalhos científicos de grande valor, dos quais se destacam os mais de quarenta livros escritos, entre autoria e co-autoria, havendo sido escolhido, por seus pares, membro da Academia Paulista de Direito, honrado com a cadeira de que é patrono Tobias Barreto.

Carlos Alberto Bittar será para sempre lembrado como um dos maiores juristas que o Brasil já teve. Com efeito, sua vida e obra o tornaram imortal.