O leilão da coleção Meili
''Esquecendo-se da LEI que lhe proibia colecionar antiguidades estrangeiras, o Museu se tinha apressado em receber a doação, e com toda a proibição do conjunto ser retalhado, já em 1910 e 1911 se tinha vendido "pedaços" em leilões de Amsterdam. E finalmente agora (1931) 20 anos depois, ao invés de passar o acervo a um Museu governamental suiço que aceitava em seu acervo objetos estrangeiros, preferiram vender tudo...''
Kurt Prober
Ao Embaixador da Suiça no Brasil
Sr. Albert Gertsch - Rio de Janeiro
Por recomendação do Conselheiro Dr. G. Keller, de AARAU, membro da Comissão do Museu Cantonal, e autorizado por esta, tomo a liberdade de me dirigir a vós, sobre um assunto do Museu Cantonal SUIÇO.
Como talvez seja de seu conhecimento, o Dr. Julius Meili, falecido em 1907 em Zuerich, durante a sua permanência como Cônsul da Suiça no Rio de Janeiro, organizou uma Coleção de Moedas e Medalhas e Papel Moeda Brasileiros, que foi por ele descrita em uma obra de dois volumes com o título de "O Meio Circulante Brasileiro". ( NOTA: Na verdade em 4 volumes).
Por herança de MEILI, o Museu Cantonal da Suiça entrou em posse desta grande coleção. Como a nossa instituição, por lei, só deve colecionar antiguidades suiças, esta coleção, embora muito valiosa, é em nosso acervo um "corpo estranho".
Assim, as "autoridades administradoras" do Museu consultaram os herdeiros, se não lhes seria permitido vender esta coleção, sendo o resultado desta venda recebido como doção da herança Meili. Isto nos foi permitido, mas com a condição de "...ser a inteira coleção vendida em bloco a uma instituição pública, seja do Governo, ou a um museu, com a condição de que o inteiro conjunto não possa ser ratalhado.
Compreenderá V. Excia. que isto para nós é um problema de muito difícil solução, por se tratar de um valor relativamente elevado. Uma firma de renome mundial, de Londres, nos fez uma oferta de 50.000 Francos Suiços em OURO. Achamos, porém, que é muito baixa, e além disso o comprador não nos poderia dar a garantia de não dividir a coleção.
Sabemos, que atualmente a situação do Brasil não é "brilhante", mas não obstante tomamos a liberdade de nos dirigir à V, Excia. indagando se não vos seria possível entrar em contato com as autoridades do governo brasileiro, a fim de saber se estariam interessados na aquisição desta coleção. O preço poderia ser discutido posteriormente. Pensamos numa base de 80.000 Francos Suiços.
Para sua orientação, permita-nos dar-vos uma idéia do que seja esta coleção:
516 peças - Barras e Moedas de Ouro, Pêso total 6.163,83 Gr. Isto na cotação do ouro, corresponderiam a 19.500,00 Francos Suiços;
729 peças - Moedas de Prata;
1814 peças - Moedas de Cobre, Latão, Chumbo, Alumínio e Estanho.
Total de 3.059 peças.
Além disso, o acervo conta com uma coleção menor de medalhas e outra coleção completa de Moeda Fiduciária.
Agradecendo, Sr. Ministro, antecipadamente os seus préstimos, pelo que desde já vos expressamos o nosso agradecimento, subscrevemo-nos,
Museu Cantonal da Suiça em Zuerich - assinatura: O Diretor, em 29/05/1931
(Tradução da carta de 29/5/1931 do Museu Suiço , vendendo a Coleção Meili)
Julius Meili Nasceu em 1839 e faleceu em 1907. Cognominado ''O Pai da Numismática Brasileira'', Julius Meili reuniu durante os anos que passou no Brasil um extraordinário acervo de moedas, cédulas e medalhas brasileiras e de Portugal. Escreveu livros e matérias notáveis que ainda hoje se constituem numa das principais fontes de referência para os estudiosos da numismática brasileira.
Sua coleção foi doada ao Schweizerisches Landesmuseum de Zurique. Por falta de interesse, na época (coleção alheia aos objetivos do museu), o acervo foi vendido em leilão, pela primeira vez em Amsterdã, através da empresa de J. Schulman, em 23 de maio de 1910. Em seguida, outros leilões foram realizados, dispersando todo acervo.
Muitas peças, a exemplo de várias cédulas, encontram-se hoje no CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil e uma boa parte das moedas, no Museu Histórico Nacional, ambos no Rio de Janeiro.Consta nos anais númismáticos, que após o seu falecimento, seus herdeiros doaram sua fabulosa coleção ao MUSEU NACIONAL SUIÇO DE ZURICH que, em 1920, se dispôs a vender a coleção, oferecendo-a inclusive ao governo brasileiro que, inexplicável e infelizmente, recusou adquiri-la pelos 200.000 francos suiços pedidso pelo museu.
No conjunto, destacava-se a moeda fiduciária com 1.059 peças, contendo muitos exemplares raríssimos. Em 1931 houve nova tentativa de vender a coleção ao Governo do Brasil, novamente sem sucesso. Poucos anos depois, a coleção foi vendida ao cidadão suiço Pedro Spoery, residente em São Paulo. Tem-se registros que parte daquela coleção hoje pertence ao Acervo do Museu Histórico Nacional. As informações contidas neste parágrafo, foram extraídas do livro ''O Meio Circulante do Brasil Parte III - A moeda fiduciária do Brasil'', editada pelo Senado Federal em 2005.
Pelas fotos das barras de ouro e de outras moedas de extrema raridade que foram a leilão em 20 de março de 1939, num total de 942 lotes, peças da Coleção JULIS MEILI e de outros amadores, foram comercializadas no leilão organizado pelo numismata Hermann Porcher. Devido a enorme quantidade e raridade de peças Numismáticas que foram ultimadas naquele LEILÃO, tudo a crer que quase a totalidade das peças seriam provenientes do acervo da Coleção de Meili.
No catálogo do leilão de 1939, constam um total de 942 Lotes, e a coleção Julius Meili contava com 1.059 peças. Observando a qualidade e raridade das peças, fica a dúvida: Afinal de contas este leilàao de 1939, foi, ou não, o Grande Leilão da Coleção Julius Meili?
A peça da Coroação do acervo de Juluis Meili
O primeiro leilão, da coleção Meili, que temos conhecimento, foi realizado em 1910, em Amsterdã, pela firma de leilões de J. Shulman, seguido de outros, a exemplo do leilão de 1926, todos realizados pela mesma empresa de Amsterdã. A maioria das peças da antiga Coleção Julius Meili encontram-se hoje no Museu Histórico Nacional, no Rio de Janeiro (moedas), e no CCBB (papel-moeda), Centro Cultural Banco do Brasil. Ao que tudo indica, o Museu de Valores do Banco Central em Brasília possui algumas peças da Coleção Meili, ou peças que foram incluídas pelo insigne numismata no seu livro ''O Meio Circulante no Brasil, Parte III - A Moeda Fiduciária no Brasil'', publicado pela primeira vez em 1903 (Zürich), com reedição recente, publicada pelo Senado Federal. Grande parte das peças desta coleção se dispersaram, vendidas tanto no Brasil como no exterior.
A pesquisa elucidativa sobre a coleção de Julius Meili, toda esta questão sobre idas e vindas de sua coleção, foi em parte publicada em 1990 no livro "Ouro em Pó e em Barras - Meio Circulante no Brasil" de autoria de KURT PROBER, às páginas 35 a 37 daquela edição, cujo texto adptado, se segue:
Coleção "Julius Meili" - Suiça (1890 - 1907)
Este colecionador era cidadão suiço, nascido em 13/03/1837 e falecido em 26/09/1907. No ano de 1870 viajou ao Brasil (Rio de Janeiro). Dotado de inteligência diferenciada, em pouco tempo aprendeu os rudimentos da lingua portuguesa, tornando-se também um aficcionado e pioneiro numismata, dedicando grande parte da sua existência ao estudo das moedas e cédulas brasileiras.
Por volta de 1875 estabeleceu-se em Salvador (BA), como sócio da firma "Meili, Diethelm & Co." e algum tempo depois, tornou-se Consul da Suiça, na Bahia. Ali, com paciência e muita determinação, enriqueceu a sua formidável coleção de peças brasileiras e portuguesas, catalogando e publicando, em oito obras de verdadeira maestria, os seus estudos - ilustrados com as peças do seu acervo - hoje considerados "CLÁSSICOS", e que lhe conferiu com justiça o cognome de PAI DA NUMISMÁTICA BRASILEIRA.
Já em 1890 publicou o Catálogo de sua Coleção Brasileira de Medalhas do Império, com 37 pranchas, descrevendo 229 peças. Desde 1905 vinha preparando um CATÁLOGO GERAL, também de medalhística, mas que lamentavelmente não conseguiu terminar. Chegou a imprimir mais de 130 pranchas de ilustrações para esta nova edição, faltando apenas imprimir a numeração das peças, para posteriormente compor a parte descritiva. A impressão foi frealizada, laboriosa e detalhadamente, em folhas de cartão gessado de 24 x 32 cm. Juilus Meili não costumava tirar fotos de suas peças; de todas ele fazia MOLDES DE GESSO que eram fotografados pela clicheria como página completa. O "gesso fosco" evitava os tão indesejèaveis reflexos de luz.
Tendo falecido o autor, a tipografia acabou inutilizando todo este estoque de pranchas já impressas. Contudo, alguém preservou o original e alguns jogos de pranchas avulsas que foram encontradas por volta de 1950 pelo livreiro ERICH EICHNER que numa de suas viagens pela Europa comprou todo este rebutalho e o trouxe para sua livraria KOSMOS, no Rio de Janeiro.
Figura acima: A barra de ouro de Serro Frio, número 25, da coleção Meili, com sua respectiva guia datada 18 de janeiro de 1830. Peso efetivo em gramas, 167,50. Título 23 quilates e 1 grão. Numeração catálogo Kurt Prober 1830-SE-25, na página 413 do seu ''Catálogo do Ouro em Pó e em Barras, Meio Circulante do Brasil''
Comenta o numismata Dr. Roberto Villela Lemos Monteiro: ''Além do ORIGINAL, manuscrito, consegui formar 3 jogos de pranchas incompletos, que depois foram aqui vendidos, tendo eu conseguido comprar o jogo mais completo ( com 131 pranchas), que ainda tenho em minha biblioteca. Ainda hoje sou grato ao meu falecido Ir.: Eichner, há muito falecido.''
Do Texto de KURT PROBER, adaptado pelo numismata João Gualberto Abib.
Ao falecer, Julius Meili doou a sua fenomenal coleção de MOEDAS, MEDALHAS, PAPEL MOEDA, BIBLIOTECA e todos os seus Medalheiros ao SCHWEIZERISCHES LANDESMUSEUM de Zurich (Suiça), com a condição deste acervo NUNCA SER RETALHADO.
Contudo, o aludido MUSEU não soube respeitar a intenção altruística do doador, que queria ver preservado pela sua pátria, a SUIÇA, a maior coleção do mundo, na época, de peças da numismática brasileira.
Em 1910, o "honorável MUSEU decidiu vender em leilão, através da firma J. SCHULMAN de Amsterdan (Holanda), a magnífica biblioteca numismática de Julius Meili, repleta de obras raras. Em 1911 foi a vez das moedas Portuguesas irem a leilão, além das peças que, presumivelmente, teriam sido ''pseudo-duplicatas'' ou peças da coleção que não constavam dos livros impressos, o que em inglês costuma chamar-se de "ODDS and ENDS".
Passaram mais 20 anos, e de há muito a 1ª Guerra Mundial, quando o Museu , em 29/5/1931, escreveu uma carta ao Consul suiço ALBERT GERTSCH, no Rio de Janeiro, encarregando o consulado de encontrar aqui no Brasil um comprador para a famosa COLEÇÃO MEILI, que em 1907 recebera em doação. Concluíram, e assim decidiram que, não sendo suiço, o material não lhes interessava. Dessa forma resolveram beneficiar-se com os 50.000 Francos Suiços que, teoricamente, o conjunto deveria valer.
O raríssimo 4000 réis Azevedo, do acervo da coleção de Julius Meili.
No Rio de Janeiro, o único possível comprador capacitado financeiramente a adquirir o inteiro conjunto, o Dr. Guilherme Guinle, não se interessou. Não quis assumir o compromisso de ''NÃO RETALHAR A COLEÇÃO'' futuramente, como me (Kurt Prober) contou em 1940. O Museu Histórico Nacional incipiente - que formou a sua seção de Numismática com o acervo vindo da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, mal tinha conseguido pagar a coleção de PEDRO MASSENA (...que teve de esperar 8 ou 10 anos pelo pagamento...) - por sua vez não tinha verba para compra de tal vulto. Além disso, estava "saturado" com as doações generosas recebidas do Dr. Guilherme Guinle.
Finalmente o Consulado Suiço encontrou um comprador, o cidadão suiço PEDRO SPOERY, residente em São Paulo, que pensava fazer um belo negócio, mas acabou sendo ludibriado por sua inabilidade de negociar o conjunto, ainda mais depois da Revolução Constitucionalista de São Paulo de 1932. Era um conjunto GRANDE DEMAIS para o ambiente numismático da época (e ainda hoje seria...). Sem ser retalhado para venda, sua comercialização era praticamente impossível.
Assim, depois de 1932, o Sr. Spoery passou a vender, particularmente, determinadas peças raras. Contudo, o que acreditou ser fácil, terminou por tornar-se impossível na prática.
Nestas condições, a partir de 1936 o Sr. Pedro Spoery resolveu entregar a Coleção MEILI - a essa altura já desfalcada de algumas peças raras vendidas - ao sr. HERMANN PORCHER, e nesta última, durante 1947/1948 apenas, participei como "comanditário" etc..., para mim a pior experiência de minha vida, comenta Kurt Prober.
Pois bem, com a Coleção MEILI, organizou-se o seu primeiro leilão em 20/03/1937, começando a retalhar o espetacular acervo a partir das peças de ouro e prata.
Figura acima: A barra de ouro de Serro Frio, número 4, da coleção Meili, com sua respectiva guia datada 9 de janeiro de 1832. Peso efetivo em gramas, 103,65. Título 23 quilates e 1 grão. Numeração catálogo Kurt Prober 1832-SE-4, na página 421 do seu ''Catálogo do Ouro em Pó e em Barras, Meio Circulante do Brasil''. Abaixo, a mesma barra em fotografia recente.
Ao se transferir para o Brasil, o leiloeiro HERMANN PORCHER obteve a cidadania brasileira. A partir de então iniciou seu comércio no país com as chamadas ''Listas de Preços Fixos'', todas numeradas. Na lista de fevereiro de 1939 (nº 90), foram oferecidas as Barras de Ouro da coleção Meili (nº 1815-V-167 por R$ 5:000$000 e nº 1816-SF-218 por R$ 4:500$000).
Em 10/4/1940 mimeografou o Boletim-Leilão nº 101, vendas a preço fixo, nele constando vários "Medalheiros" avulsos, sendo dois deles completos com a coleção de moedas de cobre, num total de 1.070 peças pelo valor de R$ 6:500$000. Veio em seguida um outro Leilão, o de nº 6, em 30/11/1940, em que os dois medalheiros já eram vendidos a preços reduzidos.
Porcher continuou fazendo listas de vendas até que, em 31/12/1942, apresentou o Leilão nº 7, em que foi oferecido no lote nº 525 a inteira Coleção Meili de "Moedas Portuguesas" (400 peças de prata, desde 1367) por RS 2:500$000, além do lote nº 528 com a Coleção Medalha e Condecorações do Império, num total de 1.097 peças, sendo 13 delas de Ouro, por Rs 10:000$000. Neste mesmo leilão já foi oferecida a Barra de Ouro de Meili nº 1830-SF-35, consignada por Waldemar Thiesen, do Rio Grande (RS), que em 1935 a tinha comprado diretamente de Spoery.
Dessa forma, esperamos haver esclarecido alguam dúvidas a respeito do destino dado à coleção Meili que, como último desejo, deixou todo seu acervo a um museu suiço, na esperança de que fosse preservado pelainstituição que na verdade acabou vendendo-a, sendo posteriormente retalhada aos pedaços durante vários anos depois de sua morte. Em virtude da grandiosidade de sua Coleção e da quantoadde de moedas raras ou raríssimas, este acervo espetacular ainda suscita emoção e a imaginação, não só dso que iniciam na numismática, mas também de experienets e veteranos colecionadores.
Bibliografia e fontes de consulta:
Prober, Kurt - Catálogo do Ouro em Pó e em Barras, Meio Circulante do Brasil.
Dr. Roberto Villela Lemos Monteiro, estudos e artigos dedicados ao assunto.
Julius Meili, As Moedas do Império do Brasil, 1822 até 1889, edição de 1890.
Prober, Kurt - Catálogo do Ouro em Pó e em Barras, Meio Circulante do Brasil.
Dr. Roberto Villela Lemos Monteiro, estudos e artigos dedicados ao assunto.
Julius Meili, As Moedas do Império do Brasil, 1822 até 1889, edição de 1890.