A carta de Belo Horizonte
Artigo adaptado, publicado originalmente na revista MOSAICO, Ano XII, nº 35 - Agosto de 2002, órgão de divulgação da Câmara Brasileira de Filatelia - Belo Horizonte - Minas Gerais. Autor do texto original: Paulo Comelli (in memorian). Imagens gentilmente cedidas pelo autor
O Brasil foi o segundo país a emitir selos no mundo em 1843, com os famosos numerais conhecidos popularmente como "Olhos de Boi" .
Exatamente em 1° de agosto de 1843 os Correios do Império colocaram em circulação, na Corte, os três primeiros selos postais brasileiros, conhecidos como Olhos-de-Boi.
Esses artefatos foram desenhados por Carlos Custódio de Azevedo e Quintino José de Faria, impressos pela Casa da Moeda do Brasil em talho-doce, sem denteação, tendo como base chapas de cobre. Podemos destacar dois elementos verbo-visuais: a cifra, sem coloração e com pequenos detalhes estéticos (números ornamentais) e, também, um fundo arabescado preto em forma elíptica. O Decreto que possibilitou essa emissão e, também a sua regulamentação, foi o de n° 255, publicado em 29 de novembro de 1842. Após o curto tempo de vida oficial do Olho de Boi, o Império brasileiro, por meio do Direto Geral dos Correios, em primeiro de agosto de 1844, providenciou que os selos fossem impressos num formato menor, em papel mais fino e com uma cota tal. Nasciam assim os Inclinados. Uma das jóias que chegaram aos nossos dias traat justamente dessa segunda emissão...a dos inclinados. Conheça um pouco da história do seu país, uma terra que prometia tanto, feita de grandes homens e de instituições nobres e respeitadas em todo mundo, hoje maculadas, vilipendiadas, humilhadas por maus brasileiros.
Descrição:
Grande fragmento de um pacote, porteado com 3$700 réis, postagem múltipla e mista, contendo uma quadra dos 600 réis da série dos Inclinados, uma tira vertical de 3 selos do 90 réis Olho de Cabra (Vertical) e uma tira vertical, também de 3 selos do Olho de Cabra (Vertical) de 10 réis. Os selos estão obliterados por 4 aplicações do carimbo Correio Geral da Corte do tipo P.A. 1609, entretanto ligeiramente menor, com 3 cm de diâmetro, datado de 20 de dezembro de 1853. Ao lado de cada um dos três blocos há uma anotação manuscrita com a indicação do valor dos mesmos e à esquerda da peça a indicação, também manuscrita, do valor do porte de 2$700 réis mais o do prêmio de seguro no valor de 1$000 réis e o valor total de 3$700 réis.
MAIOR MÚLTIPLO DE 600 RÉIS CONHECIDO SOBRE CARTA. ÚNICO.
Procedência: Ex. Saturnino de Freitas, Ângelo Lima, Everaldo Santos.
O agente do correio, autor das anotações, foi o Sr. Menezes Pacheco. O fragmento se insere na categoria de carta Segura, assim denominadas as correspondências e encomendas postadas com seguro. O prêmio de 1$000 réis correspondia ao valor segurado de 50$000 e era fixo conforme os artigos 84 a 86 do Decreto de 5 de março de 1829 e artigo 203 do Decreto 399 de 21 de dezembro de 1844.
Esta peça é uma, dentre duas, de postagem múltipla e composta de Inclinados com Olhos de Cabra (Vertical) até agora conhecidas.
A HISTÓRIA
Primeiro Período – até 1985
Esta peça foi vista pela primeira vez na Exposição Brasileira de Filatelia – BRAPEX’1985, em Belo Horizonte, Minas Gerais, nas mãos de seu então proprietário, Sr. Saturnino Roberto de Freitas. Além de filatelista, ele atuava no setor siderúrgico e era proprietário de uma usina de ferro gusa, a Siderúrgica Melo & Figueiredo Ltda, localizada em Betim, cidade a cerca de 30 quilômetros de Belo Horizonte, e por tal razão conhecido do filatelista Paulo R. Comelli, àquela época atuando profissionalmente no mesmo segmento em Minas Gerais.
O Sr. Freitas compareceu ao recinto da BRAPEX, num domingo, objetivando vender a peça, a qual foi ofertada aos vários comerciantes presentes e todos lhe fizeram ofertas irrisórias desde 1.000 até 3.000 dólares. Encontrando por acaso com Paulo Comelli, nos corredores da exposição, solicitou-lhe para identificar algum colecionador de numerais. Neste momento, apareceu o Ângelo Lima que foi de imediato apresentado ao Sr. Freitas. A peça foi oferecida pelo preço de US$5.000,00 (cinco mil dólares), proposta essa que foi aceita condicionada a uma confirmação no prazo máximo uma semana.
Ângelo Lima pretendia submeter a peça ao exame de um especialista, em São Paulo, e uma vez confirmada a autenticidade seria fechado o negócio. Na segunda-feira, já em São Paulo e com a decisão de compra consolidada, Ângelo Lima mostrou a peça ao Sr. SantAnna que se extasiou com a grande descoberta. Consta que no dia seguinte SantAnna teria assim se expressado para o seu amigo Alfredo Abóes, comerciante filatélico já falecido: - Não dormi esta noite. Estou em êxtase desde ontem, quando o Lima mostrou-me a maior descoberta na Filatelia Brasileira dos últimos 50 anos. Apareceu em Belo Horizonte a maior raridade postal do Império do Brasil.
Retornando a Belo Horizonte, no sábado seguinte, o Sr. Lima tirou o dinheiro do bolso e pagou em espécie. Após a negociação o Sr. Freitas contou ao Comelli a história da peça.
Disse o Sr. Saturnino de Freitas que essa raridade sempre esteve em poder de sua família. Ele a encontrara no arquivo de correspondência de sua mãe quando tinha 15 anos de idade, ou seja, no ano de 1944. A ele foi explicado que esses velhos papéis pertenceram à sua avó e que estavam em seu poder desde que era mocinha.
A história foi reconfirmada pelo Sr. Freitas, atualmente com 73 anos de idade, em conversa telefônica, no dia 8 de abril de 2002, com o Sr. Paulo Comelli.
Este fragmento recebeu do Sr. Ângelo Lima a denominação de a Carta de Belo Horizonte, conforme entrevista concedida para a revista MOSAICO, nº 5, da Câmara Brasileira de Filatelia, edição de julho de 1992. Embora tenha sido simultaneamente proprietário da famosa Pack Strip (a tira vertical de 30 + 30 + 60 réis do Olho de Boi), a peça em referência era, para Ângelo Lima, a favorita de sua coleção.
Segundo Período – 1985 a 1994
O Sr. Ângelo Lima, português de nascimento e brasileiro naturalizado por opção, industrial no Estado de São Paulo, tornou-se o maior expositor brasileiro de todos os tempos com a coleção “Brasil Império 1843-1866” e o maior campeão nacional, obtendo os dois maiores galardões expondo internacionalmente pelo Brasil, quais sejam: Grande Prêmio Internacional e Medalha de Ouro Grande na PHILEXFRANCE’89 e o Grande Prêmio da Classe dos Campeões na PHILANIPPON’91. Além de duas Medalhas de Ouro Grande em anos anteriores a 1989.
Depois de ter obtido os maiores prêmios internacionais, o Sr. Lima, em 1993, decidiu vender sua coleção e após um acerto comercial entregou a coleção à casa de leilões “David Feldman S/A”, sediada em Genebra, Suíça. O acordo inicial previa a venda por leilão público, o que posteriormente terminou em venda fechada, recebendo o Sr. Lima mais de dois milhões de dólares por todo o seu acervo de selos das primeiras emissões do Brasil, incluindo os D. Pedros.
David Feldman promoveu, entre 1 e 6 de novembro de 1993, um leilão com um volume expressivo das peças da Coleção Lima, entretanto, das peças importantes apenas foi apresentada a “Pack Strip”, ou seja, ali não estavam a “Carta de Belo Horizonte” e nem o “Interpanneau”. É provável que essas peças tivessem sido selecionadas para um segundo e próximo leilão.
Na verdade, essa bela raridade terminou por ser negociada em “trato privado” entre David Feldman e o Sr. Everaldo Nigro dos Santos, em 1995, naquela data Presidente da Alcan Alumínios para América do Sul, pelo preço de US$ 80.000,00 (oitenta mil dólares).
Terceiro Período – 1995 a 2006
Em 1993 o Sr. Santos recebeu sua primeira medalha de Ouro Grande na Exposição Mundial BRASILIANA, no Rio de Janeiro. Em 1995, quando a “Carta de Belo Horizonte” já pertencia ao seu acervo, o Sr. Santos ao participar da SINGAPORE’95, obteve a Medalha de Ouro Grande + Prêmio Especial e a indicação como candidato ao Grande Prêmio Internacional da exposição. Em junho de 1996 participou da CAPEX, de Toronto, onde obteve a Medalha de Ouro Grande e em novembro do mesmo ano a coleção esteve exposta na AMPHILEX, no Waldorf Astoria, em Nova Iorque. Após ter recebido três medalhas de Ouro Grande em exposições internacionais, o Sr. Santos participou e diversas exposições competindo na Classe dos Campeões, PACIFIC’97, PHILEXFRANCE’99 e na LONDON’2000, onde sua coleção ganhou o Grande Prêmio da Classe.
Quarto Período – 2006 em diante
Em Março de 2001, Everaldo Santos, após ganhar o Grande Prêmio da Classe de Campeões na LONDON’2000, decidiu vender os blocos dos Numerais do Brasil e fazer uma coleção de História Postal. Por coincidência nesse mesmo momento p Sr. Pablo Reim decidiu iniciar uma coleção dos Numerais do Brasil. Em Outubro de 2006, durante a realização da Exposição Mundial ESPAÑA em Málaga, foi efetuada a venda em trato privado pelo Sr. Santos ao Sr. Pablo Reim, filatelista argentino, radicado em Buenos Aires, de um conjunto de peças e cartas de selos Inclinados e Verticais e dentre as peças estava a já conhecida “Carta de Belo Horizonte” - contendo uma quadra dos 600 réis da série dos Inclinados, uma tira vertical de 3 selos do 90 réis Olho de Cabra (Vertical) e uma tira vertical, também de 3 selos do Olho de Cabra (Vertical) de 10 réis.. O preço acordado foi para todo o conjunto e não foi revelado pelas partes.
O Sr. Reim, quando consultado, informou: “Em 2001 me enamorei do Bloco de 15 do 600 réis Inclinado. Entretanto, ainda não estava preparado para comprar-lo, pois minha coleção era ainda iniciante e criaria um desequilíbrio já que possuía alguns blocos, faltando, todavia, as principais cartas dos selos Inclinados. Disse ao Everaldo que quando ele me vendesse as suas principais cartas dos alto valores do 180 réis, do 300 réis e a famosa Carta de Belo Horizonte (Bloco de 4 do 600 réis) poderíamos iniciar as negociações. Passaram-se vários anos e logo após a Exposição Málaga’2006 chegamos a um acordo econômico sobre todas essas peças. Sou muito agradecido ao Everaldo, pois ele cumpriu a palavra empenhada, guardando todo o conjunto dos Inclinados para mim como anteriormente ajustado. Foi um preço justo para ambas as partes em razão da qualidade e raridade das peças”.