Obsidionais - segunda parte

Resumo dos fatos narrados anteriormente:

1. Em 1640 Portugal restaurou sua independência. Nascia, com D. João IV, a dinastia de Bragança. Era o fim do domínio espanhol. Entretanto, arruinado financeiramente, Portugal não tinha condições de expulsar os holandeses do Brasil. Daí o governo português ver-se obrigado a assinar um acordo de paz com a Holanda. O acordo estabelecia que os holandeses não podiam ampliar seus domínios sobre posses portuguesas. Essa determinação não foi plenamente obedecida pelos holandeses que, contrariando o disposto, conquistaram em 1641 áreas da África portuguesa e anexaram o Maranhão. 

2. Com o passar do tempo, o relacionamento amistoso entre a aristocracia latifundiária e a Companhia das Índias Ocidentais começou a se deteriorar. Os atritos eram constantes e por várias razões. A válvula que impulsionou a vinda dos holandeses para o Brasil foram os interesses mercantilistas em relação ao açúcar. 
    
3. Os dirigentes da GWC e seus acionistas emprestaram capital aos senhores para a recuperação da produção açucareira. Esses empréstimos geraram dívidas e obrigações difíceis de serem cumpridas pela elite açucareira. 
    
4. Entre 1640 e 1644, uma série de contratempos naturais como inundações, secas, incêndios e epidemias, além da crescente alta dos juros, impossibilitou os senhores dos engenhos de cumprir seus compromissos com os credores holandeses. A dívida aumentava. 
    
5. A GWC também passava por problemas financeiros devido às guerras européias nas quais a Holanda estava envolvida. Procuraram então explorar ao máximo seus domínios no Nordeste: aumentaram o preço do transporte e os impostos sobre o açúcar. Além disso passaram a exigir o pagamento das dívidas, ameaçando os senhores com o confisco dos engenhos caso não as quitassem no prazo estipulado. 
    
6. Nassau aconselhou os donos da GWC a mudar sua conduta em relação aos senhores de engenho. Os donos da Companhia, entretanto, não lhe deram ouvidos e ainda o acusaram de pretender criar no Brasil um império particular. 
    
7. As tensões se avolumaram, principalmente depois que os calvinistas holandeses esqueceram-se do compromisso assumido anos antes de assegurar a liberdade de culto religioso. 

8. Já em 1642 explodiu no Maranhão o primeiro movimento organizado de reação aos holandeses. A luta dos senhores de engenho do Maranhão, apoiados pelos da Capitania do Pará, foi sufocada. Contudo a idéia de expulsar os flamengos ganhou vulto e se espalhou em Pernambuco. Nassau, em desacordo com a GWC, foi demitido e voltou à Holanda em 1644. 
    
9. No ano seguinte explodiu a Insurreição Pernambucana, que só acabaria em 1654 com a expulsão dos holandeses. O movimento armado congregou em sua liderança elementos dos três grupos étnicos existentes no Brasil: os brancos André Vidal de Negreiros e João Fernandes Vieira, o negro Henrique Dias e o índio Poty. 

10. Apesar de algumas significativas vitórias como a da Batalha do Monte das Tabocas e as duas batalhas dos Guararapes, as forças rebeldes não conseguiram desalojar os holandeses do Recife. Isso deveu-se também à pálida ajuda militar portuguesa aos brasileiros por causa do acordo de paz que Portugal havia assinado com a Holanda e à incapacidade portuguesa de enfrentar militarmente os exércitos holandeses. 

11. Depois dessas vitórias iniciais, a guerra tornou-se morosa. De um lado, as forças rebeldes impossibilitadas de entrar no Recife; do outro, os holandeses dominando o mar, dificultando a chegada de reforços para os luso-brasileiros e sendo facilmente abastecidos por seus companheiros. Porém a explosão de uma guerra entre Holanda e Inglaterra, em disputa pela liderança marítima, criou as condições para a vitória final da insurreição. 

12. O desgaste financeiro da Holanda, provocado pelo confronto militar com os ingleses, e a ajuda da Inglaterra aos rebeldes pernambucanos, foram fundamentais para a rendição holandesa em 1654.


Conseqüências da expulsão

I. O Brasil estava livre, porém a Holanda continuava mantendo suas pretensões de domínio sobre a colônia e sobre as regiões africanas conquistadas a Portugal. Esse impasse gerou novo conflito armado entre portugueses e holandeses. Portugal recebeu o imediato apoio da esquadra britânica, o que forçou a abertura de negociações diplomáticas entre Holanda e Portugal o que, finalmente se concluiu com a assinatura da Paz de Haia, em 1661. 
    
II. Pelo Tratado de Paz de Haia, Portugal ficava obrigado a pagar à Holanda uma indenização de quatro milhões de cruzados em dinheiro, açúcar, tabaco e sal, além de restituir aos holandeses toda a artilharia tomada no Brasil. 
    
III. O auxílio inglês a Portugal nas lutas contra os holandeses, e a conseqüente aliança entre as Coroas inglesa e portuguesa, resultaram na dependência da nação lusitana e do Brasil ao capital inglês. Essa dependência, que atravessou séculos, afirmava-se à medida que Portugal era forçado a assinar tratados econômicos com os britânicos. 
    
IV. Para o Brasil, a conseqüência mais séria da expulsão holandesa foi a decadência da empresa açucareira. Os holandeses, após sua expulsão, passaram a plantar cana e produzir açúcar nas Antilhas, valendo-se da experiência que haviam adquirido na cultura canavieira do Brasil. 

V. Senhores absolutos da distribuição do produto nos mercados internacionais e, agora, produtores diretos, os holandeses passaram a dominar, da produção à distribuição do açúcar. A empresa açucareira nordestina, não tendo condições de concorrer com a nova empresa holandesa que produzia um açúcar de melhor qualidade e mais barato, entrou em decadência. Com isso o Brasil conheceu sua primeira grande crise econômica. O episódio acirrou as relações entre a classe senhorial da colônia e as autoridades representativas do Estado metropolitano.



MOEDAS OBSIDIONAIS

As moedas batidas pelos Holandeses em Pernambuco, nos anos de 1645 e 1646 e, posteriormente sob cerco em 1654, foram as primeiras cunhagens efetuadas em território brasileiro com o nome BRASIL. Essas moedas eram batidas em placas "romboidais" de ouro, nos valores XII; VI e III florins e de prata no valor XII soldos com a data de emissão, além da indicação do valor, em florins ou soldos, e das letras GWC, sigla da Companhia Privilegiada das Índias Ocidentais (Geoctroyeerde West-Indische Compangnie).

As remessas de florins, soldos e xelins provenientes da Holanda não eram suficientes para atender as necessidades da administração holandesa no Brasil, durante os anos de ocupação. Assim, para suprir a falta de recursos, o Conselho da Companhia decidiu utilizar o ouro vindo da Guiné destinado à Holanda para cunhar, em 1645, moedas de III, VI e XII florins e no ano seguinte (1646) fez nova emissão com o restante do ouro. 

Estas peças chamadas de “moedas de necessidade”(de emergência ou de necessidade do invasor) foram as primeiras "cunhadas" no Brasil e são muito raras. São destacadas das demais moedas pela sua forma "quadrangular" e pela pouca espessura. 

As moedas de prata de XII soldos de 1654 foram produzidas após a capitulação dos holandeses, com características semelhantes às de ouro, consideradas também como moedas de necessidade, nesse particular caso, do invasor.

Obsidional é o termo que, usado em numismática - em alguns casos pode ser "confundido" com "castrense" - serve para indicar a moeda de emergência cunhada durante um assédio (do latim obsidium). Pode se referir à coroa graminea concedida ao militar romano de alto escalão, como recompensa por haver libertado tropas assediadas, premiando-os com uma coroa de ramos dita "obsidionalis".

Eram, em geral, cunhadas para pagar o soldo às tropas, mas não somente. A característica notável destas moedas é a irregularidade, não só na sua forma, mas também no valor, frequentemente não alinhada com o standard monetário usado na região circunscrita e, muitas vezes, não correspondendo minimamente ao seu valor intrínseco, isto é: o valor estampado, geralmente, supera em muito o conteúdo de metal ou material escolhido, de acordo com o momento.

Eram cunhadas pelos assediados, mas raramente também pelo assediador. Frequentemente, devido à carência de metal, muitas destas moedas foram realizadas em couro ou mesmo em cartão. Para fazer jus ao valor extrínseco, o correspondente intrinseco era, na maior parte das vezes, resgatado prontamente ao término de um conflito bélico.

A primeira menção oficial às moedas obsidionais é documentada a partir do século XVI, sendo muito numerosas a partir de então e até fins do século XIX. As mais antigas moedas obsidionais de que se tem notícia foram batidas na Itália, no início do século XVI, em ocasião do assédio de Pávia e de Cremona, época de Francesco I.

Famosas são as obsidionais do assédio à cidade de Jülich, em 1610. O comandante das tropas assediadas, Johann von Rauschenberg, usou toda prataria disponível para cunhar moedas cujos valores corriam de 1 a 10 Gulden, como as da figura abaixo:


Durante o cerco espanhol à cidade de Leiden, em 1574, a situação se agravou tanto que os holandeses se viram obrigados a fabricar moedas de cartão.

Essa “moeda” foi cunhada, na Holanda, sitiada durante a Guerra da Independência, também conhecida como Guerra dos Oitenta Anos (1568-1648). O cerco, realizado pelas tropas espanholas sob o comando do sanguinário Duque de Alba e do General Valdéz entre 21 de agosto de 1573 e 3 de outubro de 1574, acabou por esgotar todas as reservas de metal nobre que a cidade dispunha para pagar os soldados mercenários. Praticamente sem saber como dar solução ao problema, a autoridade monetária da cidade optou pela cunhagem de moedas em papel.. Essas moedas seriam trocadas pelo valor em prata após o término do cerco, caso ocorresse a vitória pelos holandeses. 

Assim ocorreu, quando em 3 de outubro de 1574, a cidade foi libertada. Essa vitória foi extremamente importante, pois a Espanha não dispunha mais de recursos para pagar os soldados a fim de que permanecessem nos Países Baixos. Isso permitiu que as Províncias se rebelassem ao mesmo tempo, o que alguns anos após, levou à criação da União de Utrecht em 1579, o berço da atual nação holandesa.

Acima, duas cunhagens que representam dois momentos diversos durante o cerco à Leiden. Á esquerda, Stuiver de prata, datado 1574. Á direita, finda a reserva de prata, os holandeses, em situação de extrema emergência, passaram a cunhar moedas de cartão para pagamento das tropas e posterior resgate do equivalente em metal. Clique na imagem, para ampliar.

O papel usado para a cunhagem das moedas veio de antigos livros litúrgicos e de cânticos religiosos medievais retirados das igrejas da cidade. Como recompensa à heróica defesa da cidade, Willem van Oranje, no ano seguinte, concedeu-lhes uma Carta, a partir do qual foi fundada a Universidade de Leiden . Para alguns estudiosos, esse pode ser considerado o primeiro papel-moeda emitido no ocidente, antes mesmo das cédulas suecas do século XVII. 


Na figura acima, moeda cunhada por Charles I da inglaterra durante a revolução de 1645/1646, por ocasião do cerco a Newark e Carlisle.


Nota: Corona Obsidionalis (latim) - A coroa obsidional, também chamada coroa de grama (corona graminea), era usada pelos antigos romanos como honra concedida na república e também durante o império. Representava o símbolo máximo de valor militar concedida ao comandante bem sucedido na defesa de um exército assediado, salvando-o da derrota. Era confeccionada com um punhado de ervas e flores entrelaçadas, colhidas no próprio campo de batalha. Em seus relatos, Plínio o Velho, nos fornece uma lista de nomes agraciados com a honra da coroa obsidional.




AS EMISSÕES DE 1645 - DOCUMENTAÇÃO

Segundo as pesquisas do historiador pernambucano Gonçalves de Mello, a primeira vez que se faz menção à necessidade de cunhar moeda no Brasil é encontrada num documento emitido pelo Alto Conselho da GWC, em 1645. A seguir, um trecho desse documento: 

“...Devido à escassez de numerário em que nos achamos, e por nada podermos obter ali das dívidas existentes, por mais que nos esforcemos nesse sentido; e sendo diariamente necessário dispor de dinheiro tanto para pagamento da milícia e salário dos contratadores de serviços, quanto das obras necessárias, víveres e outras cousas mais, que não podemos escusar, resolvemos retirar da caixa de ouro chegada da Costa da Guiné no navio Zelândia, a quantia de 360 marcos, de cada nona parte de 40 marcos, para com eles cunhar dinheiro ou vendê-lo, e sendo possível, restituí-los no futuro...”

Esse ouro era proveniente das terras tomadas aos portugueses em 1637 (hoje Ghana), quando da conquista do Forte de São Jorge da Mina (primeira fortaleza européia em solo africano). De lá havia zarpado o Zelandia, com escala em Recife, levando em seus porões aproximadamente 308 Kg de ouro puro da Guiné.

Em agosto de 1645, finalmente decide o Alto Conselho: 

“Como não temos meios de obter mais algum dinheiro da população, quer do que é devido à Companhia, quer de outra maneira, e, por outro lado, dos 360 marcos de ouro da caixa recentemente chegada, o qual aqui conservamos para uma emergência nas atuais dificuldades, parte já vendemos e parte ainda não encontramos comprador para ele, para obter algum dinheiro; e como este não pode se conseguir senão fazendo cunhar moedas, embora para isto não estejamos autorizados, obrigados por grande necessidade, foi resolvido mandar cunhar moedas de ouro, quadradas, de 3, 6 e 12 florins, tendo em uma face o emblema da Companhia e na outra a data do ano; e curso superior ao de venda em 25%. Ao Sr Bas (Pieter Jansen Bas), nosso colega, que entende do assunto, foi solicitado quisesse fiscalizar a cunhagem, o que o mesmo prometeu fazer, com a condição que lhe fossem dados poderes expressos para isso.”

Pieter Jansen Bas, membro do Alto Conselho, tinha sido ourives no Harlen. A cunhagem começou sem mais demoras. Em setembro, seguiram para o Conselho dos XIX na Holanda, um exemplar de cada moeda emitida (III, VI e XII florins de ouro). Haviam sido cunhadas (batidas) entre os meses de agosto e setembro de 1645. Numa ata de reunião do Alto Conselho, nesse ano, lia-se o seguinte: 

“Há alguns dias que os senhores do Supremo Conselho assentaram de fazer uma nova moeda, e já se cunhou uma grande soma em ouro de 3, 6 e 12 florins, o que vem muitíssimo a propósito para contentar os militares e outras pessoas. Diz-se também que serão cunhadas moedas de prata, o tempo mostrará”.

Em 10 de outubro foi baixada a instrução através da qual era nomeado o sr. Pieter Bas como fiscal da moeda no Brasil, e responsável pela cunhagem do referido dinheiro emergencial. Num determinado documento, encontrado pelo prof. Gonçalves de Mello nos arquivos da antiga GWC, Bas escreveu: 

“Em primeiro lugar, como fiscal da moeda da parte da Companhia das Índias Ocidentais e por ordem dos nobres senhores do Alto e Secreto Conselho no Brasil, deverá mandar cunhar uma moeda de ouro quadrada, tendo de um lado o emblema comum da Companhia das Índias Ocidentais e do outro lado em letras a palavra BRASIL e o ano de 1645. Esta moeda será denominada de ducado brasileiro e terá três valores, dos quais o valor maior terá 32 peças por marco de peso troy, com tolerância de 1 e 1/2 engels e será recebido pelo valor de 12 florins, de 40 grossos flamengos o florin, tanto pela Companhia quanto por quem quer que seja, mas somente no Brasil. O segundo valor do mesmo ducado terá, por marco de peso troy, 64 peças, com tolerância de 2 engels de peso troy, e terá curso de 6 florins, de 40 grossos flamengos o florim.
O terceiro tipo do supracitado ducado terá 128 peças por marco de peso troy, com tolerância de 2 e 1/2 engels troy e terá curso e valor de 3 florins, de 40 grossos flamengos o florim. O mencionado ducado brasileiro será feito com ouro da Guiné, das Índias Ocidentais ou de qualquer outra procedência, devendo ser aceito como se apresentar, já que nesse país nenhuma ferramenta, materiais e outras cousas necessárias aos ensaios podem ser obtidas, de modo que o ouro tal como é lançado no cadinho será transformado em lâminas e deverá ser cortado e cunhado sem quaisquer outras considerações”

Os textos deixam claro que a moeda cunhada no Brasil, pelos holandeses, era de caráter emergencial, cujo objetivo principal era aquele de atender às necessidades financeiras básicas, mas não somente. A maioria das tropas era composta de soldados mercenários, que deveriam ser pagos com urgência a fim de evitar motins e deserções. Além destes, encontravam-se os funcionários a serviço da GWC, que há tempos também não recebiam seu pagamento. Outro relevante detalhe, que se pode observar na leitura do texto, é a grande dificuldade de produzir uma cunhagem no Brasil, devido a falta de instrumentação adequada, além do difícil procsso de purificar e trabalhar devidamente o ouro. Tudo somado, entende-se porque Bas escreveu que “a moeda deve ser aceita como se encontrar”.

Outro detalhe interessante é que, embora a moeda obsidional tenha recebido a denominação de Florin, os holandeses em seus documentos a tratam por Ducado, sendo esta última a denominação mais correta. 

Segundo o numismata Gastão Dessart, os pesos das obsidionais, de acordo com as medidas usadas na Holanda de então, seria o seguinte:

III Florins - De 1,90 a 1,93 gramas
VI Florins - De 3,79 a 3,86 gramas
XII Florins - 7,57 a 7,72 gramas

Nota-se que, devido a impossibilidade de precisão, e pelas condições difíceis do fabrico das peças, havia uma margem de tolerância em relação aos pesos dessas novas moedas.

Embora as  moedas batidas em 1645 dessem um grande alívio nas carregadas finanças dos invasores, estas logo se acabaram, sumindo dos cofres da Companhia, visto que também eram usadas para pagar os indígenas aliados, imprescindíveis no auxílio geral e nos combates.

O ourives Bas, segundo os documentos da Companhia, não prestou contas de quantas moedas teria batido naquele ano. Não chegaram aos nossos dias dados exatos de quantas peças foram cunhadas em 1645. Sabemos contudo que as moedas tinham larga aceitação. Devido ao seu valor intrínseco circulavam pela quantidade de metal que continham. A população não via qualquer problema em recebê-las, até que a coroa passou a advertir quem as recebesse de estar incorrendo am crime de alta traição, passível de pena capital.



AS EMISSÕES DE 1646

Nesse ano, a situação dos holandeses não estava muito diferente daquela do ano anterior. Além da escassez de viveres, a GWC não enviava recursos regularmente. Naquele ano, fizeram escala em Recife os navios Eendracht de Amsterdam e o Eendracht de Enkhuisen. Na caixa forte daqueles navios que se dirigiam de volta à Holanda, um carregamento de aproximadamente 395 Kg de ouro (1604 marcos), provenientes - tal como o ouro obtido no ano anterior no navio Zelândia - da Costa da Guiné.
E assim, da mesma forma que tinham feito na primeira cunhagem de 1645, retiraram dos cofres desses navios a quatidade de 405 marcos de ouro, que seria vendido e/ou amoedado. Em 16 de agosto daquele ano, o Alto Conselho em Recife escreve em suas notas: 

“Não tivemos outra solução senão recorrer ao ouro da Guiné e dele retirar, para subsidio de caixa, 405 marcos, dos quais vendemos em leilão 25 a 39 florins a onça e 25 a 40 florins e o restante guardamos com intenção de fazê-lo cunhar.”

Dessa cunhagem, ao contrário do que ocorreu com a anterior, o ourives prestou contas detalhadas. Os documentos da época indicam que o tesoureiro Bas recebeu do conselheiro Alrichs um total de 355 marcos para por em moedas. Em 27 de agosto começaram os trabalhos de cunhagem. Os documentos referentes ao processo, levantados pelo prof. Gonçalves de Mello, são muito interessantes. Descrevem em pormenores os processos de amoedação o que, nas condições em que se encontravam os holandeses naquele momento, não eram nada fáceis. Principalmente devido à carencia de bons instrumentos e da pouca capacidade dos cadinhos usados para fundir o metal. 

“Colocado o cadinho no fogão com 20 marcos de ouro da Guiné, ao ser fundido, o cadinho rachou desde o fundo até acima junto à borda, pelo que nenhuma onça de ouro dele restou, e através da grelha, foi cair nas cinzas; sendo recuperado e purificado, foi colocado em um novo cadinho, diante do fole, com 10 marcos de ouro, o quel também rachou, pelo que obtivemos apenas 6 marcos em lâminas em condições de de serem utilizadas, o restante estando nas cinzas. Novamente recuperado e fundido diante do fole, esse cadinho forneceu de boa qualidade, cerca de 12 marcos em lâminas, o restante retiramos das cinzas. Este resto colocamos de novo no fogão, junto com mais ouro da Guiné, em um cadinho, pesando ao todo 32 marcos e, ao ser fundido, rachou o cadinho desde a borda até a metade do fundo, mas conseguimos obter a metade do ouro em lâminas.
Assim, nestas quatro fundições despendemos penosamente o dia e obtivemos 39 e 1/2 marcos em lâminas, os restantes 50 marcos recolhemos das cinza. Os esforços e perdas que essas operações originaram bem podem ser compreendidas pelos que conhecem este serviço”

Do texto acima pode-se imaginar o penoso trabalho de cunhagem dessas moedas de emergência. Os cadinhos rachavam devido ao calor, pois eram inadequados para esse tipo de fundição (eram improvisados). Parte do ouro acabava terminava junto às cinzas por causa das rachaduras, tendo que ser recuperado por um processo de nova purificação, para depois voltar a ser posto num cadinho novo (que também poderia rachar). Se tudo desse certo, o ouro fundido era laminado, para finalmente ser cortado e batido.

E continuam os relatos desse difícil trabalho: 

“Em 4 de setembro foram colocados no fogão 30 marcos de ouro da Guiné e, sendo fundido, esvaziamos a metade em lâminas e ao restante ajuntamos 9 marcos de granalha do trabalho anterior e, fundido, foi sem acidentes derramado em lâminas. Esta granalha deu a perda de....”
Continua: “Duas onças cheias de toda a espécie de impurezas tendo sido misturadas, o cadinho apresentosu uma rachadura na altura da borda, na extensão de u’a mão, mas não causou dano e daqueles 30 marcos de ouro houve perda de...”


Ainda mais: “Colocado no fogão em um cadinho novo 30 marcos de ouro da Guiné e fundido, surgiu uma rachadura ao meio do fundo, pelo que só conseguimos 8 marcos em lâminas, o restante recolhemo-lo das cinzas e, sendo purificado e a granalha novamente fundida, obtivemos em ouro puro em lâminas 28 marcos e 7 onças e ouve perda de...”

Os relatórios desse ano dão conta também dos instrumentos que eram utilizados nesse processo. Constam de um registro minucioso, com nome das peças e quantidade, entregues ao ourives responsável e aos demais membros da equipe. Esses instrumentos eram em sua maioria já usados, estavam gastos e muitos eram remendados. A listagem incluía colheres, martelos, punções e tesouras. O mais interessante é a menção feita a 12 cunhos restaurados e dois cunhos novos. Os cunhos restaurados poderiam ser os usados em 1645, que estariam sendo emendados para a nova data de 1646. Sabe-se que em 1646 foram abertos outros cunhos novos por Jan Bruynsvelt (provavelmente o gravador das primeiras moedas do Brasil). Na conta por ele apresentada, para ser saldada pelo Alto Conselho, consta um pagamento de 5 florins e 12 stuivers por ter aberto um par de cunhos.

O ourives ainda apresentou várias outras contas a serem saldadas:

  • 3 contas por abrir um par de cunhos
  • 1 conta por um cunho de baixo de III florins
  • 1 conta por abrir um cunho de baixo e outro de cima
  • 1 conta por dois cunhos de VI florins
  • 1 conta por um cunho de cima de 12 florins
  • 1 conta por dois cunhos de III florins
  • 1 conta por dois cunhos de XII florins
  • 1 conta por abrir dois cunhos para XXIV florins 


Nota: Pela documentação encontrada, deduz-se que foram abertos pelo menos dois cunhos completos para as peças de 3 florins e mais um cunho de baixo. Das moedas de 6 florins, pelo menos 2 cunhos completos. Daquelas de 12 florins dois cunhos completos, e também dois cunhos de cima.

Segundo Gastão Dessart, na descrição dessas peças, os primeiros cunhos tinham um pequeno losango logo após a palavra BRASIL. Em seguida, esse losango teria sido reduzido a um ponto, para finalmente ser suprimido.

As despesas de cunhagem, segundo o pesquisador Gonçalves de Mello, incluíam ainda gastos com cadinhos, que teriam sido mais de 50, dado a sua fragilidade; martelos, ferros de cortar, tesouras, bórax, tártaro, e um fole novo, bem como carvão para o fogão e velas para trabalhos noturnos. 
Chama a atenção também a referência ao cunho do XXIV florins, uma moeda até hoje desconhecida dos colecionadores. Nunca apareceu nenhum exemplar, e nem mesmo se sabe se chegaram a ser cunhados.

O fiscal da moeda, Pieter Jansen Bas, recebeu os 355 marcos de ouro, e depois mais 2 onças e 4 engels. O total a ser amoedado em 1646 foi então de 87 Kg e 427 gramas. O número exato de moedas cunhadas não consta nos documentos encontrados pelo Prof. Gonçalves de Mello, mas o pesquisador holandês Van Loon, no século XVIII, em sua obra intitulada História Metálica dos Países Baixos, alegou que a cunhagem dos três valores teria chegado a 700 dúzias, ou seja: 8.400 moedas. Entretanto, esse numero é questionado pelos estudiosos do assunto, pois segundo os documentos da GWC, a quantidade de ouro que foi destinada a essa cunhagem daria para cunhar muito mais, considerados os pesos das moedas. Admitindo-se que os três valores teriam sido cunhados em quantidades iguais (uma hipótese), tendo em consideração a quantidade de ouro que foi destinada à amoedação, teriam sido cunhadas aproximadamente 18.000 moedas, divididas entre os 3 valores, desprezando-se a desconhecida XXIV florins, que nunca foi encontrada.

O conselheiro Bas, fiscal da moeda, teve desentendimentos com o Conselho dos XIX na Holanda, que julgou ser muito elevada a soma da qual tinha se apropriado para o pagamento de seus serviços.  No ano de 1647, Bas parte para a Holanda, para nunca mais retornar ao Brasil.


A IMPROVÁVEL CUNHAGEM DE 1647

Surgiu num leilão no Rio de Janeiro, em 1941, um XII florins com data 1647, em leilão da firma Santos Leitão, que o avaliava em 10 contos de réis. Dizia-se, à época, que a peça teria pertencido ao acervo da coleção Guinle.

Embora as dificuldades dos holandeses continuasse nos anos sucessivos, os documentos da época não confirmam emissão com essa data. A situação financeira naquele ano não era diferente da que se encontravam em 1646. As cartas remetidas ao Conselho dos XIX indicam que havia necessidade de que o restante do ouro da Guiné ficasse em Recife, visto a situação de penúria em que se encontrava a administração, privada totalmente de rendas. Os ataques constantes, a inquietação e as escaramuças do inimigo os impediam de arrecadar dinheiro. 

Nas atas de 1647, constam retiradas de ouro da Guiné para a venda; mas não há referência nenhuma à cunhagem ou amoedação. Até mesmo porquê, o antigo encarregado da cunhagem, Sr. Pieter Jansen Bas, já havia partido para a Holanda, embora tenha permanecido no Brasil, até a capitulação final em 1654, o ourives Hendrich Bruynsvelt.

As pesquisas dos documentos da GWC corroboram com os estudos de Kurt Prober sobre a tal emissão de 1647 que teria aparecido como peça única. Segundo os apontamentos de Prober, a moeda é falsa. O mesmo perito que a julgou, num primeiro momento, como peça autêntica, reconheceu seu erro em, concluindo que teria cometido um equívoco; 

“...a peça, quando se punha ao sol, mudava de cor, e ficava as vezes cinzenta, roxa ou vermelha.”...declarou.

Pela comprovação de sua falsidade, a moeda já não teria sido exposta no 1º Congresso de Numismática do Brasil, realizado em São Paulo em 1936.
Assim, conclui-se que não existe registro de cunhagem de 1647, podendo-se dizer, com grande margem de segurança, que nunca aconteceu.


A EMISSÃO EM PRATA DE 1654

Corresponde à data da capitulação das tropas holandesas no Brasil. Trata-se de uma cunhagem emergencial, feita para a compra de víveres e, principalmente, para pagar os soldados e mercenários que começavam a se revoltar, mais uma vez, pela falta de pagamentos.

O que deveria ter acontecido

No dia exato da capitulação das tropas no Recife, em 26 de janeiro de 1654, a ata de reunião do Alto e Secreto Conselho registrava:

O coletor geral, Jacob Alrichs, tendo exposto que a caixa estava totalmente desprovida de dinheiro, e que nem mesmo as dívidas mais pequenas podiam ser pagas, pôs em deliberação se não poderiam ser cunhadas algumas moedas em prata, com as quais se atendendesse a essa emergência (extremiteit) e mais tarde fossem recolhidas. Para isso, os senhores Schoemborch e Haecxs ofereceram-se para entregar a pouca prata das baixelas de suas casas, no qual não tiveram seguidores. Entretanto, para começar, foram tomadas 23 libras de prata (11 Kg) fornecidas pelo coletor geral, que deveriam ser entregues ao Sr. Henrik Brunsvelt, a fim de que fossem cunhadas moedas quadradas, a saber: 

● Uma moeda de 8 engels (12,30 a 12,35 grms) que valerá 2 florins.
● Uma moeda de 4 engels (6,15 a 6,17 grms) que valerá 1 florim.
● Uma moeda de 2 engels (3,07 a 3,08 grms) que valerá 10 stuivers.


A Caracteristica principal dessas peças é a de que são unifaciais, ou seja; tem cunho apenas de um lado. Trazem o valor sempre em algarismos romanos, juntamente com o monograma da GWC e a data de 1654. 
Ao que tudo indica, de acordo então com a resolução de 26 de janeiro de 1654, teriam autorizado a cunhagem de 3 valores apenas, conforme segue: 

● XXXX stuiver (correspondendo a dois florins)
● XX stuivers (correspondendo a 1 florin)
● X stuiver (correspondendo a ½ florin.

Esse fato é bastante curioso, pois não estaria autorizada então a cunhagem da peça de XXX florins (muito provavelmente falsa), bem como a peça de XII stuivers (ou florins), a única moeda sem sombra de dúvidas considerada por todos como autêntica. Sobre essas duas peças, não há indicação de quanto poderiam valer em florins.


O que de fato aconteceu

Apesar de não ter sido citada, a única moeda considerada autêntica pela maior parte dos estudiosos, é aquela de XII Soldos. 

Nota do editor: Parte do texto, a seguir, foi retirado, e adaptado, do livro Obsidionais, as primeiras Moedas do Brasil, de autoria do numismata estudioso Kurt Prober.

Com os 5 dias de que dispunham na prática, e com a pouca prata à disposição, apenas poderiam ter confeccionado moedas de XII Stuivers de 1654, para pagamento do soldo de aproximadamente 1000 soldados mercenários, aquartelados em Olinda, dando a cada um  o equivalente a uma pataca de 480 réis (24 vinténs). Em valores inflacionados no Brasil, desde 1652 - ano em que na Colônia foram aplicados os carimbos coroados de 240 e 480 - correspondia, a grosso modo, ao valor intrínseco da prata de duas moedas de XII Stuivers (10 gramas de prata com título aproximado de 900 milésimos)
Significa dizer que, das 4500 moedas de XII Stuivers que se poderiam cunhar com os 23 kilos de prata que tinham à disposição, a metade teria servido para o pagamento dos soldados, e o restante para pagamento de pequenas dívidas.
Ocorre que tal fato evidentemente não iria agradar as autoridades luso-brasileiras, pois em nada interessava aos mesmos que os holandeses estivessem se provendo de numerário. Assim, quando tomou ciência do que ocorria, o mestre de campo General Francisco Barreto, mandou suspender imediatamente todos os trabalhos de cunhagem, conforme consta da ata da reunião do conselho no dia 31 de janeiro de 1654:
“Foi presente um requerimento do mestre de campo General Francisco Barreto de Menezes, o qual, tendo sido informado de que o Alto e Secreto Conselho, antes da entrega da cidade, fora forçado a mandar cunhar algum dinheiro de prata, solicitava que fosse suspenso esse trabalho, tendo-se expedido ordens nesse sentido.”
Assim, a cunhagem só durou 6 dias, de 26 de janeiro até 31 do mesmo mês, quando foi sustada, isso se considerarmos que houve trabalhos no dia 26 e no dia 31. Considerando o curtíssimo espaço de tempo, a escassez de metal e as condições precárias, podemos entender bem a enorme raridade dessas moedas emergenciais hoje em dia.

Além disso, provavelmente, os holandeses, e mercenários de outros povos, que retornaram às suas terras, ao desembarcarem, as resgataram. Existe a hipótese de que o comando holandês havia prometido que tais moedas poderiam ser resgatadas pelo seu peso equivalente em ouro, apenas desembarcassem na Holanda. Mas é só uma hipótese, baseada no fato de que não dispunham mais do nobre metal e que a quantidade de prata fosse pouca para pagar o justo valor a todos os soldados.

As restantes, em mãos dos que permaneceram na Colônia, foram provavelmente derretidas. Muitos  devem ter gasto as suas com bebidas e mulheres fazendo com que estas raridades, invariavelmente, fossem cair nas mãos de ourives que as derretiam.

Alguns sustentam a hipótese de que grande parte destas moedas (X, XX e XXXX Stuivers que costumam aparecer no mercado),  teriam “desembarcado” na Holanda e, por esse motivo, existem pouquíssimas. O problema é que VAN LOON (numismata holandês, estudioso do assunto), não conseguiu encontrar em seu país, à exceção do XII Stuivers, nenhum destes alardeados exemplares.

Além disso, para quem já as teve em mãos, é fácil constatar que as peças em questão são de cunhagem diferente do XII Stuivers, a única considerada autêntica.

1. O X do valor XII é completamente diferente dos outros valores.
2. O 6 da data 1654, que sempre foi arredondado (incuindo os Florins), nas outras aparece longo e fino.
3. As duas pernas do centro da letra W de GWC, que sempre abertas, nas outras aparece fechado.
4. O talho de gravura do monograma do XII Stuivers é totalmente diferente dos outros exemplares.

O mais curioso é que as peças consideradas verdadeiras são conhecidas de longa data (desde os tempos em que os holandeses estiveram na Colônia). As outras, porém, só surgiram a partir de 1860, exatamente 216 anos após 1654.



A MOEDA DE XII SOLDOS

Estranhamente, a única moeda de prata, cunhada pelos holandeses e única considerara autênntica pela maioria dos numismatas, não tinha cunhagem prevista em ata. Na verdade, é a única moeda obsidional de que se tem referência confiável desde o século XVIII.

Segundo alguns numismatas, ela teria seu padrão definido, tal como todas as outras, em stuivers, ou seja: Seria mais uma divisionária do Florin (que era dividido em 20 stuivers).

Ocorre que o tamanho e o peso destoam totalmente do que seria de se esperar de uma moeda de prata que valesse 12 stuivers dentro daquele sistema adotado no Brasil. Este é um dos principais motivos que levaram muitos numismatas e estudiosos a defendem a tese de que o XII Stuivers seria, na verdade uma cunhagem emergencial de XII florins. Naquele momento que antecedia a rendição, com o fim das reservas de ouro, a Companhia dispunha somente da mencionada prata das baixelas  para fabricar moeda confiável, e assim, com elevada taxa de probabilidade, teria sido feito. Dessa forma, a proposta seria aquela de apresentar a moeda na Holanda e resgatar o equivalente a XII florins em ouro, tanto quanto valiam as emergenciais anteriores desse metal (emissões 1645/46 dos florins), cunhadas com esse valor. É, sem dúvida alguma, uma tese razoável, sendo uma real possibilidade.

O Numismata e estudioso holandês Van Loon andou em busca das moedas obsidionais brasileiras e suas referências na Holanda, no século XVIII. Achou tão somente dois exemplares das moedas de XII stuivers/florins de 1654. Das outras moedas (X, XX e XXXX stuivers) ele nada teria encontrado).


Van loon desenhou cuidadosamente a peça na sua obra Beschryving der Nederlandsche Historipenningen, publicada em 1726, conforme ilustração ao lado, errando apenas a perolagem. No desenho existem 64 pérolas, e não as 49 constatadas nos exemplares autênticos.

Exemplares autênticos delas só se conhecem 5 atualmente, são raros, todos têm exatamente o mesmo cunho, peso muito aproximado, numa média de 5,00 gramas, sendo todas unifaciais.

Abaixo, as ampliações de dois exemplares conhecidos. Se observarmos às 3 horas, veremos que ambas têm a mesma falha na perolágem, o que comprova que todas foram batidas com apenas um único cunho:




E QUANTO AOS OUTROS VALORES?

O Alto e Secreto Conselho realmente autorizou a emissão de 3 valores em prata: X, XX e XXXX stuivers. Além desses, alguns defendem que existiria, além desses, o valor de XXX stuivers. 
O problema dessas emissões - figuram na mairo parte dos catálogos (brasileiros e estrangeiros) - éa ausência de um único registro confiável de rastreamento de qualquer um desses exemplares que seja anterior a meados do século XIX. Não há registro de achado de nenhum desses valores, em coleções do século XVII ou XVIII, tal como ocorre com as peças de ouro, onde existem diversos exemplares rastreados e registrados desde o século XVII, na coleção real de Frederick III da Dinamarca. 
Não há sequer o registro de um achado arqueológico mencionando qualquer um desses valores; nenhum achado, seja em fortes, construções antigas ou qualquer outro lugar. 

Van Loon, em suas buscas feitas no séc. XVIII na Holanda e Europa não achou nada em prata além da moeda de XII Florins, sobre as outras, nada disse, nem teve sequer uma referência.

É como se as moedas de X, XX e XXXX stuivers tivessem sumido, e voltado a reaparecer tão somente nas coleções e leilões europeus e brasileiros no séc. XIX. 
Segundo Kurt Prober, em sua obra “Obsidionais, as primeiras moedas brasileiras”, isso se deve ao simples fato de que todas seriam falsificações surgidas depois de 1860, o que faria sentido.

Em seu livro, Kurt Prober publicou decalques de peòas conhecidas, nesses valores, onde afirmou tratar-se de falsificações que apareceram depois de 1860.

São xatamente as três moedas que figuram no catálogo de Prosper Mailet Moedas Obsidionais de Emergência, publicado em 1870, em Bruxelas. Até então não havia qualquer menção a esses valores. É necessário esclarecer que, depois de tantos anos sem aparecer um exemplar sequer, surgem os 3 valores num leilão de credibilidade, fato qu econtribuiu para, de certa forma, “autenticá-las”.

De acordo com as pesquisas de Prober, as referências mais antigas que se encontram sobre essas peças são de 1862, constantes do catálogo Minnicks Van Cleef de vendas da firma G. Theod.  Também aparecem no catálogo Callenfels, anterior a 1870. 

Foi a partir de então que essas moedas pssaram a constar de catálogos, ganhando notoriedade. Foram adquiridas por numismatas brasileiros famosos, como Guinle e Meili, e acabaram também em museuns, como a do acervo do Museu Histórico Nacional. De certa forma, pouco a pouco, teriam sendo “autenticadas”, adquirindo “pedigree” e valorizando cada vez mais graças, principalmente a procedência ... “ex-Guinle”, “ex-Meili”, etc.

Prober chamou a atenção para o fato de que essas peças diferiam do estilo da moeda de XII florins indiscutivelmente autêntica. 
Embora Prober não tenha chamado atenção a um fato, ele salta aos olhos de quem analisa suas pranchas; o excesso de cunhos diferentes para essas moedas tidas como autênticas.

Se observarmos atentamente os decalques no livro de Prober, será fácil constatar que existem:

1. Quatro cunhos diferentes para a peça de X Stuivers.
2. Dois cunhos diferentes para a peça de XX Stuivers.
3. Sete (7, valor notável) cunhos diferentes para a peça de XXXX Stuivers.

Os holandeses só tiveram 5 (máximo 6) dias para cunhar as moedas (laminação, pesagem, levantamento de materiais, abertura de cunhos, etc). Então como explicar/justificar a existência de tantos cunhos diferentes e com estilos diversos?

Enquanto isso a moeda indiscutívelmente autêntica, o XII Stuivers, apresenta um único cunho. Todos os exemplares localizados até hoje são rigorosamente iguais, apontando sempre para uma mesma e única matriz.

Os holandeses tinham a sua disposição 11 quilos de prata para que fossem batidas essas moedas. Ocorre que o tempo foi muito curto, e com quase toda certeza não tiveram o tempo necessário para transformar todo metal em moeda , optando por um único valor, o de XII Stuivers, único reconhecidamente autêntico e, provavelmente, única a ser batida em 1654.
Os outros valores, apesar de autorizados, talvez nunca tenham sido fabricados, assim como a moeda de XXIV florins de ouro  da qual se achou um documento de abertura de cunho, mas que nunca foi encontrado um exemplar.

A quantidade que chegou a ser fabricada e utilizada no pagamento das tropas, provavelmente foi resgatada em Amsterdam por moeda holandesa, em volume equivalente a XII Florins de ouro, tendo sido as emergenciais então destruídas para que não fossem apresentadas novamente. Se algum outro valor foi cunhado, deve ter sido também destruído nessa ocasião. As raras peças que porventura tenham permanecido no Brasil, certamente tiveram o fim da maioria, nos cadinhos de ourives, servindo o metal à produção de adornos de santos nas igrejas, o que era comum na época.

É um mistério que talvez jamais seja desvendado. A resposta a que realmente aconteceu a esses outros exemplares, ou se realmente existiram, ao que tudo indica, irá permanecer no passado. O indiscutível, porém, são a extrema raridade da de XII florins de 1654 e a sua autenticidade comprovada. Até provas concretas, tudo peramnece no campo da especulação e risco de quem adquire essas peças. Seja como for, são estes momentos que tanto valorizam a numismática, afirmando-a como cinência e parte integrante da nossa história.


A nossa conclusão:

Ao que tudo indica, em decorrência da falta de ouro e por possuírem pouca prata à disposição, tenham abandonado o projeto para os Soldos (Stuivers), preferindo cunhar “Florins em prata”, com a promessa dada aos soldados de que esses poderiam resgatar o valor em ouro, correspondente a XII Florins desse metal, quando desembarcassem na Holanda. Acreditamos que essa particular emissão, na verdade, se configurasse como uma espécie de “moeda fiduciária”; apenas a garantia do que seria pago posteriormente. A teoria faz sentido, já que com a mesma quantidade de prata poderiam dispor de um maior valor emergencial, cunhando “XII Florins” do que cunhando moedas com seu valor real em prata. Isso facilitava o trabalho da Companhia, ao mesmo tempo que colocava à sua disposição um “budget” superior.



Estudo preliminar de algumas moedas holandesas da Coleção do Museu Histórico Nacional

Um estudo preliminar de algumas moedas holandesas  da  Coleção do Museu Histórico Nacional, foi realizado em 2007 pelo Centre de Recerche et de Restauration des Musées de France,  juntamente com Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCT) e pelo Instituto Nacional de Tecnologia (INT/MCT).

Foram examinadas as moedas de III, VI e XII Florins de 1645, além de um XXXX soldos de 1654. O estudo, porém, não é conclusivo sobre a autenticidade da cunhagem pelos holandeses. Pode ter sido cunhada durante aquele período, o que não atesta a sua autenticidade. 

É importante esclarecer que não existe qualquer documentação, nos arquivos da GWC que atestem a efetiva cunhagem de moedas de X, XX, XXIV, XXX ou XXXX soldos. Como já foi dito anteriormente, existe uma ordem nesse sentido. Porém, devido à excassa quantidade de prata, seria inviável realizar tal operação. Provavelmente, de posse de tal documentação, os falsários tenham se antecipado, produzindo peças de cunho grosseiro que, em nada, absolutamente, se assemelham às moedas cunhadas pelos holandeses durante sua permanência na Colônia.


Figura: Foto da análise do XXXX soldos, pertencente à Coleção do Museu Histórico Nacional, constante no referido estudo realizado pelo Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF/MCT). O numismata, mesmo aquele iniciante, poderá constatar a significativa diferença entre o cunho exposto acima e aquele da moeda autêntica. O exemplar acima mostra um cunho tosco, grosseiro e que em nada se assemelha ao trabalho dos ouríves holandeses.

Segue parte do texto do estudo, material que nos foi enviado gentilmente pelo Centre de Recerche et de Restauration des Musées de France e que hoje pode ser obtido integralmente na internet:

1. Foram observadas as letras “G” e “C” na região de cruzamento do “W” . As imagens em elétrons retroespalhados obtidas no MEV  nessa região, mostram os efeitos do gume de cunho e o defeito gravação de cunho do topo da letra “C”.

2. Foram também observados os três últimos “X” da legenda “XXXX”, bem como os detalhes do cunho no topo do terceiro “X” desta legenda.

3. Quando a imagem é ampliada, um certo número de inclusões de cor branca surgem na região em torno do terceiro “X”. De modo a explicar estas inclusões, também encontradas em muitas outras zonas da moeda, procedemos a uma análise por intermédio do sistema EDS do MEV.

4. A análise da composição destas inclusões mostra que se trata de finas partículas de Au incluídas na matriz de Ag. Essas inclusões são possivelmente devidas ao fato de as moedas de Au e Ag terem sido fabricadas com elementos de um mesmo equipamento de cunhagem.

5. Foram também observados vários detalhes da data de emissão, onde aparecem claramente defeitos no número "6". Esses defeitos podem ter sido devidos à má qualidade da gravação do cunho.

Curiosamente, o relevo na zona central do bordo desta moeda, observado no MO mostra, ao contrário do que se observa nas moedas de Au, que provavelmente deve ter sido cortado com um instrumento do tipo de tesoura. O corte talvez não tivesse sido efetuado até o final do bordo, tendo o último pedaço sido “arrancado” em vez de completamente cortado.

É necessário esclarecer que o tempo que separa as últimas cunhagens de Florins de ouro, das primeiras dos Soldos de prata é de, pelo menos, 9 anos. As partículas de ouro presentes nos cunhos das moedas de prata, somente servem a atestar que foram batidas na mesma época e não em períodos diversos, com espaçamento de 9 anos. Junte-se a isso as moedas falsas de ouro da “botija de Recife” nos valores de X, XX, XXX, e XXXX florins para concluir o óbvio. 

São visíveis as diferenças. A iniciar pelo W de GWC, a exemplo do X em REX, o W, composto de 2 Vs, tem seus traços direitos duplos, fato observado por qualquer abridor de cunhos. Somente isso já demonstra que o cunho foi aberto por um leigo e não por um profissional que conhecia seu trabalho. Também é notável a diferença entre o 6 do XXXX soldos e o do XII soldos.

A pesquisa faz referência a defeitos que atribui à má qualidade de gravação do cunho (pág. 297 do artigo publicado na Revista Brasileira de Arqueometria, Restauração e Conservação, Vol. 1, nr. 6)


Figura: Desenho da moeda de 12 soldos (stuivers) - Van Loon, Beschryving der Nederlandsche Historipenningen. Hague, 1726.


O Numismata e pesquisador holandês Van Loon andou em busca das moeda obsidionais brasileiras e suas referências na Holanda, no século XVIII. Achou tão somente dois exemplares das moedas de XII Stuivers de 1654. Dos outros valores (X, XX e XXXX Stuivers), nada encontrou. Van Loon desenhou cuidadosamente a peça na sua obra Beschryving der Nederlandsche Historipenningen, em 1726, conforme ilustração acima, errando apenas a perolagem. Na gravura de Van Loon contamos 64 pérolas, enquanto os exemplares autênticos contam com apenas 49 pérolas. 

Exemplares autênticos dessas moedas só se conhecem 5 atualmente. São raríssimos, e todos têm exatamente o mesmo cunho, peso muito aproximado, numa média de 5,00 gramas, sendo todas unifaciais.


Concluindo:

1) Os Florins foram cunhados para pagamentos gerais, não apenas dos soldados. Foram cunhados em quantidade, mas restaram poucas, já que devido à proibição de circulação os detentores dessas moedas preferiam derretê-las a arriscarem a prisão. Daí o fato de serem escassas.

2) Os Soldos (Stuivers ou Stubers) foram cunhados em situação de cerco,  estes sim para pagamentos das tropas. A prata utilizada foi de uma baixela. Dos três valores inicialmente autorizados (X; XX e XXXX), ao que tudo indica, nenhum deles foi batido. Apenas o XII Soldos foi batido ou pelo menos o único autêntico que conhecemos até o momento. 

3) Certamente, estas não deveriam ser as únicas moedas holandesas a circular naquele período. Porém, as únicas que podem ser consideradas brasileiras são aquelas cunhadas em solo brasileiro e com o nome Brasil. Não havia um padrão monetário naquela época, e certamente outras moedas estrangeiras corriam paralelamente aos Florins e Soldos (Stubers ou Stuivers).


Os Galeões UTRECHT e NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO

Para quem desconhece a história que cerca esses naufrágios, o Nossa Senhora do Rosário foi o galeão português que deu combate às embarcações holandesas Utrecht e Huys Van Nassau. O seu capitão, ao perceber que seria abordado pelos galeões holandeses, resolveu atear fogo em seu paiol. O resultado foi uma grande explosão, que pôs a pique o Utrecht e o Nossa Senhora do Rosário, danificando gravemente o Huys Van Nassau, que acabou sendo capturado pelos portugueses em Itaparica.

O naufrágio dos dois galeões ocorreu em de 28 de setembro de 1648. A fragata a serviço da Companhia Unida da Índias Orientais foi a pique por explosão proposital do Galeão português Nossa Senhora do Rosário. 

Durante anos ali permaneceu, em uma zona de areia de 21m de profundidade, com diversos canhões, lastro e âncoras. Apesar da autorização para exploração da área, dada pela Marinha brasileira a uma firma de mergulhadores, grande parte da carga do Utrecht foi saqueada por pessoal não autorizado que vem mergunhando há anos naquela região. Peças numismáticas de valor inestimável foram encontradas durante as expedições que ali se realizaram.

O leitor deve estar atento aos alardes que alguns tem feito a respeito de achados fantásticos de Florins e Stuivers holandeses. A maior parte dessas peças oferecidas no mercado numismatico, são falsas. O melhor é adquiri-las de comerciantes idôneos e em casas especializadas que promovem leilões periódicos, a exemplo da americana Heritage.


Figura: Imagem de um dos Florins encontrados durante as expedições realizadas, com autorização da Marinha do Brasil, próximo à Ilha de Itaparica, na entrada da Baía de Todos os Santos. 


Valor: XII Florins
Anv: Letra GWC (Geoctroyeerde Westindische Compagnie) e valor XII florins.
Rev: ANNO BRASIL e data 1646.
Metal: ouro
Título: 918 ‰
Peso: 7,68 gr.



Os holandeses sitiados

A permanência holandesa no Brasil, a cada dia se tornava mais insustentável, a ponto das tropas remanescentes da Companhia das Índias Ocidentais praticarem pirataria aos navios que passavam nas costas do nordeste brasileiro. Estavam sitiados, e a condição de penúria se agravava.

Depois da derrota sofrida nos Guararapes, o intruso holandês nada ousava empreender por terra. Apenas em maio, havia feito reconhecimento do forte Altená, e depois do outro lado da barreta, para conseguir algum prisioneiro do qual pudesse ter notícia do que se passava no acampamento contrário. Por mar porém os seus brios se redobravam, agredindo quanto podia, e isso apesar da falta de inteligência entre os membros do Conselho e o vice-almirante Witte Cornelis de With. Com uma esquadra de nove barcos de guerra, além de vários de menor tamanho, o vice-almirante, a partir do mês de maio em diante conseguiu capturar muitas presas. Em princípios de dezembro de 1648, Witte de With foi encontrar-se com alguns navios, pertencentes à esquadra do conde de Castel-Melor, e conseguiu tomar um barco inglês guarnecido por vinte e nove canhões, além de outro menor, e uma galeota identificada por São Bartholomeu. Uma fragata portuguêsa, chamada Nossa Senhora do Rosário, sustentou contra duas inimigas, o galeão Utrecht comandado pelo capitão Jacob Pouwelz Cort e o galeão Gissiling um violento combate, e quando essas julgavam por vencidas a atacara, dando-lhe a abordagem, foram todas as três a pique, em virtude da explosão provocada no paiol do Nossa Senhora do Rosário pelo capitão português, que preferiu ir ao fundo com seus inimigos, a deixar-se aprisionar pelos mesmos. Trecho extraído do livro "História das lutas com os holandeses no Brasil", de Francisco Adolfo Varnhagen.