CAUSO II - O PATACÃO DO CORONEL - primeira parte

Capítulo I - SORRIA, VOCÊ ESTÁ SENDO FILMADO!

Após alguns minutos aguardando na recepção do luxuoso escritório, uma jovem simpática e muito bem vestida, gentilmente me solicitou que a acompanhasse. 
Caminhamos através de um corredor finamente decorado, onde os spots de iluminação davam um tom “noir” ao local, harmonizando com o espesso tapete que revestia o chão, macio como um casaco de pele. 
A atmosfera era bastante agradável, e apesar do calor escaldante daquele dia a temperatura interna que se estendia da recepção ao corredor, era extremamente relaxante.
Entre as portas que se sucediam, à direita e à esquerda, apensas à parede revestida com papel carmin, telas de Dalva Maria de Barros e Clóvis Irigaray eram evidenciadas por luz tênue, suave, mantendo o restante do ambiente numa calma e confortante penumbra. 
À minha frente, o insinuante passo pé-ante-pé da bela jovem, em seu tailleur azul marinho, delineando seu corpo sensual, me fez recordar Leticia Brédice no esplêndido filme argentino “As Nove Rainhas”. Os saltos de seu sapato - pela elegância do design, provavelmente um Chanel - e a suave fragrância de seu inconfundível “Le Dix”, por um momento, me fizeram recordar Júlia, excluindo a minha amada esposa, uma das mais belas mulheres que conheci, aeromoça da Transbrasil, namorada dos tempos da juventude. 

Ao fundo do corredor que terminava num átrio em forma de elipse, um belo par de vasos de Sévres cor de jade adornavam a porta do que parecia ser uma sala de reuniões ou do ofício do principal responsável pelo estúdio legal. Pelo que se podia notar até então, tratavam-se de pessoas de gosto apurado e requintado. 
Alcançando o final do corredor, passei a observar atentamente o belíssimo par de Sévres, onde os vestígios de craquelè atestavam sua incontestável autenticidade. 

- Por favor !...Fui interrompido com entreabir da porta e o belo sorriso da jovem, solicitando que aguardasse ao interno, deixando-me só com meus pensamentos.

Como havia suspeitado, tratava-se de uma elegante sala de reuniões, com uma grande mesa oval ao centro, cercada por um belo conjunto de cadeiras estilo D. José. No teto, um exuberante lampadário, provavelmente francês, elaborado por habilidoso artesão, em bronze e pingentes lapidados à mão, me pareceu ser um Tiffany.
A mesma iluminação suave e relaxante do corredor era também presente na sala. Todavia - não saberia explicar porque - naquele momento, ao contrário da sensação de paz e serenidade que havia provado anteriormente, as telecâmeras espalhadas pelos quatro cantos da sala me transmitiam um sentimento misto de ansiedade e um certo desconforto. 
Enquanto aguardava ser atendido, um detalhe me chamou a atenção. O ambiente não continha janelas ou cortinas, estando totalmente imerso na mesma penumbra do corredor. Apenas a mesa e alguns quadros na parede eram iluminados por luz difusa, sendo mais intensa aquela sobre a mesa. Ao fundo da sala, atrás da única cadeira que destoava do conjunto das demais, um grande nicho continha uma única tela que não me era desconhecida. 

Enquanto me aproximava, pude identificar imediatamente: Uma cópia de um Monet. Muito bem realizada, diga-se de passagem, mas decididamente uma cópia. Sendo um admirador do gênio impressionista francês, eu sabia onde se encontrava o original.
Movido pela curiosidade, passei a circular pela sala, tentando identificar as outras telas. Um “Iberê Camargo”...um “Guinard” (provavelmente legítimos), uma marinha de “Pancetti”, um belíssimo Facchinetti e um que, a princípio, atribuiría a Benedito Calixto. Apesar do fascínio da individualidade de cada tela, o conjunto era uma tremenda miscelânea de estilos pictóricos. Uma exibição casualística, produto de alguém de muito bom gosto (ou muito bem aconselhado em seus investimentos) ao selecionar obras, mas com péssimo senso de estética.
À exceção da cópia do Monet e de uma outra tela, diria serem todos os outros originais. O amor pelas belas artes, (herança da esmerada educação dada por meu pai) me havia concedido experiência significativa no assunto. Pelo menos o suficiente para saber quando estou diante de um falso, mesmo que fosse tão bem realizado. 

Acomodei-me o mais próximo que pude do Facchinetti, a fim de admirá-lo pelo tempo que me era estado concedido. Não resisti e me aproximei ainda mais, na tentativa de me certificar de sua autenticidade. Sim! Agora tinha certeza, era decididamente um original. Raras são as oportunidades em qeu podemos nos deparar com um belíssimo Facchinetti em um ambiente fora dos museus e galerias. 


O “Iberê” conhecia muito bem e, sem dúvida, era autêntico. O artista - homem de temperamento rude e arredio, o que atribuía à quase sempre desastrosa experência com o ser humano - e meu pai, eram muito amigos. Existia entre os dois uma espécie de feeling, já que suas personalidades eram muito parecidas. Não foram poucas as vezes que meu pai fora visitá-lo na prisão. 



Fui despertado do meu “transe” pelo abrir da porta. Um senhor na faixa dos seus 50 anos, muito bem trajado, me convidou a acomodar-me, indicando com um gesto formal o conjunto de cadeiras ao redor da mesa. Em seguida, premendo um tasto, inclinou-se ao interfone, como quem confidencia um segredo, e solicitou não ser incomodado. 
Após a formalidade dos protocolos, conversamos longamente. Tudo me fazia crer que estávamos aguardando a chegada de alguém. 
Não demorou muito e, passados mais alguns minutos fui apresentado à Dra. Simone, uma jovem e bela advogada, na faixa dos 35; dias antes fora meu primeiro contato telefônico com o escritório.

- Bom dia, Doutora. 
- Bom dia! Como vai ?

- Agora deixarei o senhor aos cuidados da Dra. Simone, pois estou bastante empenhado hoje. Foi um prazer conhecê-lo. Tenha um bom dia! 

Enquanto abria uma pasta-arquivo e retirava alguns papéis, ato contínuo a Dra. Simone iniciou seu discurso profissional: 

- Como o senhor bem sabe, já que tratamos telefonicamente, uma tradicional família de Cuiabá acabou de perder seu patriarca. Esse senhor possuía uma grande coleção de moedas...como é mesmo que se diz ?

- Desculpe, não estava prestando atenção! ... exclamei ruborizado pela minha descortesia involuntèaria.

Entre as mãos da bela advogada, bamboleavam fotocópias do que pareciam reproduções de fotos. Daquela distância e com o frenesi com que as manuseava, não conseguia me certificar do que se tratava. Mas de uma coisa tinha certeza: entre as imagens figuravam algumas barras de ouro das antigas fundições coloniais.

- Como se chama quem coleciona moedas? ... retrucou, ao mesmo tempo em que se mostrou encabulada, deixando transparecer um leve e doce sorriso.

- Ahh, sim, perdoe-me ! Numismata...chama-se numismata, doutora!...disse, ato reflexo, sem dar muita bola. O que se mostrava diante de mim era um verdadeiro tesouro.

- Pois bem! Os familiares gostariam de avaliar o acervo, e estando o nosso estúdio a serviço da inteira família, os herdeiros nos confiaram essa missão. São muitas moedas, medalhas, documentos, livros, revistas, etc. Trouxe algumas imagens para que o senhor pudesse examiná-las e nos dizer se o trabalho de avaliar o conjunto lhe interessa.

Enquanto passava imagem por imagem, fui tomado por grande excitação. Se toda coleção fosse do mesmo nipe, com certeza seria um achado como poucos, nos últimos anos. De repente, um nó na garganta! ... não podia ser...me detive por instantes diante daquela foto, num misto de euforia contida e perplexidade. Custava a crer nos meus olhos...

...continua proximamente...não percam, aqui no Blog da Bentes