A montanha de prata

Em 50 anos, espanhóis e portugueses criaram um vasto império no Novo Mundo, partindo do norte, no Novo México, até o sul, na Argentina. Sobre os Andes, na América do Sul, uma extraordinária descoberta iria abrir os portões de uma nova era na história da humanidade, uma nova economia global que transformou a vida das pessoas nos mais longínquos rincões do planeta.

Nascida da colisão entre placas continentais há 170 milhões de anos, os Andes são a maior fonte de minério de prata existente em todo mundo. O magma que se encontra muito abaixo da crosta terrestre, ao longo dos séculos impulsionou os veios argentíferos em superfície, criando em Potosi enormes veios de prata de até três metros de espessura. A partir do século XVI, durante 300 anos, localizada na região sudoeste no atual território da Bolívia ― declarada pela Unesco, em 1987, como um dos maiores patrimônios culturais da humanidade ― Potosi figura entre as cidades de mais alta cota do mundo, encravada na Cordilheira dos Andes, a mais de 4.000 metros acima do nível do mar, foi a mais rica e importante cidade sul-americana, durante o período colonial. Cinco décadas após o descobrimento da América por Colombo, a notícia da descoberta dos filões de prata, divulgada por Diego de Villarroel que havia fundado Potosi em 1545, surpreendeu os conquistadores. Conta-se que “Cerro Rico” foi descoberto pelo índio Huallpa que contou ao seu amigo que, por sua vez, relatou o achado ao seu senhor, Diego de Villarroel. A descoberta do imenso tesouro, uma inteira montanha de prata, teve um impacto colossal nas cortes européias. A instalação de uma Casa da Moeda no local, como já haviam feito no México em 1535 e em Lima em 1565, se fez urgente pela necessidade de canalizar toda produção do metal. E assim foi feito em 1572, por ordem do vice-rei Francisco de Toledo. A Casa da Moeda que iniciou seus trabalhos em 1575, usando as ferramentas e apetrechos da improdutiva Casa de La Plata, cunhou um sem número de moedas de prata por quase quatro séculos, encerrando suas atividades em 1953, quando a Bolívia decidiu cunhar suas moedas no exterior. Potosi seria a responsável pelo fornecimento de mais de 80% de toda prata existente no mundo. 
Nota: Invariavelmente, sempre atribuímos grande valor ao que é raro. Dividindo a prata produzida em Potosi, em pequenos pedaços de mesmo peso e teor, os espanhóis fabricavam moedas com um valor standardizado, com o qual podiam comprar e comercializar com outras nações. Dessa forma, se alastrando por todo planeta, a prata de Potosi fez a fortuna de muita gente.
Durante os primeiros 20 anos os espanhóis não encontraram qualquer dificuldade em extrair a prata que praticamente se apresentava como mineral puro. Mas após duas décadas de exploração, o que parecia quase impossível, aconteceu: A prata em grandes veios chegou ao fim. O que restou foi uma imensa quantidade de metal encastrado na rocha, criando um problema para os espanhóis: o minério que restou era de baixa qualidade, impossibilitando a extração da prata através do calor da fusão.
Os espanhóis nunca haviam visto o minério de prata como agora se apresentava. A técnica que usavam para extrair o metal do minério não funcionava; a fusão fazia o metal evaporar. A riqueza da América estava aprisionada na rocha.


BARTOLOMEU DE MEDINA

Em 1553 um homem que iria abrir definitivamente as portas da riqueza do mundo, chega a Potosi. Seu nome é Bartolomeu de Medina; empresário inteligente, experimentador criativo, inovador e visionário, Medina, um próspero comerciante de tecidos na Espanha, deixa sua terra natal, percorrendo 8.000 quilômetros com o firme propósito de fazer fortuna em Potosi. Suas geniais idéias e sua singular criatividade farão nascer novas cidades e novos impérios, irão criar novos estilos de vida, serão responsáveis por novos conflitos e a criação de magníficos templos como o Taj Mahal.
Num primeiro momento, a técnica utilizada por Medina foi a de misturar o mercúrio ao cascalho a fim de isolar as impurezas, separando-as da prata. Todavia o método que funcionava perfeitamente na Europa, mostrou-se ineficaz em Potosi. O minério extraído nos Andes era diferente da rocha argentífera européia por conter menos cobre, essencial para que a fórmula de Medina funcionasse.

Os símbolos contidos na moeda espanhola inspiraram um outro que no futuro passaria a ser conhecido como uma das mais potentes marcas do poder da economia no mundo globalizado, o cifrão ($), o marcador de moeda de alguns países da América do Norte (EUA) e do Sul: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Suriname e Uruguai e da Europa, particularmente em Portugal, onde o símbolo está fortemente associado ao contexto monetário/financeiro. Na figura vê-se o símbolo que inspirou um dos mais potentes sinais da atual economia. Encontra-se na Catedral de Santo Domingo, a mais antiga das américas, mandada construir por Carlos I de Espanha (Sacro Imperador Romano-Germânico e da Itália, como Carlos V a partir de 1519 e Rei da Espanha como Carlos I de 1516 até sua abdicação em favor de seu irmão mais novo Fernando I). A Catedral localiza-se na cidade de Santo Domingo, capital da República Dominicana, primeira cidade fundada no continente. Sua construção foi realizada entre 1521 e 1537, tendo sido consagrada em 1541. Misturando os estilos gótico e plateresco (Renascença espanhola) é o edifício mais importante da Cidade Colonial de Santo Domingo, reconhecida como patrimônio mundial pela Unesco em 1990.

O resultado foi extraordinário. Toda economia do planeta foi fortemente influenciada quando a prata deixou a América, atravessando o Pacífico até a Europa, provocando uma enorme onda de prosperidade jamais vista. É o início do que hoje conhecemos com o nome de globalização. Ao longo de quase três séculos, as frotas espanholas transportaram 50.000 toneladas de prata para fora das Américas, criando um novo comércio atlântico.

Plus ultra, expressão latina que significa “mais além”, é o lema nacional da Espanha.Foi utilizado pela primeira vez pelo rei Carlos I, também conhecido como Carlos V do Sacro Império Romano. Plus Ultra era seu lema pessoal, cujo objetivo era demonstrar o dinamismo do novo império cosmopolita que ele regeria. Segundo Earl Rosenthal, Carlos I adotou o lema sob influência de seu médico e conselheiro pessoal, o humanista milanês Luigi Marliano que teria aconselhado o jovem Carlos a adotar o lema quando o soberano, ainda um duque, completara a maioridade e fora proclamado grão-mestre da Ordem do Tosão de Ouro. Afirma-se que o lema também motivaria navegantes a desafiar a antiga lenda de que o Estreito de Gibraltar seria o limite do mundo. Segundo a mitologia romana, Hércules teria colocado dois pilares no Estreito, marcando o limite até onde os navegadores mediterrâneos poderiam ir. Desse modo, as Colunas de Hércules seriam o “Non Terrae Plus Ultra” (não há terras mais além), que perdeu muito de seu poder simbólico quando Cristóvão Colombo chegou às Índias Ocidentais após atravessar o Oceano Atlântico, em 1492).

Império Espanhol - Carlos II de Espanha - 8 Reales batido em Potosi (cunhagem a martelo), em 1668. Ensaiador: Antonio de Ergueta (E). Diâmetro máx: 40 mm. Prata de Lei 917 milésimos. Peso: 26,73 gr.
Em pouco tempo vem introduzido no mercado mundial uma grande quantidade de prata que transformou todo comércio europeu, dando à economia uma expansão e visão totalmente novas, sem precedentes na história da humanidade. Surgem novas rotas continentais: Sevilha, Lisboa, Londres. 
Nas costas de um pequeno país, uma cidade comercial, entre as mais ricas e florescentes da época, está prestes a entrar para a história da economia mundial; Amsterdam (Amsterdã), uma nova cidade com uma nova riqueza e novos desejos está para desencadear um dos mais extraordinários ciclos de expansão marítima e comercial do mundo. Em 1639, a próspera cidade, agora livre do domínio espanhol, é rica e potente. Seus habitantes irão apostar todas as suas economias, sua fortuna e inteiro patrimônio numa flor, a TULIPA.

Um século após a conquista espanhola do Novo Mundo, as riquezas vindas da América e o comércio global transformaram os países baixos na nação mais próspera de todo planeta. Os holandeses controlavam mais da metade de toda frota mercante do mundo. A Holanda era a terra dos novos milionários, homens e mulheres que possuíam a maior renda per capita de toda a Europa; Amsterdã, agora, é uma cidade onde seus habitantes se acostumaram a apostar para ganhar.
Preso pelo fervor que inflamou a terra do genial mestre Jan Vermeer, um homem de nome Jan Van Goyen (1596-1656), assim como Vermeer também ele um pintor, que não conseguia se afimar com sua arte, procurava desesperadamente um modo de enriquecer e acompanhar as melhores famílias holandesas que faziam fortuna de um dia para o outro.
Em uma cidade próspera e rica, cheia de mercadores e grandes empresas comerciais como a VOC, Jan Van Goyen, um homem intrépido, destemido e dinâmico, quer fazer parte desta nova sociedade rica e florescente, que cresce sem parar em Amsterdã. Mas essa é uma outra história.

A seguir, um excelente documentário mostrando a dura realidade, ainda hoje, das minas de Potosi.