Pluralidade Bancária Emissora
Catálogo Bentes de Papel Moeda do Brasil - 2ª Edição - 2018 |
Estes bancos eram geralmente organizados por comerciantes que empregavam grandes fundos em tráficos, manufaturas, pondo em rápido movimento e extensão a indústria nacional, assalariando e mantendo muitas pessoas. Alavancavam e impulsionavam o comércio e a nascente indústria, com sagacidade, inteligência e prática, para bem calcularem as circunstâncias vantajosas dos negócios que projetavam. Assim o espírito dos grandes negociantes, sempre afiado e exercido em imensa variedade de combinações, surgiu para atender, sobretudo, a demanda do comércio pela moeda e pelo crédito necessários para a realização de suas transações. Para cumprir com suas tarefas, foram possibilitados de emitir próprios vales que entravam em circulação.
São estes os bancos:
Banco Commercial da Bahia.
Banco Commercial do Maranhão.
Banco Commercial do Pará.
Banco Commercial do Rio de Janeiro.
Banco do Brazil de Mauá (Instituição Privada - 2o Banco do Brazil).
Banco de Pernambuco.
Esta primeira ‘pluralidade bancária emissora’ durou de 1833 a 1853, quando surgiu o 3o Banco do Brazil, declarado único banco emissor, pondo fim a este período.
Com o encerramento das atividades do primeiro Banco do Brasil, a oferta de crédito passou a ser uma atividade quase exclusiva da iniciativa privada. Os financistas mais importantes eram os comerciantes, comissários residentes no Brasil ou em Portugal, que financiavam os agentes econômicos ligados à grande lavoura exportadora. Além destes havia as casas comerciais e as casas de descontos (mais conhecidas como casas bancárias) que funcionavam como verdadeiros bancos.
Enquanto as casas comerciais atendiam aos interesses do grande comércio atacadista e varejista financiando a compra de mercadorias importadas pelos comerciantes locais através da assinatura prévia de títulos de dívida privada (ativos negociáveis), as casas de descontos, algumas delas organizadas por corretores, transacionavam com divisas e atuavam no mercado secundário - através do desconto antecipado de letras de crédito privadas (mercado secundário). Essas operações de crédito eram realizadas sem o controle do Estado pois, ainda não havia sido promulgado o Código Comercial.
A primeira Caixa Econômica antecedeu a criação do Banco Comercial do Rio de Janeiro. Surgiu na Corte em 1831 e foi organizada com capitais de origem privada, graças a iniciativa de José Florindo de Figueiredo Rocha. O alvo da instituição eram as pequenas poupanças de trabalhadores e de escravos que depositavam as suas economias nas cadernetas da instituição.
Nota: A Caixa Econômica do Rio de Janeiro sobreviveu durante vinte e oito anos e não foi a única da Província. Em 1834, surgiu a de Campos.
O Banco Comercial do Rio de Janeiro
O aparecimento da moeda e dos bancos no Rio de Janeiro foi conseqüência da posição geográfica e da importância econômica e política da região. O Rio de Janeiro é uma cidade litorânea onde o porto foi estratégico na formação de um mercado interno, indispensável para a monetização da economia e para o surgimento de bancos. Do grande comércio exportador emergiram as elites responsáveis pelo crédito que passou das mãos de prestamistas individuais para o controle de bancos comerciais.
A vinda do Estado Português para o Brasil, em 1808, foi decisiva para consolidar a importância política, econômica e cultural da região. A necessidade de financiar os gastos governamentais deu origem ao o Banco do Brasil que concentrou as suas atividades no Rio de Janeiro e contribuiu, via a emissão de notas bancárias, para desenvolver o mercado local.
A expansão da cultura do café possibilitou a formação do Banco do Commercio do Rio de Janeiro, o primeiro banco privado dessa localidade. Contudo, a organização de estabelecimentos bancários no Rio de Janeiro só cresceria após o fim do tráfico negreiro, o qual liberou capitais que foram redirecionados para às atividades bancárias. Nesse contexto, também foi importante a promulgação do código comercial que serviu para regulamentar o funcionamento das sociedades anônimas e a profissão de banqueiro.
A história dos bancos no Rio de Janeiro durante o Império reflete as oscilações do desejo do governo Imperial de deter o monopólio das emissões e manter o padrão- ouro e dos bancos particulares que, via de regra, preferiam a pluralidade emissora e menos rigidez em relação ao lastro metálico.
Em um modelo primário exportador, os bancos da Corte e da Capital da República concentraram as suas operações no financiamento do comércio e das atividades urbanas. Nesse contexto, a agricultura era financiada ou com os recursos do Banco do Brasil ou com os lucros obtidos na produção.
Durante o Império, os bancos estrangeiros foram os principais agentes de crédito do país. Atuaram no grande comércio exportador e financiaram investimentos em infra - estrutura econômica, através de companhias de seus países de origem. Tal importância só se reduziria na República quando a política nacionalista de Vargas garantiria aos banqueiros nacionais a liderança do sistema bancário do país.
O Banco Commercial do Rio de Janeiro foi o primeiro banco emissor privado do Rio de Janeiro (o primeiro banco comercial emissor foi o Banco do Ceará fundado em 1836). .Dirigido por François Ignace Ratton abriu as suas portas na rua da Alfândega, em 1838, mas só teve a sua Carta Catente aprovada em 23 de junho de 1842. Os capitais para a formação do Banco vieram de negociantes ligados ao comércio de importação e exportação de café, produto que vinha sendo cultivado no Vale do Paraíba fluminense, desde 1830.
O capital inicial do Banco foi fixado em 5.000 mil contos de réis, divididos em 10 mil ações de $500 réis cada uma. Autorizado a funcionar por um período de 20 anos, o Banco Comercial do Rio de Janeiro, de acordo com os seus estatutos, tinha permissão para efetuar as seguintes operações:
● Depósitos em moedas, jóias, ouro, prata e papéis (títulos de dívida do governo e papéis privados);
● Abertura de contas correntes;
● Desconto de letras de câmbio e da terra, de títulos públicos e de particulares;
● Empréstimos com base em moeda forte, títulos governamentais e ações do próprio Banco e de quaisquer companhias, ficando seus donos responsáveis pelo pagamento da quantia emprestada.
O parágrafo 12 dos estatutos autorizava o Banco a”comprar e vender metais preciosos caso viesse a ser de emissão ou se quisesse tornar as suas notas realizáveis em metais” Mas, ao legislar sobre a emissão dos vales bancários, o governo imperial estabeleceu que o Banco não poderia emitir vales com prazos de resgate superiores a 10 dias, com valores inferiores a 500 réis e em proporção maior a um terço do capital.
Tais restrições à livre circulação e emissão de vales bancários do Banco Comercial mostravam a disposição do Império brasileiro de centralizar o poder emissor. Na prática, como raramente os vales eram trocados por moeda, acabaram desempenhan do a função de papel-moeda e serviram como meio de pagamento no comércio fluminense.
A lucratividade do Banco era decorrente da diferença entre os percentuais dos juros pagos aos depositantes (4 a 4,5%) e as taxas cobradas em redesconto de letras, 6 a 7% ao ano. Ainda dependente das relações pessoais dos comissários, o Banco Comercial do Rio de Janeiro concedia “empréstimos através de um intermediário, um comissário ou um outro comerciante ligado ao setor importador e exportador, pois além de conhecerem os tomadores de empréstimos, os comerciantes tinham interesse direto neste tipo de operação uma vez que alguns deles eram acionistas do Banco e recebiam dividendos”.
Como os prazos fixados pelo Banco para a concessão de seus empréstimos eram em média de 4 meses, os setores ligados à agricultura e à indústria não puderam ser beneficiados com os financiamentos oferecidos pelo Banco, que acabaram sendo direcionados para as atividades comerciais.
A austeridade da política emissionista do Banco Comercial do Rio de Janeiro limitava a sua capacidade de atender a demanda de crédito no Rio de Janeiro. Comparando a praça do Rio de Janeiro à de Nova York, nos EUA, Bernardo de Souza Franco chamou atenção para o fato de que “com uma população de quase 200 mil habitantes o Rio de Janeiro tinha, em 1848, apenas um estabelecimento bancário com um capital de 2.500 contos de réis, enquanto a cidade de Nova Iorque, nessa mesma época possuía cerca de 312.710 habitantes que dispunham de 24 bancos, com o capital de mais de 50 mil contos de réis multiplicado por inúmeras emissões de notas”. O autor acrescenta, ainda, que “em 1844 o estado de Nova Iorque possuía 150 estabelecimentos bancários” e considerava a existência destes estabelecimentos um fator importante para assegurar o dinamismo do comércio e de outras atividades econômicas.
A importância atribuída por Souza Franco às emissões de papel-moeda, mesmo sem lastro integral, para promover o crescimento econômico era um dos principais princípios da chamada escola papelista. Defendendo a pluralidade emissora, os papelistas opunham- se aos adeptos da escola metalista que acreditavam que a estabilidade monetária poderia ser alcançada através de emissões de papel- moeda lastreadas em metais preciosos (moedas conversíveis) e do poder emissor centralizado em um só banco, como passou a ser feito na Inglaterra após a assinatura do Peel Act (1844) que limitou os direitos de emissão dos bancos particulares.
Em linhas gerais, os metalistas e os papelistas reproduziram no Brasil o debate teórico travado no século XIX na Inglaterra entre os defensores da Currency School, da Banking Schoool e da Free Banking School. A Currency School defendia que os resultados da balança comercial de um país regulavam a quantidade de moeda em circulação, os preços internos e os níveis das taxas de câmbio. Assim, o receituário dos adeptos dessa escola para manter a estabilidade monetária era a defesa do padrão-ouro, da conversibilidade do papel-moeda e o monopólio emissor.
A Banking School opunha-se a Currency School, pois defendia a pluralidade emissora e o lastro das notas não só em moedas metálicas, mas também em papéis. Os adeptos dessa corrente negavam que “as variações nas emissões de papel-moeda pudessem causar alterações no nível de preços domésticos, ou mesmo pudessem levar a uma queda do nível das reservas” (Eatwell, Milgate, Newman). Acreditando que se houvesse um sistema bancário competitivo não haveria excesso de emissão ou de inflação, pregavam a pluralidade emissora, sem serem radicais, pois reconheciam a necessidade de um banco central para manter a estabilidade econômica. Por último, a Free Banking School, como o nome já diz, era contrária aos fundamentos das duas outras escolas e defendia a ausência de normas de regulamentação do meio circulante e a inexistência de um banco central.
Inspirados nestes princípios, os metalistas brasileiros faziam a defesa da estabilidade monetária através da adoção do padrão- ouro e do monopólio da emissão em poder de um banco público. Em contraposição, os papelistas consideravam que o metal, apesar de sua ótima aceitação, não poderia ser um instrumento de permuta exclusivo de uma sociedade desenvolvida, com uma estrutura financeira avançada, pois apresentava alguns inconvenientes – escassez, dificuldade de transporte e de contagem – que impediam um desenvolvimento maior do sistema bancário e consequentemente levavam à escassez da moeda. Daí a proposta da pluralidade emissora para assegurar a liquidez monetária, mesmo quando houvesse um banco público.
A Lei 401, de 11 de Setembro de 1846, regulamentada pelo Decreto 487 de 28 de novembro do mesmo ano, inseriu o país nas regras do padrão-ouro ao estabelecer a paridade fixa de 27 pences para cada mil réis colocando, pelo menos em tese, um limite à expansão do papel-moeda e dando uma vitória momentânea aos metalistas.
Em 1850, Eusébio de Queirós, Ministro do Império brasileiro, seguindo os preceitos do Bill Aberdeen, resolveu aprovar, em Setembro daquele ano, a Lei 531 extinguindo o tráfico de escravos no Brasil. A partir de então, os capitais que vinham sendo aplicados na compra e venda de escravos africanos migraram para novas atividades econômicas, possibilitando o surgimento de novos bancos e empresas.
A liberação destes capitais foi seguida da promulgação do Código Comercial (Lei n° 556 de 25 de junho de 1850) e da Lei de Terras (Lei n° 601, de 18 de setembro de 1850), peças jurídicas essenciais para o funcionamento destes estabelecimentos. O primeiro reconheceu legalmente a profissão de banqueiro e regulamentou juridicamente a organização dos bancos e dos contratos de financiamento (inclusive daqueles garantidos por hipotecas), a segunda tornou a terra um ativo negociável.
Graças ao Código Comercial - que deu garantias legais à organização de empresas no Brasil - e a disponibilidade de capitais - foi possível a abertura no Rio de Janeiro de novas sociedades anônimas, principalmente, no setor de serviços e de infra- estrutura econômica (no Rio de Janeiro foram poucas as indústrias que assumiram a forma de sociedades anônimas). A negociação das ações destas empresas, especialmente de bancos e de companhias de seguros, deram início as atividades da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Esta última existia desde 1848, mas os corretores concentravam as suas atividades na negociação de títulos da dívida pública e não de ações de empresas privadas.
Em meio a esta moldura institucional favorável, Irineu Evangelista de Souza, mais conhecido como Barão de Mauá, um dos maiores negociantes do Rio de Janeiro, proprietário do Estaleiro Ponta de Areia e sócio da firma inglesa Carruthers e Companhia, associou- se a outros importantes comerciantes e corretores e fundou, em 1851, o Banco do Commércio e da Indústria do Brasil, mais conhecido como Banco do Brasil de Mauá. O capital da sociedade, de 10.000 contos de réis, era considerado grande (correspondia a um terço do valor do Orçamento do Império para o ano de 1851) para os padrões da época e foi dividido em 20 mil ações, de $500 réis cada uma.
O Banco do Commércio e da Indústria do Brasil transformou a natureza do financiamento no Rio de Janeiro. A oferta de crédito, até então, dominada por prestamistas individuais – comissários – passou a ter o formato de uma moderna intermediação financeira, onde os recursos de terceiros eram emprestados por intermédio de uma instituição bancária e não através de relações pessoais.
O Banco do Comércio e da Indústria do Brasil conseguiu abrir filiais fora do Rio de Janeiro, no Rio Grande do Sul e em São Paulo. A abertura destas filiais visava facilitar o comércio da carne verde, entre a Corte e as províncias do Sul, já que os principais acionistas do banco, entre eles Mauá, negociavam com esse produto. Graças a iniciativa de Mauá a Província do Rio Grande do Sul passou a ter, a partir de 1852, o seu primeiro estabelecimento bancário.
O Banco Comercial do Rio de Janeiro e o banco de Mauá reforçaram no Rio de Janeiro a emissão de notas bancárias de origem privada, mas o peso relativo do papel moeda emitido pelos bancos era, sem dúvida, pouco expressivo. Em 1852, o total de papel- moeda em circulação no Brasil era de 50.315 contos de réis. Destes apenas 3.631 contos de réis, ou seja 7,3%, correspondiam ao papel- moeda de origem bancária. Em outras palavras, o papel moeda em circulação, naquele ano, era composto, basicamente, de notas emitidas pelo Tesouro nacional que somavam 46.684$ contos de réis, ou seja 92,7% do total do papel-moeda circulante.
Fora do mundo das finanças, Mauá criou empresas responsáveis pela modernização da cidade que permitiram à Corte participar dos benefícios oriundos da segunda revolução industrial. Fazem parte deste elenco a Companhia de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro, a Estrada de Ferro de Petrópolis e a Imperial Companhia de Navegação a Vapor. Além destas, vale à pena mencionar a Companhia de Bondes Jardim Botânico que inaugurou o bonde movido à tração animal, sobre trilhos, e contribuiu para o crescimento dos transportes públicos no Rio de Janeiro.
Em 1853 D. Pedro II assinou a lei 683, em 5 de julho de 1853, e criou um novo Banco do Brasil. A partir daí, o meio circulante da Corte voltaria a sofrer novas alterações decorrentes da substituição das notas do Tesouro pelas notas do Banco do Brasil e do aumento do papelmoeda de origem bancária.
Para garantir o monopólio das emissões e ao mesmo tempo reunir os capitais necessários à abertura do Banco do Brasil, o governo imperial forçou a fusão do Banco do Commércio e da Indústria do Brasil e do Banco Comercial do Rio de Janeiro com o Banco do Brasil, obrigando os proprietários dos estabelecimentos bancários privados a cederem seus direitos de emissão e a subscreverem as ações do banco estatal recém formado. Após a subscrição, o Banco do Brasil foi aberto com o capital inicial de 30.000 contos de réis e os antigos diretores do Banco Comercial do Rio de Janeiro e do banco de Irineu Evangelista de Souza passaram a fazer parte da sua primeira diretoria.
A este segundo banco público, com sede no Rio de Janeiro, foram atribuídas não só as funções características de um bancos comercial – abertura de contas correntes, recebimento de depósitos e concessão de empréstimos – mas outras operações típicas dos modernos bancos centrais tais como o redesconto e a emissão de notas, instrumentos importantes no controle da liquidez monetária.
Apesar da centralização do poder emissor em mãos do Banco do Brasil limitar a liquidez monetária e consequentemente a expansão do crédito, investir na organização de bancos na Corte era um bom negócio, pois havia nos primeiros anos de 1850 um clima de prosperidade econômica e de estabilidade política.
Nos anos de 1853 a 1856, fase em que o Banco do Brasil deteve a exclusividade do poder, surgiram dois estabelecimentos bancários no Rio de Janeiro: o Banco Rural e Hipotecário e a Casa Mauá Mac- Gregor, esta última a maior casa bancária privada de toda a época do Império.
O Banco Rural e Hipotecário era uma sociedade anônima que foi organizada com o capital inicial de 8.000$ contos de réis. Dirigido por uma diretoria formada de um fazendeiro e três importantes negociantes fluminenses foi o primeiro estabelecimento bancário do Rio de Janeiro a emprestar dinheiro aceitando como garantias hipotecas de bens de raiz e de propriedades urbanas e rurais.
A Casa Mauá Mac-Gregor e Companhia foi organizada em Julho de 1854, mas só abriu as portas em 1855, como uma sociedade em comandita por ações. Um dos sócios gerentes escolhidos para compor a diretoria era João Inácio Tavares, ex-diretor do Banco do Commércio e da Indústria do Brasil e o outro Alexander Donald MacGregor, um negociante nascido em Liverpool, indicado para representar a empresa. em Londres. Irineu Evangelista de Souza e José Henrique Reynell de Castro, de origem portuguesa e sócio da Carruthers, Castro & Co completavam a gerência da empresa.
Mauá gozava de enorme prestígio entre os comerciantes do Rio de Janeiro, liderança conquistada na presidência da Sociedade dos Assinantes da Praça do Rio de Janeiro (atual Associação Comercial do Rio de Janeiro) e através da sua atuação na Comissão encarregada de redigir o Código Comercial. Assim, não foi difícil para o empresário reunir 182 (cento e oitenta e dois) sócios comanditários para organizar a Mauá Mac Gregor e Companhia. Apesar dos muitos comerciantes brasileiros, o empreendimento tornou-se atrativo para investidores estrangeiros, principalmente ingleses, portugueses e franceses que atuavam no grande comércio de importação e exportação.
Na história das instituições de crédito do Rio de Janeiro e do Brasil, o aparecimento da Casa Mauá Mac- Gregor e Companhia corresponde a um verdadeiro ponto de inflexão. Isto porque, a exceção do Banco do Commércio e da Indústria do Brasil e do Banco do Brasil que tiveram filiais em localidades fora do Rio de Janeiro, o que se conhecia naquela época eram bancos estritamente locais. Somente a Casa Mauá MacGregor e Companhia conseguiu a abrir agencias na Europa e nos Estados Unidos, os maiores centros financeiros mundiais do século XIX. A presença de Mauá nas praças de Londres, Manchester, Nova Iorque, Montevidéu, Rosário, Córdoba e no Rio de Janeiro possibilitava ao empresário lucrar com os negócios de câmbio, ou seja com a compra e a venda de divisas estrangeiras e troca de letras de câmbio. Ter filiais no exterior constituía, sem dúvida, uma vantagem estratégica em relação às demais instituições de crédito que funcionavam no Rio de Janeiro naquela época.
Cédula de 20 pesos do Banco Mauá & Cia de Montevideo, divisão do Segundo Banco do Brasil. |
Além da Casa Mauá Mac-Gregor e Companhia, do Banco do Brasil e de bancos comerciais privados, operavam no Rio de Janeiro, desde a primeira metade do século XIX pequenas casas bancárias que apesar de realizarem operações idênticas às dos bancos comerciais diferiam destes em relação à natureza jurídica e ao volume de capital necessário para o seu funcionamento. Enquanto as casas bancárias eram companhias de capitais fechados, a maioria dos estabelecimentos bancários já nasceu sob a forma de sociedades anônimas. Possivelmente esta foi a razão das casas bancárias serem abertas com capitais girando em torno de 300 a 1.500 contos de réis, quantias bem inferiores aos capitais que deram origem aos bancos fluminenses. Na década de 1850, durante a fase de prosperidade dos negócios com o café, floresceram algumas casas bancárias no Rio de Janeiro.
A mais importante era a Souto & Cia fundada pelo português Antônio José Alves Souto que há anos trabalhava na Corte como corretor de títulos e de outros valores; tinha título de nobreza e gozava de muito prestígio junto à colônia portuguesa fluminense chegando a ocupar o cargo de presidente da Beneficência Portuguesa. Além desta estabeleceram- se no Rio de Janeiro outras casas bancárias dentre as quais incluem-se a Gomes & Filhos e Companhia, especializada na captação de pequenas poupanças de trabalhadores livres e escravos; a Montenegro, Lima & Companhia, a Oliveira Bello e a Amaral Pinto.
O cliente preferencial das casas bancárias era aquele cuja demanda de crédito não podia ser satisfeita através de empréstimos diretos do Banco do Brasil, ou dos bancos comerciais privados. A oferta de crédito destas casas bancárias não era composta apenas de depósitos feitos pelo público mas, também, de empréstimos obtidos em bancos particulares e no Banco do Brasil. Parte dos lucros destes estabelecimentos advinha de operações triangulares, ou seja,das diferenças entre os valores das taxas de desconto pagas pelas casas bancárias aos bancos comerciais e dos altos juros cobrados dos tomadores de empréstimos.
Em 1857 a economia cafeeira entrou em crise, com quedas acentuadas nas exportações e nas cotações dos preços do café no mercado mundial. Em meio à retração econômica, o governo Imperial afastou o ministro papelista Souza Franco da pasta da fazenda e colocou em prática os princípios metalistas através da promulgação da Lei 1083, de 22 de agosto de 1860.
A nova legislação limitava a liquidez monetária determinando que nenhum banco privado poderia emitir vales, enquanto não se mostrasse capaz de reembolsá - los em ouro. Apenas o Banco do Brasil e suas filiais tiveram essa autorização, o que demonstra que incapaz de eliminar a pluralidade o Governo procurou cerceá- la. A “Lei dos Entraves” abalou o sistema bancário carioca. Os bancos Comercial e Agrícola e o Rural e Hipotecário perderam seus direitos de emissão e o Banco Comercial e Agrícola, fundado durante a administração de Souza Franco, foi liquidado. Houve uma forte retração da liquidez, seguida da alta das taxas de juros e da falência de casas bancárias. O Banco do Brasil tentou intervir na crise e concedeu empréstimos à Casa Souto que acumulou uma dívida de 22 mil contos de réis, o que correspondia à metade do capital do Banco do Brasil. A impossibilidade do Banco do Brasil de continuar a rolagem das dívidas da Casa Souto, levou- a à falência e espalhou um verdadeiro pânico nos comerciantes da Corte conforme evidencia a carta de José Joaquim de Lima e Silva, Conde de Tocantis e Presidente da Associação dos Comerciantes do Rio de janeiro, ao Imperador D.Pedro II.
“Senhor- a Comissão da Praça do Comércio vem respeitosamente trazer ao conhecimento do governo de Vossa Majestade o estado calamitoso em que se acha esta praça, em conseqüência da catástrofe comercial ocorrida no dia 10 do corrente, pela suspensão que fez dos seus pagamentos a casa bancária Antonio J.A do Souto & Cia. O pânico que sobre o público produziu este acontecimento não se pode descrever mas pode ser avaliado por todos quantos conhecem a importância desta casa, a grande quantidade de depósitos que tem em si e o entrelaçamento em que se acha com todos os Bancos e principais casas de comércio desta praça. O susto e a desconfiança tornaram- se gerais e o resultado foi correrem os portadores de títulos, não só desta casa como de outras, a exigirem das mesmas o embolso imediato deles.Teve ela como imediato resultado paralisar o crédito, suscitar uma desconfiança geral, e fazer pairar sobre todas as casas comerciais, que em grande número se acham ligadas com a mencionada casa bancária, uma ameaça de se verem arrastadas na mesma catástrofe. Quem pode prever até onde chegarão as conseqüências deste acontecimento?Por outro lado, o Banco do Brasil, principal credor da mencionada casa, não só se acha ameaçado de graves prejuízos, como já se vê atacado por uma corrida sobre seu fundo disponível, corrida que principiou hoje, e que não é possível prever quando acabará. A Comissão desta praça, confiada no zelo de que Vossa Majestade Imperial sempre se mostra possuído pelo bem do país e no interesse que lhe merece tudo quanto diz respeito à prosperidade e a grandeza do Império, aguarda tranqüila as medidas que aprouver ao Governo Imperial tomar para salvar essa praça da formidável crise por que está passando”.
Após a crise de 1864, saíram fortalecidos os bancos estrangeiros e o Banco do Brasil. Os bancos privados nacionais fluminenses quase não resistiram à crise bancária. Mauá liquidou, em 1866, a Casa Mauá MacGregor e Cia e abriu um novo banco, chamado Banco Mauá & Cia que entraria em processo de liquidação em 1875.
Os bancos estrangeiros vinham tendo um papel relevante na estrutura de crédito do Rio de Janeiro desde que empresários e comerciantes ingleses estabelecidos na Corte resolveram criar o London and Brazilian Bank e o Brazilian and Portuguese Bank, mais tarde denominado de English Bank of Rio de Janeiro, respectivamente em 1862 e 1863, e revolucionaram a prática bancária fluminense, disseminando o uso do cheque.
O London and Brazilian Bank não se restringiu ao Rio de Janeiro abrindo filiais em Recife e Porto Alegre. A do nordeste visava dar suporte financeiro às companhias londrinas de exportação e importação que negociavam com açúcar e algodão. A do sul estava ligada diretamente aos interesses das firmas britânicas de que atuavam nos negócios de exportação e de importação de carne e dos frigoríficos ingleses que atuavam na região.
Comentando a presença destes estabelecimentos no Rio de Janeiro, Maria Bárbara Levy argumenta que “não eram filiais de bancos ou casas bancárias da Inglaterra, mas associações de grandes comerciantes que negociavam com o Brasil e viam nos negócios financeiros perspectivas de expandir seus negócios no Brasil. Não representavam a alta finança européia, mas reuniam comerciantes acostumados a lidar com o comércio exterior brasileiro, com o objetivo de colocar estas instituições a serviço de suas tradings”.
Além dos ingleses, alemães, franceses, portugueses e italianos abriram bancos no Rio de Janeiro. Enquanto o Banque Bresiliènne Française e o Banco Alemão Brasileiro apoiavam os investidores de seus países no Brasil, as agências do Banco do Minho e do Banco de Napoli prestavam serviços preferencialmente aos imigrantes portugueses e italianos que moravam na cidade e desejavam remeter suas economias para os seus países de origem.
No período compreendido entre os anos de 1866 a 1875, a Província do Rio de Janeiro passou a contar com a presença do Banco Commercial do Rio de Janeiro, fundado em 1866, e do Banco do Commércio, organizado em 1875.
Em 1888, a abolição da escravatura e a disseminação do trabalho assalariado aumentaram a demanda de moeda, deflagrando uma nova crise de liquidez na praça do Rio de Janeiro. A princípio, o Império brasileiro teve a intenção de autorizar a emissão de notas bancárias privadas, lastreadas em ouro ou em títulos da dívida pública, mas acabou desistindo e optando em vincular às emissões ao lastro metálico. O Banco Nacional do Brasil, o Banco do Comércio e o Banco de São Paulo tornaram- se emissores, mas somente o Banco Nacional do Brasil conseguiu exercer os direitos conferidos pela lei, beneficiado com a contratação de um empréstimo na Inglaterra e com a alta dos preços do café.
Com o fim da monarquia, a crise de liquidez que abalava os mercados de crédito do Rio de Janeiro, e de outras partes do país, tornou - se um problema da República que visando uma solução adotou uma política de crédito expansionista que deu origem a um dos mais fortes movimentos especulativos da história da Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, trazendo inquietações à província fluminense: o principal centro financeiro do país.
Ao assumir o ministério da fazenda da República Rui Barbosa, um dos porta - vozes dos interesses industriais no Brasil, realizou a última tentativa de estabilizar a moeda no Brasil, a partir do receituário da escola papelista, assinando um decreto responsável pela criação de bancos emissores nas regiões norte, centro e sul do país. A região do Centro teve como sede o Rio de Janeiro. Além deste incluía os estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo Paraná e Santa Catarina. De um total de emissão de 450 mil contos de réis, a região do Centro recebeu o dobro da região Sul sendo contemplada com 200 mil contos de réis, ou seja, um pouco menos da metade do total de notas autorizadas pelo Ministério.
Os banco escolhido como emissor no Rio de Janeiro foi o Banco dos Estados Unidos do Brasil que, em 1890, sofreu um processo de fusão com o Banco Nacional dando origem ao Banco da República dos Estados Unidos do Brasil. Este último, colocou seus bilhetes em circulação e chegou a ser mais importante do que o Banco do Brasil.
A pluralidade emissora deflagrou uma crise financeira levando o governo a intervir no sistema bancário através da fusão do Banco do Brasil com o Banco da República dos Estados Unidos do Brasil. Deste processo resultou o aparecimento do Banco da República do Brasil que passou a ter o monopólio sobre a emissão de notas bancárias.
No período de 1889 até 1892, o aumento da liquidez provocado pela expansão de moeda teve um duplo efeito. De um lado, o crédito ficou mais barato, estimulando o lado real da economia. De outro, ocasionou uma inflação, seguida de um movimento especulativo na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro que teve início com ações dos bancos, valorizadas pelo crescimento dos empréstimos bancários. A especulação acabou por envolver ações de outras companhias, sobretudo, dos ramos de seguros e de transportes.
A crise especulativa se estendeu até 1893, quando a Bolsa mostrou sinais de queda do volume de negócios. Para o Rio de Janeiro, a euforia do crédito possibilitou o crescimento das atividades industriais e de serviços, pois a cidade era um local privilegiado, dotado de um porto, do maior mercado consumidor do país, das sedes do Banco do Brasil da Bolsa de Valores, além de bancos privados nacionais e estrangeiros.
Apesar do movimento especulativo ter chegado ao fim, a crise financeira prolongou- se até 1906. As tentativas de estabilização econômica, ortodoxas e mais flexíveis, empreendidas nos governos de Prudente de Morais, Campos Sales e Rodrigues Alves tiveram em comum o retorno as s tentativas de adotar no país o padrão-ouro. Intencionalmente ou não, contribuíram para deflagrar uma crise bancária, marcada por fusões e incorporações de casas bancárias que quase liquidaram o Banco do Brasil, reorganizado em 1905 e serviram de barreira ao crescimento dos bancos.
Em 1910, o Brasil republicano permanecia com o mesmo problema que fora apontado no Império por Souza Franco: o reduzido número de estabelecimentos bancários. A nação possuía 21 bancos comerciais, sendo 5 estrangeiros e 16 nacionais.
Agência do Banco de Irineu Evangelista de Souza (Visconde com Grandeza de Mauá) quase inteiramente destruída durante a guerra do Uruguai (1865). |