A Provisão de 3 de Março de 1568
Em 1500, Pedro Álvares Cabral chegou ao litoral da Bahia.
A partir de então, exploradores, degredados, piratas, aventureiros e mercenários chegavam à Nova Terra, quase sempre de passagem. À exceção dos criminosos e exilados, a maioria pouco tempo permanecia no território recém-descoberto. O comércio local praticamente inexistia e, provavelmente, quem por ali passava, apenas se beneficiava da abundância da terra para suprir suas naus de víveres, água, frutas e, eventualmente, praticar algum escambo com os nativos locais.
Dali partiam para as aventuras de além-mar, provavelmente a caminho das Índias, tida como lugar de comércio, muitas especiarias e outros produtos manufaturados.
Muito tempo se passou até que os primeiros povoados - se é que poderiam ser chamados assim, pois na verdade eram apenas algumas habitações muito rudes, feitas de pau-a-pique, palha, barro, etc - começassem a surgir na nova terra; com grande probabilidade, criados pela necessidade dos que ali chegavam sem muitas opções. Era o caso dos exilados por motivos políticos, delinquentes condenados por crimes comuns ou homens que fugiam de um castigo mais severo por terem praticado delitos graves.
No decorrer do ano de 1549, a população no litoral, de Santos a Pernambuco, girava em torno de 2.000 portugueses assistidos por 4.000 escravos nativos. (Ferraro Vaz, A moeda de Portugal no mundo).
D. João III levou avante a colonização do Brasil e, em 1532, mandou Martim Afonso de Sousa ocupar de forma organizada o território. No final do século XVI, o Brasil já contava com uma contingente populacional de cerca 30.000 brancos e 120.000 mestiços, sem contar a população dos aldeamentos dirigidos pelos jesuítas. Com tamanho efetivo, é natural que se fizesse sentir a ausência de numerário e, na falta de moeda local, circulava a que havia em Portugal.
Com o tempo a Colônia foi crescendo e, devido ao florescente comércio do pau-brasil, mais e mais homens foram chegando, a essa altura acompanhados de amigos e inteiros grupos familiares. Com o passar dos anos, paulatinamente a moeda foi entrando em circulação, sendo aceita nas transações que até então privilegiavam o sistema de trocas. Devido à precária infra-estrutura do novo território, sequer se cogitava de cunhá-las. Mesmo porque, as que eram trazidas pelos viajantes cumpriam com seu papel nas poucas transações comerciais envolvendo numerário metálico.
Com a gente que chegava e se instalava, o comércio cresceu e as moedas estrangeiras nômades que antes chegavam de passagem, com o tempo foram sedentarizando, juntando-se às portuguesas amparadas por documentos reais. O ouro praticamente não circulava no comércio comum; era destinado às transações nas Metrópoles, geralmente se prestando aos negócios da nobreza. Por outro lado, a prata abundava. A proximidade com as minas de Potosi, explorada pelos espanhóis, facilitava o fluir do metal, fosse bruto ou amoedado nas oficinas hispânicas.
AS MOEDAS DOS PRIMEIROS BRASILEIROS
A história monetária do Brasil tem início com os primeiros colonizadores que traziam seu dinheiro para as terras recém-descobertas.
Apesar do pouco uso que se fazia do dinheiro metálico naquela época, à medida que os comerciantes começaram a desembarcar em terras brasileiras, as moedas começaram a ter melhor aceitação, entrando em circulação para o pagamento de bens.
Além das portuguesas, qualquer moeda estrangeira era geralmente aceita; moedas francesas, alemãs, espanholas, holandesas, etc, misturavam-se às da Metrópole lusitana, criando um sistema irregular e heterogêneo. Entre as espanholas, que circulavam em quantidade significativa, estão as antigas macuquinas - em prata, de confecção tosca - batidas nas Casas da Moeda da América espanhola, em Lima e Potosi. Com o tempo, surgiram os 8 reales de cunho mecânico, cuja circulação se estendeu até a chegada da Família Real ao Brasil, em 1808, quando o jovem monarca D. João proibiu sua circulação, recolhendo-as e aplicando sua contramarca de 960 réis para, em seguida, recunhá-las a partir de 1809.
Durante o intervalo de tempo que antecede à primeira cunhagem oficial em terra brasileira, as pessoas que ali residiam estavam habituadas ao uso das moedas espanholas, principalmente as cunhadas em terras sul-americanas. Foi portanto natural que quando uma primeira cunhagem nacional foi cogitada, que esta tivesse o standard das moedas hispânicas; de fato, a primeira série de prata, cunhada em solo brasileiro - a série das assim chamadas “patacas” - tinham, praticamente, as mesmas características dessas moedas.
Ao contrário do que muitos imaginavam até agora, antes mesmo da fundação da primeira Casa da Moeda brasileira, as moedas portuguesas circulavam livremente na Colônia, o que é, inclusive e em muitos casos, atestado por documentos reais.
A expressão “...mando que em todos meus reynos e senhorios corram e se recebam as ditas moedas pelas ditas valias e nenhúa pessoa as possa engeitar...”, contida em documentos relativos às cunhagens na Metrópole, é determinante para o entendimento do acervo numismático do Brasil.
A exemplo do que já conhecemos dos romanos, que mandavam circular moeda nas terras conquistadas, é bastante óbvio que, o monarca português não negligenciava com as possessões da Coroa, devendo prover as necessidades de todo seu reino.
Dizer que a numária brasileira, desde o início, foi formada apenas por um punhado de moedas estrangeiras (principalmente as hispânicas não oficiais), deixando de lado um acervo tremendo de moedas portuguesas, não faz sentido, carece de lógica.
Com a quantidade de desbravadores, aventureiros, degredados, comerciantes e navegantes portugueses que, desde Cabral, passaram a frequentar terras brasileiras, é óbvio que estas moedas circulavam na Colônia, e mesmo que não fossem usadas com frequência, tinham a devida autorização para o seu uso nas tratativas do comércio.
Seja como mercadoria de troca (principalmente), seja pelo seu valor extrínseco como moeda, é fato incontestável que a maior parte delas não poderia ser enjeitada, como se pode constatar nas documentações relativas às cunhagens. Além disso, nenhum monarca enviaria às suas terras, expedições exploradoras como as de 1501 e 1503, as expedições guarda-costa de 1516 e 1526, e expedições colonizadoras como a de Martim Afonso de Souza, em 1530, sem a devida autorização para que as moedas em seu poder tivessem livre circulação, mesmo que fosse praticamente nenhuma, o que certamente, não poderemos saber jamais. Assim, é mister entender que as moedas portuguesas que circulavam na Metrópole eram normalmente aceitas no Brasil, durante o período que vai do descobrimento até a data da criação da primeira Casa da Moeda do Brasil. Mais do que isso, e principalmente, devemos também nos ater aos documentos, a fim de compreender como foi sendo formado o nosso acervo numismático, sem qualquer tipo de “achismo” ou especulações.
As primeiras moedas a circular no Brasil foram as mesmas correntes em Portugal na época dos descobrimentos, trazidas à Colônia pelos exploradores de além-mar e, posteriormente, pelos mercadores e colonos que ali se estabeleceram.
Por questões didáticas, devemos iniciar a história numismática do Brasil a partir do seu descobrimento, mas apenas citando as moedas a partir de D. Manuel I, soberano naquela época.
Todavia, para fins de catalogação das peças brasileiras, devemos considerar apenas as moedas amparadas por documentação oficial, a exemplo da Provisão de 3 de março de 1568 que ordenou efetivamente a circulação de moedas de cobre no Brasil.
Finalmente, a Lei de 19/12/1695 proibiu, definitivamente, a circulação de moedas portuguesas no Brasil sem documentação específica que a autorizasse. Um exemplo claro disso se deu durante o governo de D. Afonso VI, onde é notável a documentação comprobatória de que as ordens para circulação de moedas na Colônia deveriam ser sancionadas pelo Conde de Óbidos, em território brasileiro. Por isso não incluímos emnossa numismática peças que para muitos seriam brasileiras.
A PROVISÃO DE 3 de MARÇO de 1568
D. SEBASTIÃO I
O DESEJADO
1557 – 1578
Sistema Monetário Primevo
CASA de AVIS
16º Rei de Portugal
Rei de Portugal e dos Algarves
daquém e dalém-mar em África
Antecessor: D. João III (1521 - 1557)
Sucessor: D. Henrique I (1578 - 1580)
Na segunda metade do século XVI, ainda nos primeiros anos de colonização da terra recém-descoberta, fez-se urgente a adoção de medidas eficazes a fim de proteger os territórios conquistados.
Com a criação do sistema de capitanias hereditárias, fazendeiros, trabalhadores, mercadores, degredados e exilados passaram a chegar com maior frequência à Colônia; aventureiros e os que desejavam tentar a sorte grande, não eram poucos. Muitos deixavam a Metrópole com suas famílias a fim de recomeçar suas vidas na Nova Terra.
Com o estabelecimento de uma pequena sociedade, disposta principalmente em vilarejos, teve início um comércio informal. Como não existia um numerário local produzido na Colônia, as pessoas utilizavam moedas que traziam consigo. Velhos cobres de diferentes monarcas, moedas de diferentes nações, e outras que ainda circulavam em Portugal eram utilizadas no comércio local, sobretudo nas trocas onde prevalecia o seu valor intrínseco.
O florescente comércio na região, aliado ao alto valor extrínseco das moedas de cobre em circulação (muito acima do preço do metal), acabou servindo de estímulo à produção de moeda falsa. Com o tempo, o derrame de cobre falso tornou-se um verdadeiro problema; a quantidade dessas moedas falsas em circulação era muito grande.
Crescia a preocupação da Metrópole no que dizia respeito à manutenção do domínio português em suas colônias, principalmente porque eram constantemente ameaçadas de invasão por parte de outras nações, destacando-se entre as principais a França e a Holanda. O controle das moedas em circulação estava entre as medidas que ajudavam a formar a unidade tão necessária à manutenção da ordem e da disciplina. Afinal, o Brasil passava de terra de conquista à próspera Colônia; era hora de adotar medidas eficazes, capazes de transmitir a todos, em particular as nações estrangeiras, que Nova Terra possuía um "dono".
Assim, D. Sebastião I de Portugal, preocupado com seus domínios, resolveu formalizar as tratativas comerciais em suas terras, baixando o valor de algumas de suas moedas e decretando-as como sendo de caráter intercontinental, ordenando - com o envio de documentação oficial, comprobatória de sua vontade - sua circulação em todos os seus territórios.
Para tanto, usou sua autoridade através de Provisões, para:
1) Ordenar a redução dos valores dessas moedas para desestimular sua falsificação.
2) Oficializar a circulação desse numerário nos principais territórios em que essas moedas circulavam em grande quantidade.
De certa forma foi a enorme contrafação e a grande quantidade dessas moedas falsas em circulação a contribuir para a emissão deste importante documento.
El-Rei D. Sebastião, informado da grande falsificação do cobre, de procedência estrangeira, que se encontrava em circulação quer no reino, quer nas terras conquistadas (Brasil incluso), baixa a Provisão de 3 de março de 1568, reduzindo o valor das moedas de cobre que estavam em curso. Assim, o patacão de 10 reais passou a valer 3 reais; a moeda de 5 reais passou a ter o valor de 1,5 reais; e a moeda de 3 reais deveria ser aceita somente pelo valor de 1 real e, por fim, a moeda de real foi convertida ao valor de apenas 1/2 real.
A medida visava, principalmente, evitar a fuga de numerário para a colônia; controlar as falsificações que se alastravam e estimular o uso de moedas de baixo valor, usadas principalmente como troco (o valor circulatório da moeda de Real foi reduzido a 50%, enquanto a de X Reais, em 70% do seu valor extrínseco).
A PROVISÃO RUMO AO BRASIL.
A Provisão partiu de Lisboa no dia 29/03/1568 com destino à Bahia, lá chegando somente em 17/09/1568. No mesmo dia que chegou à Bahia, foi enviada para as capitanias do Rio de Janeiro, Porto Seguro, Espírito Santo e São vicente. Chegando à cidade de Salvador, Baía de Todos os Santos, depois de consertada pelo próprio Ouvidor Geral e já trasladada nos livros da Câmara pela certidão recebida de Lisboa - passada a 29 de março de 1568 - foi registrada na Bahia em 17 de setembro do mesmo ano. Uma vez publicada nas Capitanias de Porto Seguro, São Vicente, Espírito Santo e Rio de Janeiro, entrou a citada Provisão em vigor.
A Provisão de 3 de março de 1568 é o primeiro documento que determina e oficializa, de forma explícita, a circulação de moeda metálica no Brasil. Nela, para desestimular o crescente fabrico de moeda falsa de cobre em circulação, El-Rei D. Sebastião I reduziu o valor da moeda que estava circulando no reino e na Conquista Portuguesa na América. Era esse monetário primevo constituído dos seguintes espécimes de cobre: 10 reais, 5 reais, 3 reais e, finalmente, a moeda denominada real.
Com a publicação dessa Provisão, com força de Lei, foi proibida a lavratura da moeda de real, bem como das moedas de 10; 5 e 3 reais que não mais foram fabricadas por serem consideradas desnecessárias, uma vez que o governo havia baixado o valor de todas que estavam em circulação (incluindo as falsas), obrigando-se ainda a indenizar o prejuízo sofrido pelo particular que havia recebido cobre falsificado. A quantidade de moeda falsa (nacional e estrangeira) em circulação era de proporção assustadora, tanto na Metrópole quanto no Brasil.
A Provisão determinou a baixa da moeda de cobre lavrada para circulação, ordenando ainda que fosse recebida com os valores reduzidos que ficavam ...”em todos os meus Reynos e senhorios, e que pessoa algua as não engeite sob as penas contheudas em minhas ordenações”...
A NATUREZA DAS MOEDAS.
Eram cunhadas manualmente, com os ferros de anverso e reverso batidos sobre bigornas, passando a impressão de eventuais desgastes destas moedas que pouco circularam. A natureza de sua confecção simples, aliada ao baixo preço do cobre e ao alto valor extrínseco das moedas, terminou estimulando a falsificação que chegou a níveis absurdamente altos.
A Provisão de 03/03/1568 - Ajustou o valor de circulação das moedas de cobre, nas colônias.Autorizou a circulação de moedas de cobre, nos valores abaixo descritos, na “Conquista Portuguesa na América” (Brasil).
• X Reais, em 3 Reais
• V Reais, em 1 1/2 real
• III Reais, em 1 Real
• Real, em 1/2 Real
A Provisão de 03/03/1568 - Ajustou o valor de circulação das moedas de cobre, nas colônias.Autorizou a circulação de moedas de cobre, nos valores abaixo descritos, na “Conquista Portuguesa na América” (Brasil).
• X Reais, em 3 Reais
• V Reais, em 1 1/2 real
• III Reais, em 1 Real
• Real, em 1/2 Real
DOCUMENTOS.
A declaração, em documentos oficiais, de que determinada moeda deveria correr ”...em todos os meus Reynos e senhorios, e que pessoa algua as não engeite sob as penas contheudas em minhas ordenações...”, apesar de sugerir o contrário, não basta a determinar, oficialmente, o numerário que tinha expressa autorização para circular na Colônia. Mesmo com a emissão de um documento da Metrópole, é necessário um outro, equivalente, determinando que a autoridade colonial (governador, vice-rei, etc) coloque determinado numerário em circulação.
Convém recordar que se a citação acima fosse determinante para formar o acervo da numismática do Brasil, deveríamos então incluir todas as moedas portuguesas cunhadas a partir do descobrimento até o início do Império, já que a expressão foi usada praticamente por todos os soberanos durante o período colonial do Brasil, incluindo os governadores e os reinantes da Casa de Habsburgo.
Que fique claro, então, que MOEDA DO BRASIL é toda aquela cunhada para o Brasil e/ou mandada circular no Brasil. Quem se atreveria, por exemplo, a dizer que a dobra de 24 escudos é também uma moeda brasileira ?
Que fique claro, então, que MOEDA DO BRASIL é toda aquela cunhada para o Brasil e/ou mandada circular no Brasil.