O Carimbo de "escudete"

Em 1808, como consequência da invasão de Portugal por tropas francesas, D. João VI e sua corte se instalam no Rio de Janeiro. Assim, a necessidade de dinheiro para fazer frente às astronômicas despesas fez com que o soberano adotasse medidas econômicas para contornar o problema. Uma delas se encontra no ALVARÁ de 18 de ABRIL de 1809, que ordenava a aplicação de um carimbo em todas as moedas de cobre com data anterior a 1799 inclusive, em circulação (as moedas do antigo padrão) que, assim marcadas, passariam a valer o dobro. O mesmo carimbo, foi aplicado nas moedas de prata da série “J”, igualando-as ao padrão das patacas. As moedas de 600 réis passavam a valer 640 réis; as de 300 passavam a 320; as de 150 passavam a 160 e as de 75 réis passavam a valer 80 réis.


Nascia assim o Carimbo de Escudete:
“(...) Sou servido a determinar que marcadas a punção com as minhas reais armas, corram em qualquer parte do Estado do Brasil as seguintes moedas de prata, e cobre, com os valores abaixo declarado, a saber: A moeda de cobre chamada antiga, cujo peso específico é o duplo da que se emitiu no ano de mil oitocentos e três, e valia quarenta réis, passará a girar por oitenta réis, igualmente a de vinte, por quarenta réis, e a de dez por vinte réis; a moeda de prata de seiscentos réis passará a representar seiscentos e quarenta réis; a de trezentos, trezentos e vinte réis; a de cento e cincoenta, cento e sessenta réis; a de setenta e cinco, oitenta réis; visto que o valor intrínseco das primeiras é o mesmo que o das segundas, com as quais se igualam no tamanho...”
Assim, qualquer moeda de cobre anterior ao ano de 1799 inclusive, deveria ser “escudetada”, para que seu valor/peso fosse ajustado ao novo padrão.


Temos então:

Antigo padrão: Perdurou desde os primeiros cobres de D. Pedro II até 1799, no governo de D. Maria I, quando as moedas foram desvalorizadas.

1) V reis - 3,58 gramas
2) X réis - 7,17 gramas
3) XX réis - 14,34 gramas
4) XL réis - 28,68 gramas

Novo padrão: Criado durante o governo de D. Maria, reduziu o peso das moedas à metade.

1) V réis (extinto) - 2,79 gramas. Essa moeda não circulou. Foi cunhada apenas na data 1799, pela última vez, em 1881/82 a mando de D. Luis, o rei numismata que queria completar a série de moedas de sua coleção.
2) X réis - 3,58 gramas
3) XX réis - 7,17 gramas
4) XL réis - 14, 34 gramas

Nota: Por uma questão de lógica, se a moeda de V réis de 1799 fosse cunhada no governo de D. Maria I, deveria pesar 1,79 e não 2,79 gramas. Ao que tudo indica, a decisão de cunhá-la com este peso coube ao rei, já que com o peso de 1,79 gramas, a moeda deveria ser cunhada em disco muito fino. 

Antigo X Novo:

1) V réis escudetados = X réis do novo padrão
2) X réis escudetados = XX do novo padrão
3) XX réis escudetados = LX do novo padrão.
4) XL réis escudetados = LXXX do novo padrão.

Com essa operação, o escudete se transformou numa fonte de renda a mais para a Coroa; ao ser escudetada nas casas oficiais, o portador da moeda deveria recolher a diferença aos cofres públicos. Quem escudetasse uma moeda de X Réis, por exemplo, esta passava a valer XX Réis. A diferença de X Réis era recolhida aos cofres do governo.

Apesar da ordem para aplicação dessa contramarca especificar que, para as moedas de cobre, somente aquelas de data igual e anterior a 1799 deveriam ser contramarcadas, esse carimbo tem aparecido em moedas de D. João P.R em datas que vão de 1800 a 1806, além de um único exemplar de X réis 1812R, o que contraria a Lei que ordenava sua aplicação. Admitimos que o fato se deve a uma aplicação errônea.


A PORTARIA Nr. 527 DE D. CARLOS DE PORTUGAL DE 31 DE DEZEMBRO DE 1895.

Em Angola, em 1895 (quando o Brasil já era uma república), o rei de Portugal D. Carlos (1889-1908) ordenou que fosse aplicado carimbo de escudo (escudete) em todas as moedas de prata estrangeiras em circulação.
Como a ordem foi dada para carimbar apenas as moedas de prata, é de se considerar que todas as moedas de outros metais, provenintes desse período - principalmente as de cobre, pois são abundantes - contarmarcadas com o carimbo de escudete, são falsas para enganar o colecionador.

Assim, existe sempre a possibilidade de que a moeda de cobre de X réis de 1812R tenha recebido o carimbo de escudete em Angola e, dessa forma, já que são consideradas falsas as aplicações em metais diferentes da prata, existe a possibilidade de que essa moeda tenha sido “fabricada” para enganar o colecionador.

Trata-se, também, da explicação mais sensata para justificar o aparecimento de moedas brasileiras de prata (960 réis, 640 réis, 320 réis e outras) com carimbo de escudete, já que, no Brasil, somente as moedas da série J e as de cobre anteriores a 1799 (inclusive), deveriam receber o carimbo.

As moedas brasileiras de prata - à exceção daquelas da série J - que aparecem com carimbo de escudete foram nacionalizadas por D. Carlos para Angola. Assim, não fazem parte do acervo numismático do Brasil, não devendo ser incluídas em catálogos nem expostas como sendo raridades.


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