Habemus Regem - A moeda de propaganda

Desde os primórdios da atual Turquia a moeda tem funcionado como um eficaz instrumento de propaganda, um importante veículo de comunicação de massa. Quando surgiu na Lídia por volta do VII século a.C., sua função principal deveria ser a de facilitar os processos de troca. Todavia, em pouco tempo os detentores do poder compreenderam a sua inegável força comunicativa e propagandística.

Hoje é comum vermos o busto de um soberano de Estado inciso em moedas como marca de um poder constituído. No Brasil, por exemplo, o primeiro a retratar-se nas moedas foi D. João V, gravando seu busto no anverso da série das dobras. A partir de então, foi seguido por seus sucessores que passaram a estampar nas moedas de ouro sua própria imagem. A partir do Império, essa conduta se estendeu à prata e a outros metais como o bronze.

Mas, afinal de contas, quem primeiro teve a iniciativa de gravar sua própria imagem em uma das faces de uma moeda? Teria sido Alexandre, o grande?

Vejamos:

Na antiguidade, as notícias não corriam com a velocidade dos tempos atuais. Não existiam jornais, revistas e muito menos os notáveis recursos tecnológicos da informática. As moedas, por assim, dizer, eram os arautos dos acontecimentos importantes do mundo antigo. Os macedônicos que vissem, por exemplo, sobre a face de uma moeda (figura abaixo), a imagem de Hércules portando uma pele de leão cobrindo a cabeça, e na outra face a imagem de Zeus sentado, carregando um cetro na mão esquerda e uma águia na direita, acompanhado da legenda ALEXANDROU, com certeza diriam: "Vejam, temos um novo rei!"

Tetradracma de Alexandre III, 336 a.C.

Apesar da imagem sugerir que Alexandre III da Macedônia havia subido ao trono, no lugar de seu pai assassinado, Filipe II, o busto que se vê na moeda não retrata Alexandre e sim a "sua imagem" divinizada através do busto de Hércules. Assim, apesar da imagem traduzir uma forte mensagem do poder investido pelo grande condottiero, não podemos dizer que Alexandre III foi o primeiro a retratar-se em uma moeda.

Comunicar à população a ascensão ao trono de um novo soberano que acabara de assumir o poder ou o triunfo em uma importante batalha, ou recordar o passado como faziam os romanos em moedas como a da figura a seguir, retratando a cena do Rapto das Sabinas, ao longo dos séculos e por muito tempo, foi uma importante função das moedas, documentos históricos de uma época que nos contam muito da vida e costumes de uma inteira civilização.

Roma antiga - Denário batido pelo magistrado Lucio Titurio Sabino (L . TITVRIVS), retratando no anverso Tito Tácio com barba (em latim Titus Tatius), na mitologia romana, rei dos sabinos, no tempo em que Rômulo reinava em Roma; no reverso, o Rapto das Sabinas. 


Em pouco tempo a moeda assumiu a função de instrumento de propaganda política e de culto às personalidades. Muitas famílias romanas lançaram mão dessa forma de ostentação carregada de vaidade, retratando seus componentes em diversas moedas privadas. Apesar de ser uma prática antiga, não chegavam a constituir uma expressão verdadeira e própria de um poder constituído. Isso só seria possível quando um soberando, um ditador ou um usurpador toma-se para sí a condição de reinante, estampando seu próprio vulto nas moedas oficiais.


ALIA IACTA EST

Em "De Vita Cesarum", Svetonio nos diz que foi essa a frase pronunciada por Júlio César ao atravessar com seu exército, o Rubicão, na noite de 10 de janeiro de 49 a.C., violando aberta e publicamente a lei que proibia o ingresso armado no perímetro de Roma, Júlio César era consciente de seu poder político e sabia com certeza a medida do seu gesto que nada tinha de impulsivo. Destarte, ao violar a lei ingressando no perímetro romano armado, Júlio César conduziu os romanos à sua segunda guerra cívil tendo combatendo contra as forças de Pompeu, seu aliado no passado juntamente com Crasso, no primeiro Triunvirato.  Após quatro anos de intensa batalha, decisiva para o destino de Roma, o homem considerado um grande estadista por uns, um genocida, satírico e homicida intencional por outros,  consagra-se vencedor.

Julio César foi um dos primeiros a compreender o potencial das moedas como meio de comunicação e propaganda política. Foi o primeiro romano vivente, depois de mais de 400 anos de República, que ousou estampar sua figura em vestes de um Rei, retratando-se com seu busto de perfil, usando a coroa imperial de louros, ousadia que viria a contribuir para a conspiração que culminou com o seu assassinato.

A partir de então, o ANVERSO das moedas passou a se configurar como exclusivo apanágio da monarquia e de todos aqueles que, de forma democrática ou com o uso da força, assumiram o poder de uma inteira nação.

Os incisores e artistas romanos eram muito habilidosos em retratar o vulto de Júlio César à perfeição. Foi próprio a ordenar que fosse refeito o cunho de uma moeda por 3 vezes consecutivas, exigindo que os sinais do tempo que o faziam parecer mais velho, fossem retocados, dando-lhe aspecto mais juvenil.

Roma antiga - Marco Júnio Bruto. Denário de prata (3,52 gramas), 42 aC. Casa da Moeda itinerante, no norte da Grécia. Anv.: L. Plaetorius Cestianus, magistrado. BRVT acima, IMP antes, L PLAET CEST, cabeça nua de Bruto (Brutus), voltada à direita. Rev.: EID MAR (idos de março), píleo (barrete em forma daquele hoje usado pelos bispos) entre dois punhais. Imagem ampliada.

Marco Júnio Bruto, o mais conhecido entre os assassinos de Júlio César, fez bater uma moeda que pode ser considerada um autêntico spot publicitário. A mensagem no seu denário é transparente e fortemente comunicativa, e diz: “Eu, Bruto, liberei vocês romanos do ditador, assassinando-o com a minha espada, no dia dos idos de março.”

De fato, sobre o anverso do denário aparece o busto de Bruto com seu nome e no reverso, o barrete símbolo da liberdade, colocado entre duas adagas onde aparece a escritura EID MAR, que indica “os idos de março” do calendário solar juliano, dia 15 do mês, do ano de 44 a.C., data do regicídio.







 Moedas brasileiras retratando alguns monarcas que fizeram a história do nosso país.


Na antiguidade, os meios de comunicação como hoje os entendemos, inexistiam. As notícias se propagavam, em sua grande parte, através do disse-me-disse do dia-a-dia da população; Os comerciantes que viajavam, muitas vezes em localidades distantes, eram os autênticos disseminadores da palavra, levando e trazendo informações além dos confins do mundo civilizado.

A moeda era de fato o único e verdadeiro instrumento de mídia em condições de comunicar à distância, enviando mensagens a todos os povos. Nos dias de hoje, a maioria (a quase totalidade da população) perdeu completamente o hábito de observar atentamente a mensagem trazida até nós por uma moeda, mas na antiguidade estes pequenos mas potentes instrumentos da documentação história dos povos, eram observadas com a devida atenção, tendo um valor talvez bem maior do que a expressão do seu próprio valor nominal.

A moeda foi para os antigos o que hoje entendemos como meio de comunicação eficaz. Criou a possibilidade de imprimir sobre uma das suas faces, imagens, símbolos, retratos e mensagens; A circulação e, consequentemente, a difusão da moeda, mesmo em zonas remotas e distantes do local onde foram batidas, mantinham “viva” a mensagem que carregavam. Enfim, sua função de servir como medida de valor e instrumento de pagamento de bens, possibilitou que vagassem de mão em mão, levando aos mais longínquos rincões as mensagens que ainda hoje ecoam no tempo e chegam até nós, testemunhos da história da humanidade.