Supostas, a indústria paralela de moedas

As moedas denominadas supostas ou paralelas para São Paulo tem sido, ao longo dos anos, matéria bastante controversa para os estudiosos da numismática. Há inclusive aqueles que afirmam tratar-se de moedas falsas. À exceção dos catálogos de Hermann Porcher, Carvalho Neto e o catálogo de Nogueira da Gama, que fazem referência a estas moedas, é escassa a bibliografia dedicada ao assunto. Todavia convém ressaltar que os aspectos históricos e o estudo propriamente dito a respeito das Supostas para São Paulo, apresentados por Nogueira da Gama, publicados pela Sociedade Numismática do Porto (1968), ainda são considerados os textos de maior relevância e que, em parte, transcrevemos nesse texto.

Convém recordar que a moeda valia o que pesava. O que importava para a população da época é que a quantidade de metal contido na moeda fosse de título bom, corespondendo ao seu valor nominal. É bem verdade, e todos sabem disso que, com o tempo, o valor da moeda deixou de estar diretamente associado ao metal com o qual era confecccionada (valor intrínseco), passando a valer por aquele nominal sem lastro, ou seja o valor convencionado e estampado pelo Estado sobre a moeda (agora confeccionada com materiais diversos e de pouco valor) ou cédula. Todavia, até poucas décadas atrás, era possível dirigir-se a um banco e receber, em ouro, o equivalente ao valor estampado em uma determinada cédula
Na figura acima, moeda de 960 réis fabricada pela indústria paralela, responsável pela produção de um grande número de moedas que circulavam e eram bem aceitas pela população, já que "valiam o quanto pesavam".

Segundo o autor, durante a permanência de D. João no Brasil, as alterações introduzidas no numerário circulante, e consequente confusão em função da diversidade de nominais, de contramarcas e de recunhos, eram um convite sedutor à prática de contravenções.

Circulavam na Colônia moedas de prata nacionais, de 200 e 400 réis, valendo 240 e 480 réis, respectivamente; moedas de 300 e 600 réis, com escudete que lhes conferia valores de 320 e 640 réis; pesos hispano-americanos contramarcados com o valor 960 (carimbo de Minas), simultaneamente com moedas de 320, de 640 e de 960 réis.

Moedas de ouro de 4000 réis, que durante o reinado de D. Maria I foram cunhadas na Casa da Moeda de Lisboa, e que não totalizavam 20.000 peças, passaram a ser cunhadas com intensidade no Brasil onde, somente na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, o total das cunhagens, levando em consideração todas as datas, chegou próximo a 1 milhão de peças com a legenda de D. João Príncipe Regente. 

Existiam ainda as moedas de cobre, grandes e pequenas, leves e pesadas, sem e com escudete. Enfim, o que parecia verdadeiro era falso e o suposto falso era legal.

Destarte acabou surgindo uma indústria monetária paralela a oficial. As moedas produzidas por essa "indústria" circulavam e eram tidas como boas.

A questão é: Seriam moedas falsas ?

SIM, se o seu valor intrínseco não correspondia ao facial. O falsário ganhava com a própria moeda, iludindo quem a recebesse.

NÃO, se a moeda valia o que marcava como facial. Nesse caso o fabricante não lesava quem a adquiria e seu lucro consistia no avanço legal de valor, no caso da prata; ou em fugir ao Quinto, no caso do ouro.

Funcionários da própria Casa da Moeda levavam para lá os 200 e 400 réis portugueses, em substituição aos 300 e 600 réis da série J, transformando-os em peças de 320 e 640 réis. Muito provável que levassem também pesos hispano-americanos, saindo com os mesmos já recunhados em peças legítimas.

Em 1811 alguns funcionários teriam sido demitidos por causa dessa prática que, mesmo assim, continuou. É provável que algumas pessoas, direta ou indiretamente ligadas à máquina administrativa, cooperassem ou mesmo participassem dessa indústria paralela, fazendo uso de suas atribuições e influência. Isso talvez explique o relativamente grande percentual de ouro amoedado clandestinamente nesse período a escopo de burlar o Quinto, o mesmo podendo dizer-se a respeito das moedas de prata recunhadas a escopo de ganhar na aplicação do valor facial.

As ditas supostas pertencem a essa indústria paralela. Provavelmente de fabrico simultâneo às cunhagens autênticas, ostentavam datas variadas para despistamento. Moedas com o mesmo anverso ou com o mesmo reverso, usados com intervalo de tempo de 2 ou 3 anos, podem ter sido cunhadas em períodos distintos; mas é pouco provável, principalmente em oficinas clandestinas, sem o devido suporte.

Não são consideradas falsas no rigor do termo. Podemos designá-las como MOEDAS PARALELAS, e neste caso, Paralelas do Rio por imitarem aquelas cunhadas na Casa da Moeda do Rio de Janeiro; é o caso das moedas de prata de 960 réis, recunhadas sobre pesos hispano-americanos, e das moedas de ouro de 4.000 réis, do mesmo período, cujas características de cunho e amoedação são similares.

As de prata de 960 réis apresentam as datas 1814, 1815 e 1816; as de ouro de 1810 a 1816, além da data 1820, muito rara. Deviam imitar as moedas do Rio, mas resultaram mais parecidas com as da Bahia. Nas de prata, com letra monetária, é interessante notar que a data 1814 aparece com a letra R, e com R emendado para B, todas com o mesmo anverso; nas outras datas aparecem somente com a letra B. Tudo somado, fica clara a intenção de imitar as peças da Casa da Moeda do Rio de Janeiro; mas como saíram mais parecidas com as da Bahia, julgaram mais acertado colocar a letra B. Sendo 1814 a primeira data, isso também se traduz em argumento para que se admita a cunhagem sucessiva.

Os cunhos se distinguem, seja pelo talho próprio do gravador ou, principalmente, pela escassez dos meios apropriados para a cunhagem e das circunstâncias em que essa foi realizada. Tanto nas moedas de prata, quanto naquelas de ouro, nota-se, por vezes, claros indícios de amoedação à quente, o que torna irregular o relevo e o próprio contorno das letras da legenda, deixando o campo menos lúcido e polido.

Em sua grande maioria, tanto nas moedas de ouro quanto nas de prata, as características principais encontram-se no diadema e na legenda.

Diadema - Traços separados por 4 pontos em cruz. Os florões são do tipo Y; miolo grande ao centro de um trifólio, cada folha formada por 3 traços em Y invertido, isolados entre si e do miolo.

Legenda - Letra G sem arremate superior; letra R, B e P geralmente abertas.

R - Dividido, com a cintura afastada da perna (haste vertical).

B - Aqui também a cintura é afastada da perna, sendo que em algumas, as curvas não se juntam.

P - A parte inferior da curva do P, não encosta na perna (haste vertical).

Muitos estudiosos são unânimes em afirmar que não se tratam de moedas falsas. Alguns preferem usar a expressão “Paralelas do Rio” sob D. João Príncipe Regente, ao invés de “supostas para...”.




Acima, as 3 datas (1813, 1814 e 1816) dos 4.000 réis ''paralelas do Rio sob D. João P.R. Ex-coleção Dr. Roberto Villela Lemos Monteiro.