Montando um acervo I - como colecionar moedas

Examinando os principais tipos de coleções a que os numismatas podem se dedicar, seguindo os eventos da nossa mais que milenar história, seria útil dirigir a nossa atenção à necessidade que o colecionador tem de impor a si próprio limites bem precisos, fronteiras, confins insuperáveis para a própria materia, a fim de que possa formar um belo acervo, num contexto lógico, histórico e geográfico. 

Seja pela enorme quantidade de material oferecido, seja porque tudo o que se ganha em quantidade se perde em profundidade, se o colecionador pretende tomar para si a condição de numismata, ao invés de ''ajuntador de moedas'', deve entender que é praticamente impossível colecionar moedas sem escolher um tema preciso ou um período a ser tratado. A mente humana, e os conhecimentos derivantes dela, tem limitações tão restritas, que somente uma verdadeira especialização nos pode oferecer a esperança de ter a competência necessária para navegar com uma certa segurança no mar agitado que iremos afrontar. 

Quem ainda não possui alicerces sólidos e profundos, deverá, inicialmente, limitar suas aquisições às moedas menos raras e de mais fácil exame. Essa postura inicial é necessária para evitar as grandes desilusões ao pagar somas muito elevadas ou, pior ainda, ao comprar moedas falsas de pessoas não idôneas que, por sinal, e diga-se de passagem, estão por aí, a espreitar os desavisados e incautos.

É indispensável não somente definir em modo preciso os limites do período e da região que ter-se-á em consideração, mas também tentar entrar no contexto do sujeito examinando-o sob todos os aspectos que o circundam: histórico, geográfico, político, social, econômico e artístico. Enfim, tudo que possa servir a melhor compreender as características que inevitavelmente se refletem da vida cotidiana, na produção monetária. É evidente que se o material ilustrado nos livros e publicações pode ser examinado ao vivo, a experiência será muito mais prática e de imediato entendimento.


De fato, somente manuseando materialmente as moedas podemos perceber o seu estilo, seus peculiares dotes, seu estado de conservação, e as caracteristicas referidas à especialidade previamente escolhida.

Ingressado assim no clima numismático que caracteriza o objeto da coleção, para conseguir efetivamente os exemplares que servirão a compor um belo acervo é necessário selecionar os fornecedores de seriedade comprovada. Ao examinar suas listas de oferta, limitar-se inicialmente a adquirir os exemplares mais comuns e por isso menos custosos, deixando a pesquisa por moedas mais raras e caras para quando, passado o árduo período de aprendizado, adquirir a ''personalidade numismática'' que irá guiá-lo na escolha e na valorização das moedas que irão enriquecer seu acervo.

Inicialmente, é de extrema importância a informação segura, o que, no caso da numismática, só se obtém com muito estudo, muita leitura e dedicação. Dessa forma, o colecionador deverá montar uma boa coleção de literatura numismática, principalmente aquela relativa ao período escolhido como tema, e se dedicar com afinco à leitura dos textos nela contidos a fim de se aprimorar. Não é somente frequentando feiras, eventos ou leilões que se aprende a numismática. Apesar de serem atividades prazerosas, é debruçado sobre os livros, pequisando, lendo e estudando que o colecionador sai do mundo dos ajuntadores para ingressar no seleto clube dos numismatas. Apesar de alguns tentarem tapar o sol com a peneira, é fato que a numismática além de ciência, é também cultura e arte. Não é matéria para ser tratada e discutida onde grassa a ignorância. Não é possível aprender o significado da numismática senão nos livros dedicados ao tema e no meio em que ela é praticada, sendo parte integrante do cotidiano dos envolvidos. 



Sugestão ao leitor

Sugerimos ao colecionador que se limite ao que está exposto no nosso catálogo, formando sua coleção por datas, ou por tipos (960 Réis, 640 Réis, dobras da Bahia, por exemplo), por período (moedas do Império, ou do Reino Unido, por exemplo), por soberano (as moedas brasileiras cunhadas sob o reinado de D. João V, etc), por metal (um belo acervo de ouro, prata ou cobre) ou tema. É empresa praticamente impossível possuir tudo que foi batido ou cunhado fora do país ou em nosso território.

Assim, é nossa opinião que se escolha uma das sugestões dadas a seguir, ou um tema, objetivando a formação de um belo acervo, com critério, disciplina e método. Bem melhor do que um acúmulo de peças raras, sem critério, agrupadas apenas pela sua raridade e por valores pagos.


A montagem de uma coleção

Exemplo de critério na escolha de um tema: Moedas brasileiras sob o reinado de D. João V.

Moedas de ouro

AV 01. Um exemplar de 20.000 réis (série dos dobrões). 

AV 02. Uma Dobra (12.800 réis) de qualquer Casa, e com qualquer tipo de escudo ou efígie. O que importa é que esteja no melhor estado de conservação possível.

AV 03. Um exemplar de 10.000 réis (série dos dobrões).

AV 04. Uma peça (6.400 réis), obedecendo o mesmo critério.

AV 05. Uma moeda (4.000 réis).

AV 06. Uma meia-peça (3.200 réis). São moedas raras, principalmente se em bom estado de conservação.

AV 07. Uma meia moeda (2.000 réis).

AV 08. Um exemplar de 1.600 réis, sempre obedecendo o critério de qualquer Casa e  melhor estado de conservação possível.

AV 09. Um quarto de moeda (1.000 réis).

AV 10. Um exemplar de 800 réis.

AV 11. Um 400 réis.


Moedas de prata

AG 1. Um 640 réis.

AG 2. Um 320 réis.

AG 3. Um 160 réis.

AG 4. Um 80 réis.


Moedas de cobre

Atenção: Não inclua moedas com carimbo de escudete. Não são moedas de D. João V e sim do soberano que ordenou a aposição da contramarca.

AE 1. Um exemplar de XL réis.

AE 2. Um exemplar de XX réis.

AE 3. Um exemplar de X réis.

AE 4. Um exemplar de V réis.


Esclarecimento: Neste ponto, completado o acervo descrito, o colecionador já se encontra na condição de expositor de nível I, com uma pequena mas “poderosa” coleção, capaz de narrar parte da história de um Reino, de um país (Colônia) e de toda a vida de um soberano e seu reinado. Acrescentando textos e fotos, dispostos com critério, disciplina e método, com material em expositor, inclusive com gravuras, poderá dispor de um “enredo”, com início, meio e fim. Pode, por exemplo, mostrar que suas peças de ouro, dispostas em ordem decrescente, podem ser agrupadas segundo um critério, a exemplo da série dos dobrões, o que pode ser esclarecido com textos, gravuras e fotos. As possibilidades são imensas, quando existe lógica no que fazemos.

A partir daí, a COLEÇÃO (e não um apanhado de moedas sem critério) poderá ser enriquecida como o exemplo que se segue.

AV 1.1. Um dobrão de 1724 (raro).

AV 2.1. Uma Dobra com casa, escudo, serrilha ou efígie diferente da que já possui.

AV 3.1. Um meio dobrão de 1724 ou de outra data (por ser raríssimo o 1/2 dobrão de 1724 é negociado a valores elevados, principalmente quando em bom estado de conservação).

AV 4.1. Uma peça (6400 réis),  adotando o mesmo critério usado para a Dobra.

AV 5.1. Uma moeda (4.000 réis)...etc.....

Os critérios, a partir do momento em que o colecionador atinge esse nível, passam a ser de foro íntimo. Desde que não se desvie do seu objetivo primário, no caso do exemplo, moedas de D. João V, com um critério semelhante, sem dúvida, irá formar um belo acervo. 

O leitor deve ter em mente que o importante é adotar um critério que lhe permita enriquecer sua coleção, trazendo novidades à cada nova exposição, fazendo com que suba de nível como expositor, até atingir o grau máximo hors concours.


Outro exemplos: Patacões recunhados sobre Sol Argentino. Uma bela coleção que requer muito empenho, dedicação, estudo e que consome anos de muita paciência, a fim de obter as peças justas. Moedas do terceiro sistema; ouro do império; cobres; as primeiras emissões da república; moedas comemorativas; ou simplesmente escolhendo um soberano, o que permite, inclusive, tratar a sua biografia, os documentos (Alvarás, Cartas Régias, Leis, etc) que ordenavam a cunhagem das moedas, a nomeação de ensaiadores, provas de cunho, ensaios monetários, etc. Enfim, as opções são muitas, sendo o mais importante, a continuidade da lógica, dentro do tema adotado.
O colecionador iniciante deve entender que ao enveredar por esse fantástico mundo da numismática, está ingressando no campo de uma ciência que, inclusive, é objeto de estudo em diversas universidades, na Europa e nos EUA (existem, inclusive, faculdades inteiramente dedicadas à numismática). Dessa forma, é mister recordar que, acima de tudo, o estudo, a paciência, o amor e a dedicação, devem ser privilegiados, a fim de que o iniciante não se torne presa do desestímulo. Alguns incautos, desconhecendo completamente do que trata essa ciência, imaginam que a numismática se resuma a juntar moedinhas numa caixa, o que é, sem sombar de dúvida, um erro crasso. Compram tudo que lhes é oferecido para, ao final, se encontrarem diante de um apanhado de moedas sem sentido, sem um escopo preciso.


Critérios na escolha dos exemplares

Qual critério se deve adotar ao adquirir uma moeda de coleção?

É fato que em primeiro lugar está o amor pelo nosso hobby, mas devemos, e temos obrigação de ser honestos, em dizer que o aspecto investimento é bastante relevante ao se adquirir um novo exemplar. Ninguém gosta de “jogar dinheiro fora” ou ter a sensação de que, anos mais tarde, aquilo que possuímos ainda vale menos do que pagamos, proporcionalmente, na época. Adquirir moedas para nossa coleção é assunto sério e, de forma alguma, deve ser feito improvisamente e sem critério.
Muitas vezes nos perguntam qual a melhor forma de escolher uma moeda que deverá assumir posição de destaque em uma coleção.

Os critérios são muitos, começando por adquirir moedas que façam parte de um tema, período ou metal que nos agrade. Mas a isto devemos pensar antes mesmo de iniciarmos uma coleção, de forma que possamos estabelecer uma lógica dentro daquilo a que nos propomos. Desta forma podemos colecionar moedas por metal, por tamanho, pela cronologia em um determinado país, etc. Ninguém seria capaz de colecionar todas as moedas imperiais romanas ou moedas gregas, por exemplo, caso fosse um destes o critério adotado inicialmente (moedas romanas ou gregas). 

Por isso, quem se dedica a esta forma de colecionismo, o faz, escolhendo um determinado período da antiga Roma, por exemplo. Podem ser áureos e denários dos primeiros imperadores (os chamados 12 Césares) ou as moedas cunhadas com a efígie de Hércules com manto de leão, obedecendo às diversas casas monetárias, durante o período em que viveu Alexandre Magno ou mesmo adotando as efígies de animais de cada cidade estado na Grécia (Siracusa/golfinho, Atenas/coruja, etc). Mas não é este o tema que pretendemos abordar! A proposta é aquela de orientar o colecionador na hora da escolha de um novo exemplar.


São várias as perguntas a serem respondidas e isto deve ser feito com sinceridade e auto-crítica.

1) Devo escolher uma moeda pelo preço estabelecido em um catálogo ou pela pessoa que a está vendendo?

2) Se encontro uma moeda que falta em minha coleção, mesmo estando em estado de conservação que não me agrada, devo comprá-la?

3) Existe grande diferença entre uma moeda soberba e uma flor de cunho?

4) Quando devo adquirir uma moeda em estado de conservação baixo?

5) Quais são os critérios para avaliar o grau de conservação de uma moeda?

Sempre que nos fazem estas perguntas, somos taxativos em responder: Antes de tudo, devemos sempre adquirir moedas que se encontrem no melhor estado de conservação possível.

Assim, se existe a possibilidade de adquirir uma moeda em estado de conservação “flor de cunho”, esta deve ser a nossa escolha. Isto porque as moedas em excelente estado de conservação são sempre as mais negociadas e procuradas. 

Basta dizer que em leilões internacionais de que temos participado, a preferência por moedas em excelente estado de conservação é notável. 

Podemos citar como exemplo uma piastra de 120 Grana de “Ferdinando IV di Borbone” de 16º tipo em data 1805 com a efígie do soberano com cabelos fluentes, num mesmo leilão, alcançou preços de 700 euros (conservação soberba) e 3000 euros em estado FDC excepcional.

Em outras palavras devemos, sempre que possível, adquirir moedas em excelente estado de conservação e somente nos casos em que é certamente muito difícil encontrá-la em grau de conservação FDC, é que devemos optar por uma e graduação inferior.

Figura: Piastra de 120 Grana de “Ferdinando IV di Borbone” de 16º tipo em data 1805 com a efígie do 
soberano com cabelos fluentes - 700 euros (conservação soberba).

Figura: Piastra de 120 Grana de “Carlo di Borbone” de 4º tipo que pode chegar a 9.000 euros em estado  de conservação excepcional.


Concluindo:

A ansiedade, quase sempre, é má conselheira! Temos a noção exata do que ela provoca em um colecionador quando se depara com uma moeda que procura há anos. Mesmo assim, somos de opinião que se deva aguardar ou proceder com cautela, pois nada é mais desestimulante do que adquirir uma moeda, pagando elevado preço por ela, para, em seguida, encontrá-la em estado de conservação muito melhor e por preço que, apesar de ser consideravelmente maior, irá proporcionar a satisfação de haver adquirido um novo exemplar que certamente irá reservar momentos de prazer e satisfação ao numismata.

Esperamos que com o exposto, possamos contribuir, principalmente com os que iniciam, para a formação de seus acervos e que isto lhes proporcione momentos de prazer e satisfação.