A União Latina de 23 de dezembro de 1865
E sua influência na cunhagem de prata do terceiro sistema de D. Pedro II.
"Meu irmão, quando for mandar cunhar moedas, desejo que adote as mesmas divisões de valor que a moeda da França e que as peças metálicas contenham numa face sua efígie e na outra, as armas de seu reino. Desta maneira, haverá uniformidade monetária em toda a Europa, o que será de grande vantagem para o comércio".
Trecho de carta de Napoleão Bonaparte, escrita em 1806, a seu irmão Luís, rei da Holanda, pai de Napoleão III.
O movimento precursor da União Européia - Em 23 de dezembro de 1865, França, Itália, Bélgica e Suíça assinam uma convenção monetária por iniciativa do imperador dos franceses, Napoleão III. Era o nascimento da União Latina. As moedas de cada país da União devriam ter o mesmo peso, porém mantendo seu nome original (franco francês, lira italiana, franco belga e franco suiço) com os seus respectivos símbolos nacionais. Essas moedas e suas principais subdivisões poderiam circular indistintamente entre todos os países da convenção. Tornava-se possível pagar as compras em Bruxelas ou Paris com liras ou francos suíços.
O padrão ouro.
Os avanços do multilateralismo econômico e seu inegável sucesso na promoção da cooperação técnica entre os países integrados ao sistema de comércio internacional marcaram contudo uma lacuna institucional num terreno no qual a unificação de regras seria suscetível de facilitar ainda mais o incremento do intercâmbio e das relações financeiras no plano mundial, em matéria monetária.
A questão está ligada à conversibilidade das moedas entre si, bem como ao padrão monetário seguido pelos diferentes países. O século XIX hesitou durante um certo tempo entre o bimetalismo, isto é, ouro e prata, e o monometalismo baseado no padrão ouro, terminando este último por impor-se na prática, como consequência involuntária da própria hegemonia monetária da libra esterlina.
Na verdade, o meio de pagamento internacional mais utilizado não era nem o ouro nem a moeda britânica, mas a letra de câmbio que, por meio de sua fácil transmissão entre agentes comerciais e instituições de "aceite" londrinas e casas de desconto espalhadas pelo resto do mundo, sustentava o grosso do comércio exterior dos mais diferentes países.
A segunda metade do século também conheceu uma primeira tentativa de implantação de uma moeda única na Europa, não sob o domínio britânico do sterling, mas no bojo de uma iniciativa francesa - a União Latina - no sentido de universalizar (globalizar) a definição metálica de sua peça de 5 francos como referência básica para as demais moedas.
Durante as guerras napoleônicas, as notas de banco, em lugar das moedas metálicas, passaram a circular com frequência bem maior, em meio à políticas de defesa econômica que incluíam a não-conversibilidade dessas notas. Em 1821 a Inglaterra voltou ao padrão-ouro, ao preço de 3 libras e 17 shillings por onça - na verdade, desde 1816 a Inglaterra tinha adotado um padrão fixo para a definição da libra esterlina, estabelecendo que o Sovereign (soberano de ouro conhecido por nós como libra de ouro) seria equivalente a 7,988 gramas de ouro fino a 11/12 avos; o Banco da Inglaterra se comprometia a comprar e vender ouro a esse preço fixo e a assegurar a conversibilidade (sob forma de peças) das moedas em ouro (Michèle Giacobi & Anne-Marie Gronier, Monnaie, monnaies (Paris: Le Monde, 1994, página 75) - mas se manteve solitária nessa decisão, uma vez que as demais nações, em particular a França e os EUA, mais os países latino-americanos, persistiram no padrão ouro-prata. A abundância relativa de ouro após as descobertas na Califórnia e na Austrália, me mados do século, barateou o seu custo e terminou por expulsar a prata do sistema, com a adesão progressiva dos principais países ao padrão-ouro. Antes, contudo, Napoleão III entreteve o sonho de estender a definição monetária francesa para toda a Europa ou mesmo para o planeta inteiro.
Figura: 20 francos com o busto de Napoleão no anverso. Ouro 900‰, peso 6,45 gramas (5,801 de ouro fino), diâmetro 21mm. Gravadores:Jean-Pierre Droz (1746-1823) e Pierre-Joseph Tiolier (1763-1819). Depois de Waterloo e do colapso do império napoleônico, a referência ao Napoleão foi provisoriamente abandonada. Entretanto, na Bélgica, ao conquistar sua independência em 1830, surgiu a preocupação de conferir à moeda do país bases sólidas. A Itália fez o mesmo durante sua unificação com o marengo. Por fim, a Suíça, em 1851, introduziu uma moeda metálica de 20 francos suíços com as mesmas características daquela francesa – 5,801 gramas de ouro fino.
O predomínio do padrão-ouro, praticamente completo na década de 1870, foi mais o resultado da grande expansão do comércio internacional, que já então ultrapassava o crescimento da produção, do que da oferta ampliada do metal amarelo. Com efeito, parece haver um movimento contraditório entre a liberalização monetária, impulsionada pelo modelo do “free trade” e pela generalização dos métodos de trabalho do sistema bancário e financeiro britânico, e a liberalização propriamente comercial que, a partir dessa época, conhece um formidável recuo. No último terço do século XIX, o mundo conhece, com efeito, dois processos simultâneos, e inversamente direcionados, de reordenamento das relações econômicas internacionais: o da rápida adoção do padrão-ouro e o de uma adesão igualmente rápida às manifestações mais deletérias do protecionismo tarifário.
Entre 1879 e 1881, um país após o outro entregou-se à escalada tarifária e à imposição de medidas não trifárias, seja como mecanismo de proteção dos mercados nacionais, seja em reação a atitudes similares nos vizinhos: Alemanha, França, Áustria-Hungria e Itália. Inversamente, o padrão-ouro - que pode ser considerado como o equivalente do livre-comércio no setor monetário - conquista progressivamente uma quase hegemonia nese terreno, depois que a Alemanha adere a esse regime, no seguimento da guerra Franco-Prussiana, apoiando-se, aliás, no dinheiro que recebeu em indenização da França, em 1871.
A partir do ano seguinte, é a vez dos próprios membros da União Latina, criada pela França em dezembro de 1865, que por um momento tinham acalentado o sonho de uma ordem monetária alternativa.
Com efeito, depois de um intenso debate nos anos 1830 e começo dos anos 1840, a escola papelista - também chamada de emissionista - da intermediação financeira (onde se situavam Mauá e Souza Franco), foi derrotada pela escola metalista, defensora do padrão-ouro, o que terminou por restringir bastante o desenvolvimento do sistema bancário e a sustentação da atividade econômica, como era o desejo de Mauá. Assim, a lei de paridade-ouro do padrão réis, adotada em 1846, bem antes, protanto, da maior parte dos países europeus, foi seguida por uma política restritiva da atividade bancária adotada por Itaboraí em 1853 e pelo monopólio absoluto do segundo banco do Brasil.
A cotação oficial do “1$000 réis ouro” foi fixada em 27 pence (ou 54 centavos de dólar), mas a paridade oscilava frequentemente. Uma outra lei, em 1847, autorizou o governo a cunhar ouro e prata, generalizando-se pouco a pouco a utilização de moedas metálicas, inclusive as estrangeiras. Em julho de 1849, finalmente, adotou-se oficialmente o monometalismo-ouro, mas a prata continuou a desempenhar um papel auxiliar, como moeda divisionária até o limite de 20$000 réis. A legislação ulterior sobre a moeda de prata não alterou o que dispôs a Lei de 1849 quanto ao limite máximo da utilização da moeda de prata e as modificações efetuadas depois incidiram tão somente sobre o peso e o valor nominal das peças em circulação.
A criação do segundo Banco do Brasil em 1853 resultou na unificação da faculdade emissora, embora entre 1857 e 1862 tenha sido autorizada a constituição de outros bancos emissores, com vistas a atender à demanda por moeda. A reforma bancária de 1860, supostamente feita para assegurar o funcionamento do padrão-ouro, não impediu crises ulteriores e, durante a inflação iniciada em 1865, sucedendo à crise bancária de 1864, tanto a conversibilidade como a paridade-ouro foram abandonadas temporariamente.
Retomada a emissão única pelo Banco do Brasil em 1862 - dispensado, no ano seguinte, pelo governo, da conversão em ouro das suas moedas -, o monopólio emissor passa finalmente sob a responsabilidade do Tesouro Nacional em 1866. Como regra geral, o papel-moeda existente era sempre pouco abundante e indisponível em determinadas regiões. Quanto às letras de câmbio, elas eram praticamente o monopólio de alguns bancos estrangeiros, isto é, inglesses, sendo oferecidas ou restringidas em função das necessidades da colheita de café, mas sempre num timing evidentemente favorável a esses bancos.
“Como forçar vários Estados a reconhecer “curso legal” a todas as moedas emitidas em condições uniformes?”
A União Latina foi, com efeito, vítima de uma ilusão criticada em sua própria época por economistas contemporâneos. Bastava que, numa baixa da cotação da prata, algum país emitisse quantidade de moeda para tentar obter vantagens do sistema. A União ainda chegou fixar uma quantidade máxima de volume de emissões por país, em função de suas respectivas populações, mas o recurso mostrou-se igualmente precário: “(...)tal é o risco de convenções concluíds sobre um princípio coercitivo e em desacordo co uma lei tão natural, tão inelutável e universal como é a lei da oferta e da procura (...) violada pela União Latina”.
Perto do final do século, a Societé d’Économie Politique da França constatou, “sans regret, la fin du bimétallisme”, mas a União Latina, provavelmentye pela lei da inércia das organizações burocráticas, só deixou de existir em 1927.
A influência na cunhagem das moedas brasileiras.
A história monetária do Brasil conheceu uma experiência, embora breve, de adesão informal aos padrões monetários da Convenção Latina. Em 1867, foram emitidas, pela lei do orçamento, novas regras para que a Casa da Moeda fizesse a moedagem de prata - adicionalmente também em cobre, doravente sob a forma de moedas de bronze - observando-se a padronização já utilizada pelos demais membros da convenção no que se refere ao peso e título das moedas.
O Decreto nr. 3966 de 30 de setembro de 1867.
Para execução do art. 37 da Lei nº 1507 de 26 de setembro de 1867 sobre a cunhagem das moedas de prata. Usando da autorização conferida pelo art. 37 da Lei nº 1507 de 26 do corrente mês e anno, Hei por bem Decretar:
Art. 1º - As moedas de prata, que se cunharem d’ora em diante, terão o valor, peso, titulo e modulo seguintes:
Art. 2º - A tolerância para mais ou para menos no peso das referidas moedas será de 1 decigrama para as de 2$000, de 5 centigramas para as de 1$000, de 25 milligramas para as de 500 réis e de 1 grama em 229,5 gramas para as de 200 réis; e a da composição da liga monetaria será de 2 millésimos para mais ou para menos.
Art. 3º - As moedas de que trata o art. 1º, terão no anverso a Efígie do Imperador, com a era do cunho no exergo; por inscrição, de um lado, o nome do Imperador, seguido do número que indique quantos do mesmo nome tem reinado, e, em abreviatura, as palavras - Dei Gratia Constitutionalis Imperator -, e de outro lado as seguintes - Et Perpetuus Brasiliae Defensor - na seguinte fórmula - Petrus II D. G. C. Imp. - Et Perp. Bras. Def. -; no reverso as armas do Império, e por baixo os algarismos que representem os seus respectivos valores, seguidos da palavra - réis.
§ Único - O contorno das ditas moedas terá serrilha.
Art. 4º - As moedas de prata não serão admittidas nem na receita e despesa das Estações Públicas, nem nos pagamentos entre particulares (salvo o caso de mútuo consentimento destes) senão até a quantia de 20$000 (Decreto nº 625 de 28 de Julho de 1849, art. 2º), quanto às moedas de 2$000 e 1$000, e até 10$000 quanto às de 500 e 200 réis
Art. 5º - O Estado reserva-se o exclusivo da fabricação e emissão das moedas subsidiárias de prata.
§ Único - O Governo, todavia, poderá permitir o cunho da prata dos particulares, devendo a senhoriagem pertencer á Fazenda Publica (Lei nº 1083 de 22 de Agosto de 1860, art. 4º)
Art. 6º - Ficam revogadas as disposições em contrário.
Com a rubrica de Sua Majestade o Imperador.
Zacarias de Góes e Vasconsellos.
Figura: Decreto nr. 3966 de 30/9/1867 - 2000 Réis 3º Tipo - BUSTO (LUSTER). Redução no peso e no título. Convenção Latina de 23/12/1865. Casa da Moeda: RIO DE JANEIRO . Letra Monetária: Sem letra. Prata 900 ‰, Ø: 37,00 mm, peso: 25,00 gr. Reverso: Moeda / Bordo: Serrilhado.
Anv: PETRUS II . D . G . C . IMP . ET . PERP . BRAS.DEF (Pedro II, com a graça de Deus imperador constitucional e perpétuo defensor do Brasil). Busto do Imperador voltado à esquerda, com o nome do gravador LUSTER abaixo do busto (Cristian Luster), seguido da letra F (FECIT) que em latim significa feito por Luster.
Rev: As armas do Império, onde se vêem o escudo encimado por coroa imperial, com a esfera armilar de D. Manuel dentro de anel de estrelas e a Cruz da Ordem de Cristo. Dos lados esquerdo e direito, ramos de tabaco e café, respectivamente, unidos por laço estilizado. Valor facial.
Moeda Nacional à razão de 17$6451/10 o marco da prata.
O Decreto de 1870 (nº 1.817, de 3 de Setembro de 1870)
Retorno ao antigo peso para as moedas de prata e criação das moedas de bronze. Extinção da moeda de prata de 200.
Em 1870, contudo, tendo ocorrido variação nos valores respectivos do ouro e da prata, o governo decretou o retorno aos antigos padrões de cunhagem, que contava com moedas de prata de 200, 500, 1.000 e 2.000 réis. As autoridades monetárias do Brasil logo admitiram uma realidade que os países da União Latina tardaram a reconhecer: “como admitir a possibilidade de ser decertada uma relação fixa entre dois metais, o ouro e a prata, ou duas mercadorias quaisquer ?” ...
Decreto de 1870 - Manda fabricar moedas de troco de um metal composto de nickel e cobre.
Hei por bem Sancionar e Mandar que se execute a Resolução seguinte da Assembléia Geral:
Art. 1º - O Governo fará fabricar moedas de troco de um metal composto de 25 partes de nickel e 75 de cobre.
§ 1º - As peças de moeda deste metal serão de 200, 100 e 50 réis; tendo as primeiras o peso de 15 gramas, as segundas de 10 e as terceiras de 7 gramas.
§ 2º - A tolerância do peso, o módulo e tipo das peças de moeda serão fixados pelo Governo.
Art. 2º - As moedas de prata, que se cunharem d’ora em diante, terão os valores de 2$000, 1$000 e 500 réis, o toque de 0,917 e os pesos seguintes:
As de 2$000 - 23,50 grammas
As de 1$000 - 12,75 grammas
As de 500 réis - 6,37 grammas
§ Único - São desmonetizadas as moedas do toque de 0,900 e todas as de 200 réis do mesmo metal.
Art. 3º - As estações públicas aceitarão em pagamento moeda de prata, sem limitação de quantia, mas os particulares não são obrigados a fazê-lo senão até 20$000.
Art. 4º - Ficam aprovadas as disposições do Decreto nº 3966 de 30 de Setembro de 1867, que não são alteradas por esta lei.
Com a rubrica de Sua Majestade o Imperador.
Visconde de Itaborahy.
Figura: Decreto de 1870 (nº 1.817, de 3/9/1870). Retorno ao peso e título anteriores. 2000 réis, 3º Tipo - BUSTO (LUSTER). Casa da Moeda: RIO DE JANEIRO . Letra Monetária: Sem letra. Prata 916,6 ‰, Ø: 37,00 mm, peso: 25,50 gr. Reverso: Moeda. Bordo: Serrilhado.
Moeda Nacional à razão de 17$998 o marco da prata.