O furto do século


Fontes e créditos ao final deste artigo.

Brasil, anos 30; nos Estados Unidos, Franklin Roosevelt dava início ao New Deal, o plano de recuperação econômica após a quebra da bolsa de Nova York, em 1929. Os contemporâneos dessa era, a denominaram a pior década do século XX, por ter iniciado com a Grande Depressão e terminado com o início de outra grande guerra.

A década de 30 descobriu o esporte, a vida ao ar livre e os banhos de sol. As famílias que dispunham de maiores recursos financeiros, procuravam lugares à beira-mar para passar períodos de férias. Seguindo as exigências das atividades esportivas, os saiotes de praia diminuíram, as cavas aumentaram e os decotes chegaram até a cintura, assim como alguns modelos de vestidos de noite.

Mulheres com belas silhuetas, bronzeadas, se atormentavam com regimes, tentando igualar modelo de beleza da atriz Greta Garbo. Seu visual sofisticado, com sobrancelhas e pálpebras marcadas com ápis e pó de arroz bem claro, era imitado por quase todas as mulheres cariocas e paulistas.
O cinema foi o grande referencial de disseminação dos novos costumes. Hollywood, através de estrelas como Marlene Dietrich, e de estilistas a exemplo de Edith Head e Gilbert Adrian, influenciavam ditavam os costumes da época. Novos modelos de roupas surgiram com a popularização do esporte; o short surgiu a partir do uso da bicicleta.

Os movimentos totalitários começam a eclodir também em outros países europeus, com Mussolini na Itália, Salazar em Portugal, Francisco Franco na Espanha e Stálin na União Soviética, além de Hitler na Alemanha.

No Brasil, tem lugar mais uma Revolução, movimento que conduz o gaúcho Getúlio Vargas ao poder. Em 1932 inicia a Revolução Constitucionalista, organizada pelo estado de São Paulo, que exige a constitucionalização do novo regime. O movimento é derrotado, mas força a convocação de uma Assembleia Constituinte em 1933. Em 1934 seria promulgada a nova Constituição. 

Corria o ano de 1937, com a chegada do Estado Novo, tem fim política do café-com-leite. Alguns meses antes, numa fria noite de sábado para domingo, enquanto do outro lado do mundo, os americanos ainda sofriam de insonia recordando uma das suas piores crises financeiras, alguns elementos (não se sabe quantos) estavam prestes a praticar um dos maiores furtos da história do nosso país.

Ao que se hipotiza, aos primeiros minutos da madrugada de domingo, 26 de junho de 1937, os gatunos irromperam o perímetro do Museu Histório Nacional.

 Vista do MHN, na década de 30.

Presume-se, eram conhecedores de numismática, ou ainda talvez, orientados por pessoa familiarizada com o assunto. Do contrário, não teriam subtraído ao museu peças valiosíssimas de um dos seus principais acervos.

Auxiliados pelo que os jornais da época, atribuíram à falta de vigilância, os ladrões não tiveram a menor dificuldade em localizar a sala de exposição da Seção de Numismática, alvo de sua incursão sorrateira. Pelas mesmas notícias divulgadas, os larápios haviam entrado pelo telhado por onde entraram usando apetrechos necessários para serrar as grades e arrombar as vitrines dos expositores. Coisa bem planejada e de gente do ramo, segundo um dos detetives encarregado das investigações.


O resultado do furto.

Na noite de sábado para domingo, 25/26 de julho de 1937, em uma incursão cinematográfica, ladrões se apoderaram de uma imensa quantidade de moedas e de 20 BARRAS DE OURO do acervo do MUSEU HISTÓRICO NACIONAL, do Rio de Janeiro, perfazendo só as barras, um total superior a 3 quilos. O furto NUNCA foi esclarecido.

O Diretor do MHN na época, GUSTAVO BARROSO, um dos chefes do movimento integralista que se preparava para arrancar o poder das mãos do Presidente GETÚLIO VARGAS, não se sabe bem o motivo, não deu qualquer importancia ao ato criminoso, digna de nota, não contribuindo minimamente para a elucidação deste rumoroso caso. Ao que tudo indica, estavam os "integralistas" por demais empenhados em organizar, no Rio de Janeiro, o famoso "Desfile dos cinquenta mil (50.000) Camisas Verdes", movimento oportunamente abortado por GETÚLIO.
Por sinal, quando aconteceu o roubo, o Diretor Gustavo Barroso encontrava-se em viagem no Norte do Brasil (Ceará). Nessa ocasião, o museu estava sob a tutela do Sr. EDGAR DE ARAÚJO ROMERO, na qualidade de Diretor Interino.

A primeira notícia dizia ''surrupiadas 117 (cento e dezessete) Moedas de Ouro e VINTE (20) BARRAS DE OURO das vitrines da Seção de Numismática'', conforme foi reportado à Polícia, mas já no dia 28.07.1937 o Dr. ROMÉRO retificou, que somente 17 ( dezessete) BARRAS tinham sido furtadas, como declarou em entrevista publicada no Jornal "O GLOBO" deste dia.

O chefe de polícia do Rio de Janeiro era então o Dr. FELINTO MULLER, e as investigações correram pelas autoridades do 5º Distrito Policial. O Diretor GUSTAVO BARROSO, NUNCA prestou nenhuma declaração, mesmo depois que voltou a dirigir aquele "nosocômio...." de politiqueiros daquela época.


Em todas as investigações policiais, houve apenas DUAS pessoas indiciadas....Uma delas foi HENRIQUE CANDIDO FERREIRA, preso em 3.8.1937, logo em seguida tentanto sucídio, e cuja mulher - ROSA FERREIRA, o acusou frontalmente, mas por "motivos INEXPLICÁVEIS" nada se apurou, e o DE CUJOS pouco depois sumiu do cartaz, embora este indigitado assaltante tenha sido egresso da "Cadeia de Mar de Espanha" (MG). Funcionários e serventes do Museu foram presos, mas logo em seguida soltos, pois puderam provar sua inocência.

Mas em princípio de OUTUBRO de 1937 a polícia portenha conseguiu prender um TURISTA que tinha visitado o Museu; ANDRÉS SOLARES ABELLO, que pouco depois foi embarcado preso a bordo do navio "D.PEDRO II", para ser então apresentado à polícia do Rio de Janeiro. No dia 20.10.1937 o navio partia de SANTOS, com o preso algemado; às 22 horas o comandante mandou soltar o preso.

Na altura da ILHA DA MOELA, descobriram que o preso tinha desaparecido. A hipótese foi a de que teri se atirado ao mar infestado de tubarões.

Não resta a menor dúvida, de que se trata de uma história mal contada. O desaparecido era um "estelionatário uruguaio" que, por ocasião do furto estivera no Rio de Janeiro em companhia de um amigo, ERCÍLIO CARIMANDO...consta que em 29.7.1937 haviam retornado a Buenos Aires. Foi até descoberta uma carta, que SOLARES tinha escrito à dona da Pensão, da rua Corrêa Dutra, 52, no Rio, onde estivera hospedado, "...pedindo que ela fosse a polícia para declarar, que ele estivera acamado nos dias 25 e 26 de junho de 1937, a madrugada do furto". Fato é que este elemento SUMIU POR COMPLETO, sendo aceita a hipótese de que teria sido devorado pelos tubarões que infestavam aquela região.

Eis a seguir a relação das 20 barras que teriam sido roubadas do Museu, conforme relação dada à Polícia. Foi publicada nos jornais do Rio de Janeiro do dia 27.07.1937. (O Globo e Diário da Noite. Foram relacionadas com numeração de 4 até 23, não sabendo a que se referiam os ítens 1 a 3):

4) 1809 - S - 3558; 5) 1809 SF -4299; 6) 1812 - V - 531; 7) 1812 - S - 2388; 8) 1812 - S - 317; 9) 1813 - SF - 656; 10) 1813 - 2 - 347; 11) 1814 - S = 174; 12) 1814 - S - 1177; 13) 1814 - S - 1953; 14) 1815 - M - 241; 15) 1816 - G - 799; 16) 1818 - R - 202; 17) 1818 - SF - 359; 18) 1818 - M - 658; 19) 1821 - C - 167; 20) 1819 - M - 102; 21) 1821 - G - 281; 22) 1822 - G - 41; e 23) 1822 - G - 229.

Nota: As barras das referências n° 11 e 21 possuiam GUIA, sendo provável que a Guia da peça 11 1814 - S - 174 ainda esteja guardada em algum arquivo. Quanto a Guia da peça 21 ver esclarecimento abaixo.

IMPORTANTE: Verificou-se, em seguida, QUE NÃO TINHAM SIDO FURTADAS AS BARRAS relacionadas com os números  4 e 21 (a segunda com guia). Em 1981, foi recuperada a barra n° 18. Desapareceram, efetivamente, 16 (dezesseis) Barras do Patrimônio Nacional, provavelmente FUNDIDAS pelos ladrões, e perdidas para sempre. Ver as fichas catalográficas abaixo.




Os larápios haviam escolhido a dedo as barras mais PESADAS, como as peças de números 14, 15, 18. 19 e 20, pesando: 1.387, 279, 225, 262 e 179 gramas, respectivamente.

Kurt Prober relatou: ''Houve muitas inexatidões nos pesos, números, quilates, etc. constantes na relação fornecida pelo Museu à Polícia, o que felizmente se pode emendar nas respectivas fichas, pois em meus velhos guardados eu encontrei uma lista detalhada - MANUSCRITA - do Dr. Alfredo Solano de Barros, feita posteriormente, quando já se tornara funcionário graduado do Museu, lista esta, em que, com sua habitual meticulosidade, consertou todos os erros, e ainda fazendo os seus habituais comentários pitorescos''.

A relação do Dr. Alfredo Solano de Barros é ainda mais interessante, pois nela achamos descritas também as outras barras do Museu, QUE NÃO FORAM ROUBADAS, e que são as seguintes:
1784 - M - 699; 1801 - S - 1752; 1804 - V - 1532; 1809 - S - 3558; 1814 - S - 174; 1818 - M - 658; 1821 - G - 281; 1828 - S - 130; 1831 - S - 105.

Portanto conclui-se que o MHN possui hoje 9 (nove) barras de ouro em seu acervo.

Ao que tudo indica, as autoridades policiais da época nada conseguiram apurar, fazendo com que o ocorrido passasse ao esquecimento.


A barra do Grajaú.

Anos 40; os conflitos armados que assolaram a década anterior chegam ao apogeu com o holocausto. Um ataque realizado pelo Japão em Pearl Harbor marca a entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. Os estadunidenses explodem seus artefatos atômicos nas cidades de Hiroshima e Nagasaki, matando milhares de civis no Japão. Hitler comete suicídio e Mussolini é fuzilado. O mundo tem sua atenção voltada para Nuremberg onde foram julgados 24 criminosos de guerra aliados a Hitler; 13 são condenados à forca, três foram absolvidos e os demais condenados a outras penas que chegavam a prisão perpétua. Tem início a Guerra Fria, aumentando as tensões diplomáticas entre os Estados Unidos e a União Soviética.


Anos dourados; A década de 50 marca a época de transição entre o período de guerras da primeira metade do século XX e o período das revoluções comportamentais e tecnológicas. Tem início a chegada da televisão em Portugal e no Brasil. A "idade de ouro" do cinema foi também a época de importantes descobertas científicas. O campeão da Copa do Mundo em 1950, pela segunda vez, é o Uruguai. Em 1954 a Alemanha Ocidental conquista a Taça do Mundo pela primeira vez. Em 1958, a Seleção Brasileira de Futebol chega ao seu primeiro título mundial. Os anos 50 foram marcados por uma crise no moralismo rígido da sociedade, expressão remanescente do Sonho Americano que não conseguia mais empolgar a juventude Americana.

A década de 60 inicia parcada por um sabor de inocência e até de lirismo nas manifestações sócio-culturais. No âmbito da política é evidente o idealismo e o entusiasmo no espírito de luta. A partir de 1966, e até 1968, em um tom mais ácido, revelam-se as experiências com drogas, a perda da inocência, a revolução sexual e os protestos juvenis contra a ameaça de endurecimento dos governos. O astronauta Buzz Aldrin caminha na Lua em 20 de julho de 1969.

Os anos 70 começam difíceis para os EUA. A crise do petróleo conduziu os americanos à recessão, ao mesmo tempo em que, economias como o Japão começavam a crescer. Surgem o smovimentos em defesa do meio ambiente, crescem as revoluções comportamentais da década anterior. Muitos a consideram a "era do individualismo". Eclodem nesta época as discotecas e o experimentalismo na música erudita.
Graças à televisão, o mundo se tornou infinitamente menos secreto. Richard Nixon, o presidente americano deposto pelo caso Watergate, foi uma "personalidade" típica das telas de televisão dos anos 70. Sua saída do governo foi festejada pela população dos Estados Unidos e o resto do mundo acompanhou todo o escândalo "de perto", através da TV.

A década de 80 foi marcante para a história do século XX, no contexto dos acontecimentos políticos e sociais: é eventualmente considerada como o fim da idade industrial e início da idade da informação, sendo chamada por muitos como a década perdida para a América Latina. Nesse perèiodo, nunca estivemos tàao próximos de uma guerra nuclear. O muro de Berlin vem abaixo com o fim da guerra fria. Os argentinos desafiam os ingleses pela posse das Malvinas. O brasil se prepara para ingressar numa nova era política com a anistia.


Figura: Barra nr. 3711 (B.031 do catálogo Bentes) - Em fins do século XIX, pertencia à coleção do Sr. Rodolpho Abreu. Ao retirar-se do Banco da República, o senhor Rodopho a ofereceu, em 5/02/1892, ao Conselheiro Mayrink Lessa, acompanhada da respectiva guia. Passados mais de 50 anos, ressurgiu nas mãos do Sr. Francisco Paula de Mayrink Lessa, neto do Conselheiro Mayrink, que tentou vendê-la ao comerciante H. Porcher, negociação não concluída devido ao baixo valor oferecido pelo comerciante. Foi vendida ao Sr. Raymundo da Costa Maia que a revendeu, em conjunto com outras 4 barras, a um negociante conhecido como “Coronel Coimbra”, em 13/4/1970. Em seguida foi vendida ao negociante Leoni Kaseff que a vendeu, juntamente com sua guia, ao Banco Central do Brasil, em 1975. Hoje, esta barra faz parte do grandioso acervo do MVBC. Imagem gentilmente cedida pelo Museu de Valores do Banco Centraldo Brasil.

Rio de Janeiro, bairro do Grajaú, 44 anos depois do fatídico dia em que ladrões invadiram o MHN, um menino descobriu no quintal de uma casa, uma das barras de ouro desaparecidas, oriunda da Casa de Fundição de Mato Grosso, datada de 1818, dando a este melodrama, uma espécie de "ópera-bufa", um desfecho inesperado, em 1981. Noticiaram então os jornais, que havia sido encontrada uma BARRA DE OURO (ilustrada a seguir), enterrada no fundo do quintal de uma casa da rua Visconde da Santa Isabel, nº 578, no bairro do Grajaú, do Rio de Janeiro. Era a barra 1818-M-658, que em 25.7.1937 tinha sido furtada do Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro. A casa pertencia ao Sr. Hassan Hadman, fazendeiro. Quem encontrou a barra foi o menino José de Almeida Ramos, que no dia 25.3.1981 brincava nos fundos da residência do Sr. Hassan, na ocasião em viagem pelo interior da Bahia. Dona Alzira, esposa do Sr. Hassan, pensando tratar-se de "coisa roubada", comunicou à polícia do 20º Distrito Policial. A própria polícia civil revolveu todo o terreno do quintal, ajudada até pela polícia militar, mas nada mais foi encontrado.

Foi encaminhada à polícia pela proprietária do imóvel que a restituiu ao Museu Histórico Nacional.

Declarou o dono do prédio, ainda, que não se lembrava mais de quem havia comprado o imóvel há uns 40 anos, ocasião em que fez obras no prédio, nada tendo sido encontrado.

Esta barra, pesando 229 gramas de ouro de quase 24 quilates, deve ter sido o pagamento que um dos participantes do furto recebeu. Este, com medo de ser descoberto, preferiu enterrar a peça no quintal, provavelmente esquecendo o local exato ou mesmo tendo morrido sem nada revelar a ninguém. A casa fica perto da encosta de uma favela.

Bem, mas o inusitado deste roubo, veio a tona. 

A Revista Numismática, de 1937, nas páginas 246 a 250 relaciona as moedas e barras de ouro desfalcadas da preciosa coleção doada por Guilherme Guinle ao Museu Histórico Nacional (dados colhidos no Gabinete de Investigações na Seção de Furtos e Roubos da Polícia Carioca), com a respectiva avaliação total do roubo em 218.000$000 (duzentos e dezoito contos de réis).

Kurt Prober, em seu livro entitulado ''Ouro em Pó e em Barras, Meio Circulante do Brasil, 1754 - 1833'', publicado em 1990, em trecho à parte identificado como "capítulo E", dá, equivocadamente, a data do roubo no referido museu em 24 e 25 de JULHO e não em JUNHO. Todavia expõe detalhes e pormenores e cita nomes de alguns envolvidos.

O Museu Histórioco Nacional, hoje.

Fontes de consulta: Ouro em Pó e em Barras, Meio Circulante, Kurt Prober.....''Ensaio Biográfico de Guilherme Guinle'', 1882-1960 - de autoria de Geraldo Mendes de Barros no ano de 1982.