Habsburgo - O fim de uma dinastia

A partir do século XIII, os Habsburgos, família nobre originária de um cantão suíço, transformar-se-ia no decorrer dos dois séculos seguintes na mais prestigiosa dinastia reinante na Europa. Duques e arquiduques da Áustria desde 1282; imperadores da Áustria, de 1804 a 1918; reis da Bohemia e Hungria, de 1526 a 1918; imperadores sacro-romanos, de 1438 a 1806; e reis da Espanha, de 1516 a 1700 se revezaram no poder por séculos, garantindo, a cada nova geração, mais riqueza e mais poder.
A cosanguinidade derivada dos diversos casamentos entre os herdeiros da dinastia acabou sendo decisiva para o seu fim.


O Sacro Império Romano - O  esplendor de uma dinastia que não deveria sucumbir jamais.

A posse de Carlos V no trono espanhol, como Imperador do Sacro Império Romano em 1518, indicou o auge da dinastia.
Esta estirpe viu-se projetar para além da história política do Velho Mundo, também pela História da Medicina e Odontologia, graças ao fardo genético familiar, devido à cosanguinidade derivada dos diversos casamentos entre parentes próximos. Conhecida como “A Enfermidade dos Habsburgos”, o prognatismo mandibular é uma enfermidade que se caracteriza pela deformação das articulações, em particular das mandíbulas, às vezes também presente em todo o rosto, como a gibosidade do nariz e o aumento de volume e saliência do lábio inferior, conhecidos como nariz e lábio Habsburgo.


PROGNATISMO MANDIBULAR.

Os portadores desta enfermidade podem ter dificuldade na mastigação e na deglutição, além de distúrbios da fala e certa inabilidade em fechar a boca. A anedota que ilustra bem esta situação, conta que Carlos V, na sua primeira viagem desde os Países Baixos até a Espanha, que passaria a ser o seu novo reino, ouviu um camponês gritar-lhe: “-Majestade, feche a boca, que as moscas deste país são insolentes!”.

Nota: Na figura ao lado, um Thaler de 1695 de Leopoldo I de Habsburgo (1657-1705) evidenciando notavelmente o prognatismo mandibular que impedia o soberano de cerrar os lábios.

Estudos genéticos da família dos Habsburgos sugeriram que estas características faciais eram transmitidas por um gene simples dominante. Este fato explicaria o aparecimento persistente do prognatismo ao longo de várias gerações. Entretanto, estudos mais recentes em famílias com prognatismo demonstraram que a transmissão se dá por um gene de dominância com penetrância variável e não pode ser excluída a possibilidade de um sistema multifatorial na hereditariedade do tipo em que os pares de genes só se manifestam sob efeito de um gene adicional. Isto explica porque, mesmo na família dos Habsburgos, não há uma constância rígida na transmissão do prognatismo.

A consanguinidade também contribuiu em muito para o surgimento do “queixo Habsburgo”, assim como provavelmente de outras afecções que afetaram por séculos a régia família. Asma, gota, melancolia, epilepsia, graves psicoses, entre outras, tornaram muito difícil atribuir a uma só causa o avançado grau de degenerescência que se apossou dos Habsburgos no século XVI.

Na Espanha de Carlos V, a consanguinidade pôs fim a esta linhagem em 1700, apenas com mais quatro gerações. Foram estes os reis Felipe II, Felipe III, Felipe IV e o desafortunado Carlos II, portadores de exuberante prognatismo, mas que foram também vítimas de outras afecções congênitas.

Carlos V era neto dos reis que unificaram a Espanha, os primos Isabel e Fernando de Aragão, que geraram Joana, a Louca, mãe do Imperador Carlos V, que, além do prognatismo, ainda sofria de gota e era sujeito a crises de melancolia. Joana casou-se com Felipe I, filho de um Habsburgo austríaco Maximiliano II, por isto Carlos V tornou-se o primeiro Habsburgo espanhol. 

Felipe II, filho de Carlos V, por puro interesse dinástico, casou-se sucessivamente com sobrinha, prima e tia. Felipe III, seu sucessor, só foi rei porque o seu irmão mais velho, D. Carlos, era louco e morreu antes do pai em circunstâncias obscuras. Como seu pai Felipe IV, era filho de primos consanguíneos. 

O último herdeiro do nome, conhecido por Carlos, o Enfeitiçado, sofreu a carga concentrada dos piores traços genéticos destes casamentos em família. Era portador de atraso psicomotor, tão frágil que aos 6 anos de idade mal se mantinha em pé. Aos distúrbios mentais e físicos oriundos das ligações interfamiliares, juntava-se a sífilis congênita com a famosa tríade de Hutchinson, surdez do 8° nervo craniano, queratite e dentes fendidos. A hipospádia, outra condição clínica que ocasionalmente pode estar associada ao prognatismo, poderia ter sido a causa de sua impotência. 

Embora casado duas vezes, não conseguiu prover a Espanha de um herdeiro, indicando então como seu sucessor Felipe de Anjou, que se tornou o quinto rei desse nome. Neto de Luiz XIV, de França, casado com a meia-irmã do rei espanhol, Maria Tereza, Felipe V, o novo rei, leva então os Bourbons ao trono espanhol. 

Em 1977, Hodge, comentando a história médica dos Habsbugos espanhóis, afirma que, se tivessem conhecido as leis da hereditariedade e as consequências dos entrelaçamentos consanguíneos deles resultantes, a História da Espanha poderia ter sido outra. E, como nota final de ironia, acrescenta: “Desde que vários Habsburgos casaram-se com Bourbouns, membros desta família tornaram-se herdeiros também do queixo Habsburgo”.


D. PEDRO II E A HERANÇA DOS HABSBURGOS

Muito embora seja bastante ampla a bibliografia referente aos príncipes da casa real luso-brasileira, são escassas as notas de cunho clínico que registram a protrusão mandibular de caráter familiar, particularmente no segundo Imperador, em quem mais exuberante se evidenciou.

Duas linhagens diferentes introduziram o gene do prognatismo na família imperial brasileira; uma por meio de Felipe, o Belo, e das casas reais da Espanha e Áustria. A outra linhagem vem por meio da casa real portuguesa, iniciando-se em Fernando de Aragão, que certamente era afetado.

Os casamentos consanguíneos, fato comum nas famílias imperiais européias, é demonstrado pela presença de D. Leopoldina fazendo parte de uma das linhagens de D. Pedro I também portadoras de prognatismo. Com caráter autossômico dominante, o prognatismo mandibular manifesta-se em heterozigotos. D. Pedro II pode ter herdado o gene tanto do seu pai, D. Pedro I, quanto de sua mãe, D. Leopoldina, já que ambos eram afetados. É interessante notar que D. Pedro II escapou de um destino sombrio,pois se ambos os pais eram portadores, ele tinha 25% de chance de receber o gene em dose dupla (homozigose). Fato que certamente teria provocado maiores consequências. 

Ao observar as gerações seguintes a D. Pedro II, nota-se que esta anomalia provavelmente continuou se manifestando em seus descendentes, como pode ser documentado em um retrato de seus netos Antonio, Pedro e Carlos, filhos da Princesa Isabel.

Os diversos retratos desenhados e as fotografias disponíveis de D. Pedro II mostram a evolução estética da barba e a sua relação com a face. Nas poucas gravuras de infância e juventude nota-se a progressão do prognatismo. Os retratos ao redor de 20 anos de idade demonstram uma barba ainda rala e situada em áreas de forma a não conseguir esconder o queixo alongado. Já as gravuras e as fotos com D. Pedro II já mais maduro mostram uma barba longa e espessa com o corte bem arredondado, o que resultou numa cara de aspecto mais redondo, escondendo completamente o seu queixo.
Em 1968, Grabb simulou uma correção no queixo de Carlos V. Esta afecção era uma característica reconhecida de cunho familiar, portanto não teria uma representação anti-social. Os casos de repercussão clínica, como o do Rei Leopoldo I da Áustria ou Carlos II da Espanha, certamente poderiam ter sido favorecidos. Entretanto, a correção cirúrgica só foi desenvolvida com sucesso no início do século XX.